quinta-feira, 29 de março de 2018

Histórias de Berlim II – Uma cidade dividida

Berlim no mundo...


Depois de um século XIX de afirmação política, económica e cultural, a Alemanha vive um século XX de instabilidade, alternando as fases de nacionalismo e imperialismo extremos com as derrotas mais desastrosas. Berlim está no epicentro de todos esses acontecimentos e a cidade reflete o que de pior se abateu sobre o continente europeu nos últimos cem anos.

Rostos que marcaram a história de Berlim, no Berlin Story Center

Após o brilho imperial, Berlim torna-se a capital do estado nazi, de tristes memórias. O fulgor das paradas militares não consegue esconder os tons escuros e opacos da manipulação ideológica e da repressão a todos os que não encaixavam na raça superior. A pergunta, inevitável, é: “Como foi possível?” Dos muitos bunkers construídos para defesa da população durante a guerra, um foi mantido como testemunho. O cubo de cimento armado, de paredes grossas e sem aberturas para o exterior, chegou a albergar 12 000 pessoas durante os bombardeamentos do final da Segunda Guerra Mundial. Caminhamos pelos corredores escuros e húmidos com a impressão de esmagamento e claustrofobia que os berlinenses também devem ter sentido, os mesmos berlinenses que aclamavam Hitler pouco tempo antes. Como foi possível? Agora, a maior parte das salas alberga uma exposição que segue cronologicamente o percurso de Hitler e das doutrinas nacional-socialistas. O material é imenso; infelizmente, nada pode ser filmado ou fotografado sem uma autorização do governo alemão.

A entrada do bunker

O lado mais negro do regime nazi é recordado em inúmeros memoriais aos que foram assassinados, desde os homossexuais aos Sinti ou Roma, usualmente conhecidos por ciganos. Perto deste memorial, um grupo de ciganos encena um jogo de laranjinha, para atrair os turistas incautos. Não podemos deixar de sorrir com a ironia desta forma de preservação da memória!...

Memorial aos ciganos assassinados

O memorial mais imponente é o dedicado aos judeus assassinados na Europa às mãos do estado nazi, naquilo que é designado como Holocausto. São também blocos de cimento, de dimensões variadas, que criam um campo triste e cinzento de memórias. Infelizmente, alguns usam-no para tirar selfies sorridentes ou fazer parkour. Não consigo entender a ignorância e a insensibilidade de quem o faz.

Memorial aos judeus assassinados na Europa


O Museu Judaico conta outro lado desta história. Não deixando de mostrar os percursos de perseguição, morte e exílio, foca-se na integração das comunidades judaicas no espaço alemão, desde a Idade Média. Mas a história desta interligação social e económica não permite esquecer o antissemitismo que nos acompanha sempre, numa linha que, ao longo da parede, recorda frases e comportamentos que conduziram a uma atitude extrema e quase inexplicável na sua violência. O Museu Judaico merece uma visita, nem que seja pela sua espantosa arquitetura e volumetria, simbolizando uma estrela de David desconstruída e violentada.

O Museu Judaico

O quotidiano das comunidades judaicas

Todos sabemos o fim da história, a derrota nazi e a destruição de Berlim. Os primeiros a chegar foram os russos e o grandioso monumento ao soldado soviético bem o atesta, perto do centro do poder, perto do Reichtag. Aí se presta homenagem aos soldados que morreram pela libertação da sua pátria soviética, mesmo ali tão longe, no coração do poder nazi.

O Monumento ao soldado soviético
A cidade foi dividida, depois da guerra, de acordo com a divisão de esferas de influência ditada pela Guerra Fria. Meia Berlim para os soviéticos, meia Berlim para os americanos, ingleses e franceses. Essas memórias ainda estão bem presentes em locais icónicos como o check-point Charlie, que separava o setor americano do russo. Hoje, há ali museus sobre a divisão de Berlim e o Muro que a consagrou e, por cinco euros, é possível tirar uma fotografia com soldados, numa encenação entre o histórico e o folclórico.

O Museu do Muro

Check-point Charlie

A postos para a fotografia...

De resto, há pedaços do Muro que circundava Berlim Ocidental em vários locais, o mais conhecido dos quais é a East Side Gallery. Muitos outros pedaços foram vendidos como souvenirs aos turistas que acorrem ao local desde a queda do Muro, em 1989. No chão, uma linha recorda-nos onde passava e há fotografias e placas a explicarem toda a história.

Pedaços do Muro em Potsdamer Platz

Imagens da cidade dividida

A vida na DDR ou República Democrática Alemã, a chamada Alemanha de Leste, também não está esquecida: existe um museu da DDR, onde se recria o quotidiano da época através dos objetos e das imagens, e um museu da Stasi, a polícia política, que mostra a obcessão controladora e os mecanismos de repressão.


Vestígios da DDR


Hoje, há cada vez menos diferenças entre os dois lados da cidade dividida. Nas zonas onde o Muro de Berlim se erguia, e na espécie de terra de ninguém que o rodeava, erguem-se agora grandes edifícios e instalações modernas. As avenidas da zona ocidental continuam com as suas lojas e cafés requintados. Junto a Potsdamer Platz, na antiga zona oriental, um Passeio das Estrelas liga Berlim às referências de Hollywood.

A bela avenida Kurfurstendamm

Passeio das Estrelas, como em Hollywood

Ao fundo da avenida mais central e imponente de Berlim, Unter den Linden, quase escondidas no meio de um jardim pouco cuidado, as grandes estátuas de Karl Marx e Friedrich Engels parecem agora perdidas e desajustadas. Fui lá numa espécie de romagem de desagravo. Olha, Marx, pode ser que corra melhor da próxima vez!


As grandes estátuas de Marx e Engels...