segunda-feira, 16 de julho de 2012

À descoberta da Sicília I - Chegar a Palermo

(Cúpula em majólica da Igreja de Santa Maria delle Carmine)

Um aeroporto, como qualquer outro. Depois, um autocarro, desses que em todas as cidades levam os turistas até ao centro da cidade. Após 45 minutos de viagem, chegamos à Estação Central dos comboios. Descemos, parece que o nosso Hotel é ali perto. Vou cheia de expectativas barrocas, o Hotel recuperou um velho palazzo do século XVIII, em pleno centro histórico.
Mas Palermo é um sítio estranho. À primeira vista, é uma cidade de cores mediterrânicas, ocres, brancos manchados pelo uso e pelo sol, amarelos desbotados. As janelas têm portadas de tabuinhas e as varandas estreitas são suportadas por ferros exteriores, como prateleiras.


(As vielas do centro de Palermo)

A multietnicidade é evidente: negros, indianos, até italianos! A sujidade e o desarranjo dos espaços públicos choca-nos e faz-nos entrar em desacordo: pode comparar-se com Lisboa? A caminho do Hotel, arrastamos as malas por ruelas estreitas, de prédios decrépitos, roupa nas janelas, depósitos de água nas varandas, antenas parabólicas. Há miúdos a jogar futebol com uma cebola crua e grupos de negros a tocas congas, tambores e garrafas. De repente, parece que estamos em África. Mas ali, ao virar da esquina, há uma igreja barroca e uma biblioteca construída com uma fachada de templo clássico.


(Música junto à Piazza Ballaró)

Depois de largarmos as malas no Hotel, que parece um oásis no meio da confusão, saímos a pé, para sentirmos o ambiente de Palermo. Há vielas estreitas, com mulheres a conversar à varanda. Há lojas de marca. Há um trânsito desordenado, muitos carros com marcas de batidelas e revoadas de motas que consideram que as regras de trânsito não se lhes aplicam! Passam sinais vermelhos, não respeitam as passadeiras, transitam sem capacete, em contra-mão, por vezes a falar ao telemóvel!
Começamos a habituar-nos à cidade. Os mercados de rua são imperdíveis. O Mercato Ballaró é um mercado à moda antiga, cheio de bancas que vendem um pouco de tudo, em especial produtos alimentares, e atravancam as ruas estreitas à volta da Piazza Ballaró, que à noite se enche de jovens em bares improvisados. Mas, durante o dia, são os legumes e as frutas que lhe dão cor, intervalados com as bancas da carne ou dos caracóis. Os vendedores chamam os clientes com pregões antigos, e falam entre si no dialeto siciliano, no que nos parece um linguajar incompreensível.


(Banca de caracóis no Mercato Ballaró)

Por entre as casas pouco cuidadas, encontramos de vez em quando uma autêntica jóia, como a Igreja da Santa Maria delle Carmine, com a sua preciosa cúpula em majólica.
Mais à frente, no Mercato del Capo, compramos massas, tomates secos e outros temperos, para mais tarde recordarmos os sabores sicilianos. O jovem vendedor aconselha-nos: “Não deixem de visitar a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ali na esquina!” Também é a padroeira de Portugal e, embora o exterior não prometa, entramos e olhamos extasiados o esplendor dos mármores barrocos.


(Interior da Igreja da Madonna della Concezione)

Assim é Palermo, um contraste constante de épocas e influências, de estilos e maneiras de viver. Mas sempre vivo, genuíno e original.


(Fotos de Teresa Diniz)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

À descoberta da Sicília II - A Ópera das Marionetas


Como todos os locais onde se cruzam culturas diferentes, encontramos na Sícilia vestígios culturais muito interessantes e originais, que trazem para o presente influências de tempos antigos, às vezes já tão adulterados que custam a reconhecer. E assim se tornam um património diferenciado e original. É o caso da Opera dei Pupi, ou, traduzindo, a Ópera das Marionetas.


Todos nos lembramos das marionetas, ou Robertos, do tempo da nossa infância. Mal ouvíamos o anúncio, corríamos pela praia ou pelo jardim fora, para, sentados no chão, em semicírculo à volta da barraquinha, nos deliciarmos e rirmos a bandeiras despregadas com as aventuras dos bonecos. Havia sempre um casal que se zangava, um ladrão, e um polícia que acabava a bater em toda a gente…
Experimentamos o mesmo encantamento quase infantil em Palermo, na célebre Opera dei Pupi. Não estamos num jardim, mas dentro de casas preparadas especialmente para o espetáculo. Há bancadas corridas, de madeira, onde os espectadores se sentam. Somos recebidos pelos donos, que também são os construtores e manipuladores dos bonecos. Percebo que eles gostam de falar da sua arte. Há cartazes mostrando as fases de construção de um boneco, e os donos respondem, satisfeitos, a todas as nossas dúvidas e curiosidades. Hoje, é uma arte familiar: são três ou quatro famílias que repartem entre si o “know how” e a produção dos espectáculos. Aqui, temos os avós, os filhos, um neto…


O espectáculo começa e prende-nos durante uma hora. A história vem de tempos quase imemoriais, da época em que Carlos Magno combatia os sarracenos no norte do Mediterrânio. Percebe-se que é uma adaptação popular do “Orlando Furioso”, a obra de Ariosto, depois popularizada em algumas óperas. Os bonecos são fantásticos, de grandes dimensões, vestidos a rigor, com cores vivas. Lá aparece Carlos Magno, os cavaleiros Orlando e Ruggiero, a bela Angélica, os guerreiros sarracenos. Tal como com os Robertos da nossa infância, damos por nós a rir com os beijos repenicados de Angélica, ou com o dragão que bate os dentes de medo.


Batemos palmas, bebemos um cálice de Marsala com os donos do teatrinho. E percebemos porque é que a Opera dei Pupi foi classificada pela Unesco como “Obra-prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade”. Quando saímos, o encantamento é o mesmo da nossa infância.


(Fotografias de Teresa Diniz)