terça-feira, 21 de julho de 2009

Um Passeio pelo Tamisa e o Humor Britânico





Escrevia Bill Bryson, no seu livro sobre a Grã-Bretanha "Crónica de uma pequena ilha":

“…ainda me espanto e impressiono com a qualidade de humor que se encontra nos lugares mais inverosímeis – lugares onde era impossível acontecer noutros países. Encontramos esse tipo de humor na linguagem dos vendedores das barracas, e no procedimento habitual dos artistas de rua – o tipo de pessoas que fazem malabarismos com paus a arder em cima de “bicicletas” de uma só roda, e que conseguem dizer piadas acerca deles próprios e de pessoas escolhidas no meio da audiência – e também nos espectáculos de pantomimas do Natal, nas conversas de pubs e nos encontros com estranhos em locais isolados.”
Confesso que, se há característica de que eu gosto nos ingleses é precisamente esse tipo de humor que encontramos na situação mais inesperada. Um humor sarcástico, feito de trocadilhos e de alusões a pessoas ou situações reconhecíveis. Um humor irresistível. Recordo várias situações: um artista de rua em Bath; um mágico de rua em Covent Garden; um beefeater que nos orientou numa visita guiada na Torre de Londres e nos fez chorar a rir com as descrições das prisões e execuções; mas, acima de todos eles, o guia do nosso passeio no rio Tamisa.

Estávamos no verão de 2006 e passeava com a família porLondres. Do cais de Westminster, olhávamos os barcos que sobem e descem o Tamisa e, como qualquer turista, decidimos fazer a viagem. Havia várias hipóteses: a maioria dos barcos ía só até às portas do Tamisa (como chamam às comportas que controlam o caudal do rio) mas nós resolvemos ir até Greenwich. Logo que passámos as bilheteiras e vimos o barco, ficámos desmoralizados: era o barco mais velho que estava no cais, com uma pequena zona coberta e bancos de madeira, corridos, no exterior. Caía uma chuvinha intermitente, a que já nos estávamos a habituar, e preparámo-nos para a viagem. Logo que o barco largou do cais, ouviu-se uma voz ao microfone a dar-nos as boas-vindas, e a explicar que não era guia profissional, mas ía tentar dar-nos umas dicas sobre o que íamos vendo. E, realmente, ele falou de tudo um pouco: tinha uma história para cada ponte, para cada monumento; cada ponto do percurso dava origem a uma piada. Tinha uma graça natural e todos no barco riam com gosto. Víamos passar por nós os belos barcos que subiam o Tamisa, com todos os passageiros sérios, a olhar obedientemente para a direita e para a esquerda, e já ninguém tinha pena ou quereria trocar.
Chegados a Greenwich, saímos do barco e fizemos tudo a que tínhamos direito: vimos o veleiro Cutty Sark, que na altura ainda não tinha ardido, apreciámos a Queen’s House e o Royal Naval College, visitámos o Real Observatório Astronómico, tirámos fotografias com um pé em cada hemisfério terrestre. Chegada a hora de regressar a Londres, procurámos o velho barco, já não queríamos outro. À entrada, o nosso guia foi avisando: “Preparem-se para uma viagem completamente diferente: tudo o que viram do lado direito, está agora do lado esquerdo, e vice-versa!” Não sei como, mas ele continuava a ter reportório, as histórias e piadas sucediam-se. Rimos novamente até Westminster. Antes de sairmos, ainda teve tempo de avisar: “Podem contribuir com algumas moedas para o meu bem-estar. Se não quiserem dar nada, não são obrigados, mas lembrem-se que sou eu que vos ajudo a sair do barco!”
(Fotos de Teresa e Fernando Ferreira)

sábado, 18 de julho de 2009

Finalmente, o deserto!




Depois das kasbahs, o deserto. Avançamos na direcção de Erfoud e das dunas de Merzouga. Aqui, já é o deserto a sério, das dunas, da areia dourada, finíssima, morna do sol do fim da tarde, onde apetece enterrar os pés nús. O deserto dos camelos e dos seus cameleiros, cobertos com as suas djellabahs e os seus turbantes azuis. O deserto do silêncio.


