sexta-feira, 2 de abril de 2021

De Petrovaradin às Portas de Ferro – As Fortalezas do Danúbio

 

O rio Danúbio no Desfiladeiro de Djerdap (perto das Portas de Ferro)

O rio Danúbio é um dos maiores rios da Europa. Cruza-a de oeste para leste, num percurso de quase 3000 quilómetros, desde a nascente no sul da Alemanha até desaguar no Mar Negro.

Cruza vários países europeus, constituindo uma via comercial sem par. Mas também forjou fronteiras e participou dos jogos políticos, como um obstáculo a ultrapassar ou um trunfo a brandir.

Um dos países que percorre é a Sérvia. O Danúbio corta o país no seu trajeto, banhando a capital, Belgrado, e servindo depois de fronteira com a Roménia, nas chamadas Portas de Ferro.


O Danúbio junto à cidade de Novisad


O seu percurso é semeado de fortalezas: Petrovaradin, Smederevo, Golubac e o próprio Kalamegdan, que coroa Belgrado. Cada uma conta uma história diferente, de disputas e afirmação territorial. E hoje, o que nos dizem elas? Fui visitá-las, para tentar perceber o seu sentido histórico e o seu valor simbólico na atualidade.


Uma das entradas para a fortaleza de Petrovaradin


Petrovaradin é a fortaleza que se situa mais a norte. Foi construída pelos Turcos Otomanos na margem direita do Danúbio, frente à cidade de Novisad, mas são os imperadores da Áustria-Hungria que, no século XVIII, lhe dão o seu aspeto atual.

É uma fortaleza enorme, a que se acede por uma rua que é uma larga escadaria e, lá do alto, a vista sobre o rio Danúbio é maravilhosa. Nas esplanadas debruçadas sobre o rio percebe-se o nome dado a esta fortaleza: “Gibraltar sobre o Danúbio”.


Subindo para a fortaleza

Vista sobre o Danúbio da esplanada de Petrovaradin


Tal como na Gibraltar original, o interior do rochedo em que se apoia foi utilizado para alojamento de tropas e paiol de munições. Uma grande parte é hoje visitável. Também se pode visitar uma exposição sobre a história da cidade e da fortaleza mas, infelizmente, todas as legendas e explicações estão escritas em sérvio e, geralmente, com o alfabeto cirílico, o que impossibilita a sua compreensão ao incauto turista. Tive de expressar o meu descontentamento na saída, reclamando umas legendazinhas em inglês... Será que já atenderam o meu pedido?

A Torre do Relógio de Petrovaradin tem um pormenor interessante. Os ponteiros são ao contrário do usual: o maior marca as horas e o mais pequeno marca os minutos. Assim, os barqueiros do rio podiam mais facilmente ver as horas!


A torre do relógio de Petrovaradin


Como todos os locais recheados de História, Petrovaradin tem as suas lendas. Conta-se que, durante as campanhas de Napoleão, os imperadores austro-húngaros aqui esconderam alguns tesouros. O que não é lenda é que a velha fortaleza se modernizou: hoje situa-se ali o Centro de Artes da cidade e ali decorre, anualmente, o festival de música Exit, o maior da Sérvia. De local de fronteira e divisão, a fortaleza de Petrovaradin evoluiu para um local de partilha e união. Parece uma boa evolução!...


Um troço das muralhas do Kalamegdan... com gato


Avancemos para sul, seguindo o curso do rio. Onde o rio Danúbio recebe as águas do rio Sava, nasceu a cidade de Belgrado e, para a proteger, ergueu-se a monumental fortaleza a que os turcos chamaram Kalamegdan. Inclui as antigas fortificações do tempo dos turcos e um belo parque, por onde apetece passear vagarosamente ou sentar a apreciar a vista panorâmica sobre os dois rios que ali se unem.


