terça-feira, 20 de junho de 2023

Schwerin e arredores

 

O Castelo de Schwerin

 A pequena cidade de Schwerin, no norte da Alemanha, é hoje a capital do estado de Mecklemburgo-Pomerânea Ocidental. É uma cidade tranquila, à beira do lago de Schwerin. As ruas descem suavemente para uma praça rodeada pelo Teatro Municipal e outros edifícios administrativos. Tem um ar de vagarosa opulência. Por momentos, podemos imaginar-nos na Alemanha imperial do início do século XX.

A cidade de Schwerin, junto ao lago com o mesmo nome



Se voltarmos as costas à praça e olharmos na direção do lago, a nossa impressão imaginária acentua-se, porque deparamos com um dos castelos mais bonitos que já visitei: o Castelo de Schwerin. Surge como uma miragem, numa ilha, no meio do lago.

A magnífica entrada do castelo

Construído no século XII, no local onde já se encontrava uma fortificação de uma tribo eslava, desde cedo se afirmou como um local de defesa e um espaço de poder. Depois de ter passado por várias funções (durante a Segunda Guerra Mundial, serviu até de maternidade), hoje está ocupado pelo Parlamento Regional do Mecklemburgo-Pomerânea. 

Inscritos na base da coluna, os nomes dos habitantes de Schwerin que morreram
pelo Império Alemão na Primeira Guerra Mundial

Dois cavalos monumentais flanqueiam a entrada da ponte que conduz ao castelo

O conde Niklot, cuja grande estátua domina a fachada, é o responsável pela construção do castelo, em 1160. Depois, foi sofrendo aumentos e reconstruções, até à grande remodelação do século XIX, que lhe dá o aspeto atual.

A fachada do castelo...



... e as traseiras, frente ao lago

O jardim de inverno

Se o castelo me faz lembrar Chambord, no vale do Loire, os jardins têm uma conceção cénica, teatral, muito ao gosto do século XIX. Rodeado por veredas por onde apetece caminhar, junto do lago, entre árvores e arbustos escolhidos, por entre pequenas grutas e grandes estátuas heróicas, o jardim é uma obra de arte em nada inferior ao próprio edifício. O jardim de inverno é hoje um café-restaurante de entrada livre.

Deambulando pelos jardins...



O Castelo de Schwerin impressionou-me pela imponência mas também pela extraordinária beleza do espaço envolvente. Não admira que seja protegido pela UNESCO como Património da Humanidade.

Jardins de uma beleza teatral

A oeste de Schwerin, estende-se uma zona de lagos e bosques, a Reserva da Biosfera de Schaalsee. Por toda essa região, encontram-se pequenas cidades que parecem adormecidas no tempo. Como, por exemplo, Mölln.

O lago junto a Mölln

Mölln é uma pequena localidade, aninhada junto ao lago. Mal estacionamos, um velhote que ali apanhava sol, sentado num banco de jardim, abordou-nos. Queria falar-nos da sua terra e das coisas bonitas que ali podíamos ver. Queria “vender-nos” a sua adoração por Mölln, mas não era necessário, nós também ficámos apaixonados...


A entrada na cidade

Após passarmos a ponte, as ruas sucedem-se, rodeadas de velhas casas de tijolo, com um aspeto um pouco austero. Muitas têm citações da Bíblia e percebemos que ali estamos em plena zona de reforma protestante. Mas todas as coisas têm um verso e um reverso e Mölln também é a capital do Till Eulenspiegel, essa figura do folclore medieval alemão, meio bobo, meio espertalhão!

Aí está o Till Eulenspiegel, em cima do fontanário

O Till Eulenspiegel é o protagonista de muitas historietas, o camponês que troça da autoridade, o brincalhão que representa a esperteza do povo. É ele que tem uma estátua na praça de Mölln, à sombra tutelar da igreja, e aí se situa também o seu museu. Nesse pequeno museu, podem ler-se as suas histórias ou assistir a representações e os bonecos estão presentes a estimular a imaginação das crianças. Podem comprar-se marionetas e encenar as anedotas mesmo ali!

A entrada do pequeno museu dedicado ao Till Eulenspiegel...


...e o interior do museu
Sentamo-nos a tomar um chá na única esplanada da localidade, no largo central, junto ao tronco onde se aplicavam os castigos físicos, na Idade Média. E partimos de Mölln a pensar em como a vida, em qualquer época, tem tantas facetas diferentes!

O largo central de Mölln



domingo, 9 de abril de 2023

Reviver o passado em Pompeia

O velho fórum de Pompeia

Pompeia era uma cidade de média dimensão, situada no sul da Itália, que beneficiava da pujança comercial do Império. Aninhada aos pés do Vesúvio, numa região muito fértil, era uma pequena cidade próspera e movimentada, conhecida pela sua escola de gladiadores. Provavelmente hoje não reconheceríamos o seu nome, se uma catástrofe terrível não a tivesse destruído totalmente e congelado no tempo.

Um fontanário

No ano de 79 d.C. o vulcão entrou em erupção e soterrou a cidade. Toneladas de cinza vulcânica escaldante caíram sobre a cidade e os habitantes que não conseguiram fugir ficaram soterrados também. O mesmo aconteceu com outros povoados nos arredores, como a pequena cidade de Ercolano. Lava e cinza cobriram a região e silenciaram aquela cidade vibrante e animada. Durante séculos...

Uma rua: os passeios, o fontanário, os sulcos das carroças...