O vento morno fazia a areia rodopiar e entrar nas camisolas e nas máquinas fotográficas e na boca. Mas, num certo momento mágico, o céu começou a tingir-se dos vermelhos, laranjas e roxos mais improváveis, e o sol caiu atrás das dunas e das montanhas, ao fundo do horizonte. No mesmo momento mágico, o vento parou e tudo ficou subitamente imóvel. Nem um movimento, nem um som.


Aqui, o nosso silêncio é sempre povoado de pequenos barulhos, cigarras, um carro que passa, um grito ao longe, a folhagem que abana, um cão que ladra. No deserto não se ouve um som e essa é uma sensação esmagadora.

Começa o regresso ao local de encontro. E recomeçam os sons. Ouvem-se os passos cadenciados dos camelos na areia. Ou os nossos próprios passos. Mas aquele momento mágico fica para sempre com quem o viveu.

Dunas de Merzouga - Marrocos / Julho 2007 (Fotos de Fernando Ferreira)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O fascínio das Kasbahs


Marrocos é um importante destino turístico, por natureza. É um destino exótico mesmo às portas da Europa, muito diferente na sua cultura, hábitos de vida, paisagem. No entanto, embora de religião muçulmana, é suficientemente tolerante em termos religiosos para qualquer europeu se sentir perfeitamente seguro. Por isto tudo, não admira que se vejam tantos turistas em Marrocos.
A maioria dos turistas, porém, fica-se pelas cidades do norte de Marrocos, Tânger, Fez, Marraqueche. Visitam as medinas, perdem-se nos mercados e bazares, e regressam carregados de malas e tapetes, tambores e pífaros, chinelas e djelabahs. Fiz exactamente isso na minha primeira viagem a Marrocos, já lá vão 20 anos. Em 2007, voltei a Marrocos numa viagem que me levou para sul das montanhas do Alto Atlas. E encontrei uma região completamente diferente e fascinante. Ainda não é a África negra, subsariana, mas também não é a África da costa mediterrânica. É a região das kasbahs.

Aït Benhadou
Esta região começa logo a sul do Alto Atlas, onde as montanhas e o deserto se começam a encontrar. O deserto rochoso é pontuado por oásis cheios de tamareiras. Há desfiladeiros e wadis (rios que secam no verão) até à orla do deserto do Sara. A luz é muito intensa e as cores adquirem um brilho e uma intensidade de grande riqueza.
A kasbah era uma residência fortificada, que funcionava como um castelo. São edifícios majestosos, ladeados por altas torres, que servem de local de habitação, mas também de refúgio para pessoas e animais. Os tijolos são feitos de argila misturada com água e palha triturada, e secos ao sol.
Ouarzazate é a cidade mais importante da região. Era uma antiga guarnição da Legião Estrangeira francesa e hoje é uma cidade tranquila, onde podemos tomar um chá de menta numa das agradáveis esplanadas da praça principal, sem qualquer receio. Aí se pode encontrar uma das mais belas kasbahs desta zona, a kasbah Taourirt, datada do século XVIII. Está ainda a ser restaurada, mas é um edifício de uma beleza extraordinária. Ao longo das estradas, ou no alto dos desfiladeiros, podemos ver vários destes imponentes edifícios. Alguns estão transformados em reataurantes, outros em hotéis, outros aguardam ainda um destino à altura da sua beleza e imponência.

