terça-feira, 26 de maio de 2020

Crónicas de uma viagem a Itália - Pádua, entre Giotto e Santo António


Estátua equestre do condottiere Gattamelata, de Donatello, na Piazza del Santo

É verdade que nasceu aqui em Lisboa, provavelmente no ano de 1195 (a data não é certa), e a atestá-lo temos a pequena igreja com o seu nome, erguida no lugar do seu nascimento. Situada perto da Sé de Lisboa, arrisca-se a passar despercebida aos turistas mais distraídos ou apressados.


Pádua: ruas tranquilas...

... e recantos bucólicos

Santo António teve uma vida aventurosa, viajou muito e foi uma figura central da Ordem Franciscana, que ajudou a organizar teologicamente. É em Pádua que vive os últimos anos da sua vida, como professor e teólogo, e aí morre em 1231. E é em Pádua que lhe erguem uma enorme e grandiosa basílica. Aí, Santo António é chamado simplesmente "Il Santo".


A Basílica d'Il Santo

A Basílica tem muito que ver e apreciar, mas atraíram-me especialmente dois sítios. Um é a Capela onde estão os restos mortais do Santo. Clara e luminosa, ao contrário do que é costume, atrai-nos como uma borboleta para a luz. Há um cortejo de pessoas que fazem constantemente fila para passar junto do túmulo. Sente-se o interesse dos turistas vulgares, mas também a veneração dos verdadeiros peregrinos que aqui passam, desde há sete séculos.


O túmulo de Santo António

A Capela das Relíquias

O outro local imperdível é a Capela das Relíquias. Aí, entre muitas outras relíquias, está o aparelho vocal de Santo António, aparentemente incorrupto. Confesso que as relíquias sempre me inquietaram um pouco: objetos, pedaços do corpo de um santo, restos de ossos, unhas, até pelos da barba, adorados pela proximidade ao sagrado. Compreendo, mas não consigo deixar de sentir alguma repugnância. No caso de Santo António, célebre pela pregação, pela palavra, são as cordas vocais que são veneradas. Saio da basílica do nosso Santo António, recordando a igreja humilde que, em Lisboa, lhe marca o local de nascimento.


Pormenores da Basílica 



Outro espaço que não se deve deixar de visitar em Pádua é a Cappella degli Scrovegni, uma autêntica obra-prima da arte europeia do início do século XIV. Foi encomendada pela família Scrovegni, uma família de banqueiros, talvez como uma penitência, já que nessa época a usura era duramente criticada pela Igreja Católica.
Nessa Capela, Giotto pintou uma série de frescos que narram a história da Virgem Maria e de Cristo, mas de uma forma inovadora, plena de sensibilidade e humanidade. Os frescos cobrem as paredes de cima a baixo e somos envolvidos pelas cenas bíblicas, cheias de beleza e de um novo sentido do sagrado e do humano. Depois das estáticas figuras medievais, deparamo-nos aqui com figuras que riem ou choram, que sofrem ou festejam, e até com o primeiro beijo da história da pintura europeia. Não admira que Giotto seja considerado o precursor da pintura renascentista.


O primeiro beijo da pintura ocidental?

Há risos, choros e lamentos

O inferno segundo Giotto

Encontramos obras de Giotto em muitos pontos da Itália. Lembro-me de Assis, de Florença... Mas este é o conjunto mais amplo e completo da obra do artista. E, portanto, imperdível!
Convém comprar os bilhetes com antecedência, já que a entrada de visitantes é muito restringida. Os bilhetes dão também acesso aos Musei Civici, que valem bem uma visita, enquanto se espera pela hora marcada para a visita da Capela. É um museu muito interessante, que nos leva pela história da arte da região, através de mosaicos, peças de cerâmica, esculturas, e até uma demonstração da pintura a fresco, mostrando os materiais utilizados e as fases de execução.


Pigmentos utilizados na execução dos frescos

Um exemplo dos mosaicos dos

Uma visita a Pádua não pode terminar sem um passeio pelo Prato della Valle, uma praça elíptica que é a maior de Itália. Tem uma ilha no centro cercada por um pequeno canal, rodeado por dois anéis de estátuas. São, ao todo, oitenta e oito pedestais, mas alguns estão vazios, ao que dizem destruídos por ordem de Napoleão.
Quase todos representam políticos, papas e governantes, mas também homens de cultura, como Galileu, Ariosto ou Guicciardini. Caminho entre as estátuas, pensando em como a história da Itália é rica, com uma cultura e uma monumentalidade sem par na Europa. 



Perspetivas do Prato della Vale

Como se costuma dizer, para conhecer a Itália, não basta uma vida!...