A entrada para a fortaleza de Belgrado


Aqui se juntam o rio Sava e o rio Danúbio


A fortaleza foi destruída e reconstruída muitas vezes, entre o século II e o século XX e conhecer a sua história é compreender um pouco melhor a história e o caráter do povo sérvio. Todos os povos que ali passaram deixaram a sua marca: Romanos, Godos, Hunos, Ávaros, Eslavos, Turcos, Austríacos... Podemos ainda ver o poço romano, uma pequena capela ortodoxa ou o Hamam, o edifício dos banhos turcos.


Passeando pelo parque...




O monumental Victor, símbolo da Vitória, ergue-se muito acima das muralhas, mas é o rio Danúbio que continua sempre a atrair o nosso olhar.


O vitorioso Victor

O rio, junto ao Kalamegdan


Continuando a descer o rio, encontramos a grande fortaleza medieval de Smederevo. Conta a lenda que o déspota Djurandj Brankov teve um sonho, no qual recebia a ordem de fundar uma cidade na confluência do rio Jezava com o Danúbio. A fortaleza foi mandada construir com tanta rapidez e trabalho forçado que muitos trabalhadores morreram de exaustão. A população culpou a esposa do déspota, uma princesa bizantina, pelo abuso e amaldiçoaram-na, eternizando o seu nome na fortaleza, conhecida popularmente como “Maldita Jerina”.


Entrada na fortaleza de Smederevo

Uma das 25 torres...


Lendas à parte, havia pressa em construir a fortaleza porque os turcos pressionavam a área e, efetivamente, conseguiram a sua conquista em 1459. Marcou o final do reino medieval da Sérvia.

A fortaleza de Smederevo tem a forma de um triângulo irregular e é ainda reconhecível pelas suas 25 imponentes torres. Infelizmente, a 2.ª Guerra Mundial causou-lhe danos irreparáveis e os trabalhos de reconstrução continuam.

Hoje, a população aproveita os relvados do interior da fortaleza para os seus passeios de domingo, enquanto contempla as grandes barcaças que continuam a cruzar o rio.


O campo interior da fortaleza

As barcaças sulcam o Danúbio, junto às muralhas de Smederevo


À medida que o rio Danúbio vai continuando o seu caminho para o mar, começa a entrar agora num dos seus percursos mais espetaculares – as Portas de Ferro. O rio estreita-se, entalado entre os desfiladeiros dos Cárpatos. Durante muitos quilómetros, serve de fronteira entre a Sérvia e a Roménia. E é aí, nesse cenário dramático, que encontramos a forteza de Golubac, a última de que vou falar.


As Portas de Ferro


A sua construção está envolta em trevas, ignorância e lendas, mas os historiadores parecem estar de acordo quanto ao século da sua fundação, o século XIV. Também estão de acordo quanto às lutas que aquele lugar estratégico protagonizou, entre austro-húngaros e turcos otomanos. O que é inquestionável é a sua importante localização, dominando a estreita passagem do rio Danúbio por estas “Portas de Ferro”.

Quando ali passámos, em 2015, tinham-se iniciado há pouco os trabalhos de reconstrução da pequena fortaleza. Todo o espaço envolvente, antes e depois do túnel que passa por baixo da fortaleza, era um autêntico canteiro de obras. Mas ainda consegui tirar duas ou três fotografias que me permitem comparar com a atualidade.


A fortaleza de Golubac em 2015



Os trabalhos de recuperação foram terminados e Golubac foi aberto ao público em 2019. As suas torres avançam para o rio, descendo do topo das rochas, para receberem os turistas que aí chegam, nos barcos de cruzeiro que cruzam o danúbio. Está bonito, sem dúvida! Mas, comparando as fotografias de 2015 com as atuais, pergunto a mim própria se a reconstrução da fortaleza de Golubac não teria sido demasiado... criativa!


Fortaleza de Golubac na atualidade (Fotografia tirada do site da Lonelyplanet)



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