A kasbah Taourirt
Toda esta zona corresponde quase na perfeição às representações culturais que temos do deserto. Por isso, não é de admirar que aqui se encontrem também grandes estúdios cinematográficos, onde foram já filmados centenas de filmes, como Um chá no Deserto, de Bernardo Bertolucci. Um desses estúdios é o Atlas Film Studios, cercado por umas muralhas em pisé pontuadas por grandes figuras egípcias de imitação, que dão um toque hollywoodesco à paisagem, que não cai nada bem.
A kasbah mais deslumbrante é, sem dúvida, Aït Benhadou, uns quilómetros a norte de Ouarzazate. Quando cheguei a Aït Benhadou, a tarde ía já a meio e o sol banhava obliquamente toda a zona. Deixámos o carro na pequena aldeia fronteira à kasbah e fomos avançando a pé. Há um rio, o wadi Mellah, que corre entre a aldeia e os velhos edifícios. No verão costuma estar seco, mas ainda levava água. Soprava um vento morno do deserto e eu não hesitei: tirei as sandálias e comecei a atravessar o riacho. Surgiram logo uns miúdos a mostrarem as pedras onde devia pôr os pés e a oferecerem ajuda. Aceitei. Sabia que depois eles me iam cobrar esta ajuda, em cêntimos ou em rebuçados. Mas não queria quebrar a magia daquele momento com discussões inúteis. Subi pelos andares da kasbah, espreitando para os locais onde ainda hoje se guardam os animais, para a cozinha, escura, com o seu pequeno forno, para o labirinto de espaços e corredores. O milho e as tâmaras secam nos telhados. Todo o espaço é aproveitado. Trepei pelas ruelas da ksar até ao cimo do monte. O vento era aí um pouco mais intenso, um vento morno que queimava a pele, um vento que vinha do deserto que se vislumbrava mais a sul. É um mundo diferente, estranho e fascinante.

Parti a contragosto. Sentia que era um local onde me apetecia permanecer e sentir o tempo a passar. Mas o deserto chamava e parti na direcção de Erfoud, na direcção das grandes dunas de Merzouga. Na direcção do Sara.
Aït Benhadou foi classificada como Património Mundial pela UNESCO e, desde aí, tem estado a ser recuperada. É um dos locais mais extraordinários que eu já visitei.

Alguém é servido de um chá de menta?

Oásis do Sul - Julho 2007 (Fotos Teresa Diniz)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Munique




Hoje, quando tentava ressuscitar o meu velho computador para ver o que podia de lá recuperar, encontrei umas fotos antigas de Munique, das quais já nem me lembrava. Foi a primeira viagem grande que fiz com os meus filhos, ele com 10, ela com 8. Até aí, dividia as águas: viajava com o meu marido, ou amigos, e as férias em família, com as crianças, eram na praia. Nesse ano, resolvemos experimentar uma coisa diferente. O meu filho era um entusiasta da Lego e morria de vontade de ir visitar uma Legoland. Foi um bom pretexto, já que eu morria de vontade de visitar os castelos da Baviera. E lá fomos todos para Munique.

Lembro-me da excitação dos miúdos no dia da partida. Levantaram-se de madrugada, sem protestos, para ir para o aeroporto. Eles nunca tinham andado de avião e receberam um certificado e uma prendinha (creio que foi um baralho de cartas!) da TAP. Cada um tinha uma pequena mochila à sua responsabilidade e sentiam-se muito importantes e orgulhosos.


O dia foi longo. Ao fim da tarde, estávamos na Marienplatz, já em Munique, a ver o célebre relógio da Câmara Municipal, com as suas figuras que se movimentam, quando vejo que a minha filha adormeceu. Adormeceu agarrada à sua mochilinha, encostada a um gradeamento que protegia uma árvore, no meio da praça. Tive um ataque de preocupação maternal, voei para o hotel na ideia de os pôr a descansar algum tempo. Que ideia a minha! Mal chegaram ao hotel, o sono desapareceu. Horas depois, já eu estava esgotada e a precisar de dormir, ainda a minha filha cantava, com uma caneca de meio litro de sumo de laranja na mão, na cervejaria mais célebre de Munique!

Foi uma semana muito boa. Os pais também brincaram na Legoland e os filhos também apreciaram os castelos da Baviera. Quando, depois de algum passeio maior por Munique, os miúdos estavam cansados, fazíamos um jogo: ver quem adivinhava o número de passos que nos faltavam até ao hotel. E tudo acabava em brincadeira. É assim que se vão construindo as relações.

Munique, Agosto de 2002 (Fotografias de Fernando Ferreira)

domingo, 12 de julho de 2009

A caminho de Jerusalém


Neste mesmo dia 7 de Julho, mas no já longínquo ano da graça de Nosso senhor Jesus Cristo de 1099, Godofredo de Bulhões chegava às portas de Jerusalém. Decorria a primeira Cruzada. Depois do pregão feito pelo Papa, toda a Cristandade se levantou num impulso entusiástico para libertar o Santo Sepulcro das mãos do infiel. É claro que, no século XI, o mundo infiel estava, em muitos aspectos, mais desenvolvido do que a Cristandade, mas isso que importava para aqueles espíritos movidos pela fé, mas também pela ganância de dominar novos territórios e novas riquezas?

Na 1.ª Cruzada, assim como nas que se lhe seguiram, cometeram-se atrocidades indescritíveis, em nome de Cristo e da sua Igreja. Mas conquistou-se Jerusalém. Por algum tempo, até Saladino a reconquistar para o mundo muçulmano. Nessa época, tal como hoje, Jerusalém representava o centro da fé, o prémio supremo. Disputada por três religiões, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, Jerusalém era considerada o centro do mundo, nos mapas da Idade Média.


Se Deus me ajudar, Deus, Elohim, Alá - tantos nomes para a mesma necessidade de sagrado - lá estarei em Jerusalém no fim deste mês, para fazer um Curso sobre Ensino do Holocausto.

Também comecei o meu cerco a Jerusalém.

(Texto escrito e publicado em 7 de Julho de 2009)

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No passado domingo, dia 5 de Julho, o grupo de professores que vai a Jerusalém fazer o curso "Memória e Ensino do Holocausto" encontrou-se na Biblioteca da Sinagoga de Lisboa para conhecer alguns pormenores logísticos da viagem e do curso.
Gostei de conhecer a sinagoga, que não conhecia, nem sabia onde se situava. No início do século XX, todos os templos não católicos tinham liberdade para praticar os seus cultos, mas não podiam ter fachada para a rua. Assim, a sinagoga, na Rua Alexandre Herculano, passa bastante despercebida. Os espaços, os rituais,as letras e os números, tudo é diferente e, para mim, interessante.
Um dos organizadores da viagem deu-nos os horários de partidas e chegadas. Chegamos ao aeroporto Ben Gurion, em Telavive, cerca da meia-noite. Um autocarro vem buscar-nos, para nos transportar ao hotel, em Jerusalém.
"No dia seguinte, o mesmo autocarro vai buscar-vos ao Hotel e leva-vos ao Yad Vashem, para começar o curso. O autocarro parte às 8h 30m; não se atrasem, que o autocarro não espera", avisa o organizador.
Preocupo-me com a hora da chegada ao Hotel, no primeiro dia. Parece-me um horário muito apertado, muito cansativo.
"E se há um atraso no aeroporto, ou no autocarro?"
"Não há atrasos. Estamos em Israel."
Hum! Onde está o mundo a que eu estou habituada, o mundo contra o qual protesto mas a que já me acostumei, o mundo do pouco mais ou menos, do "cerca das dez horas" na certeza de que será às dez e meia, o mundo da flexibilidade e da aproximação? Desconfio que vou entrar mesmo noutro mundo, um mundo de rigor e horários precisos, mais eficiente, mas muito menos mediterrânico!

Um novo Blogue: Olhares Viajantes

Apeteceu-me criar um novo blogue. Desta vez, é um blogue temático. Se calhar é por estar em férias, mas a verdade é que me apetece mesmo escrever sobre as viagens que já fiz, as impressões que ficaram, como eu olhei para as coisas à minha volta. Postar textos, fotografias, ir organizando álbuns de viagens. Sem ordem especial, ao correr da pena: as etiquetas se encarregarão de ir organizando os meus álbuns. Logo se verá.

Por vezes, irei buscar buscar coisas que já escrevi ao meu outro blogue. Mas aqui só irão caber olhares em busca do que é diferente, olhares viajantes.