No século XIX, a nascente paixão da arqueologia levou às primeiras escavações de Pompeia. A pouco e pouco, foi surgindo uma cidade romana, tão viva e bem conservada como se tivesse adormecido ontem. Ou como se fossemos nós a regressar ao passado numa qualquer máquina do tempo.

Uma loja de comida pronta a comer

Uma padaria

As cidades são entidades dinâmicas. Crescem, modificam-se. Sucedem-se as guerras, os terramotos, os incêndios. Há construção, depois destruição, e novamente reconstrução, numa cadeia imparável. As mentalidades e as modas mudam. As velhas pedras são reutilizadas com novos propósitos. E o tempo vai esculpindo as cidades, acrescentando camadas de histórias novas a cada século que passa.

Restos de uma domus

Nada disso aconteceu em Pompeia. Ali, o tempo parou no dia da erupção do Vesúvio. E agora, o que vemos é uma cidade romana em plena atividade. As ruas, com o seu velho empedrado, são rodeadas de lojas que conseguimos identificar. Há o tintureiro e a lavandaria. Há padarias, lojas de produtos frescos e lojas de comida já feita e pronta a comer. Há uma associação comercial, bem identificada pelos deuses propiciadores na fachada. Há anúncios e grafitis nas paredes.

Palavras escritas nas paredes há 2000 anos atrás

Os frescos sobre a porta da Associação Comercial

Há casas de habitação, evidentemente. Muitas são pequenos prédios, as insulae, mas também há belas domus, com as paredes pintadas com frescos e o chão coberto de mosaicos. Vislumbram-se os pátios interiores, as salas, as fontes, e conseguimos bem imaginar como ali se vivia.

Interior de uma domus...

... com o seu cão de guarda à entrada.

Muitos dos frescos, esculturas e mosaicos encontrados em Pompeia estão hoje preservados no Museu Arqueológico de Nápoles. É uma visita obrigatória, já que permite completar a visão que a visita à cidade nos proporciona.

Frescos, colunas e composições em mosaico, estão guardadas no
Museu Arqueológico de Nápoles




Um dos espaços mais surpreendentes é o lupanar, a casa de prostituição, bem identificada pelos falos e pelas pinturas que sugerem as diversas posições sexuais que ali se podiam praticar. De resto, os falos aparecem por toda a parte, já que eram considerados símbolos de fecundidade e talismãs de sucesso. Apesar de estarmos no século XXI, a nossa mente reage com surpresa e estupefacção. Os séculos de repressão sexual pesam sobre nós. Mas os romanos não eram assim, para eles o sexo era um ato natural praticado com bastante liberdade e sem discriminações de género.

O falo como amuleto

Pinturas com cenas de sexo explícito nas paredes do prostíbulo

No cruzamento das ruas principais, como em todas as cidades romanas, abre-se o Forum, uma praça larga, rodeada por colunas, onde se situavam os edifícios públicos mais importantes, como os templos e a basílica. Hoje em dia, a estátua de um centauro preside à praça, mas desconfio que no ano de 79 aquele pedestal estaria ocupado pela estátua de um deus. Ou de um imperador, o que era quase a mesma coisa.

No meio do forum, a estátua de um centauro

O que resta do forum, com o Vesúvio ao fundo

Os banhos, as termas, estão por perto. As salas para banhos com águas a várias temperaturas sucedem-se e ainda conseguimos ver as canalizações.

O teto da sala de entrada das termas

Sendo Pompeia uma cidade com tradição nas lutas de gladiadores, possui um anfiteatro bastante grande e bem conservado. Conseguem distinguir-se os vários níveis de bancadas e imaginar um dia de jogos, com as bancadas cheias de público (tinha capacidade para 20 000 espetadores) que gritavam e incentivavam os lutadores.

O anfiteatro de Pompeia

Entrando na arena...

Os espaços das bancadas: ainda se conseguem ver os bancos numerados

Em frente, veem-se os muros da palestra ou ginásio, onde se exercitavam.

Frente ao anfiteatro, o espaço do ginásio

Na mesma praça, erguia-se um hotel, a Praedia de Giulia Felice , para albergar os que vinham assistir aos Jogos. Ainda lá estão os quartos e as salas, os pátios e jardins. Podemos imaginar-nos a passear pelo pátio, rodeando o impluvium, o tanque central que guardava as águas da chuva. Ou podemos imaginar-nos a tomar uma refeição reqintada no triclinium, a sala das refeições, com uma parede ocupada pelos degraus por onde caía a água, em jogos decorativos. Ou podemos simplesmente maravilhar-nos com os frescos, que ainda guardam cores intensas e imagens vívidas.

As salas da Praedia de Giulia Felice

O triclinium, a sala das refeições

Caminhamos por ruas e becos, observamos as lojas e as casas, vemos como estes romanos viviam. Apesar de ainda haver muitos espaços que não foram escavados e explorados, percebemos bem que era uma cidade próspera e vibrante, com muita gente que por ali caminhava, comprava e vendia, entrava e saía daquelas casas. Até um dia... Quando Pompeia foi soterrada pelas cinzas do Vesúvio, alguns não conseguiram escapar. Os seus corpos já desapareceram, mas os espaços que ocupavam na camada vulcânica foram injetados com gesso e hoje sobram-nos os moldes dos seus corpos abatidos pelas cinzas tóxicas. Esses moldes trazem para a vida os antigos habitantes de Pompeia e preenchem as ruas e as casas. Pelo menos, na minha imaginação.

Os moldes dos habitantes mortos de Pompeia

Para nós, que por ali vagueamos, as sensações misturam-se e são estranhas. É como se abrissemos uma brecha no tempo e conseguissemos espreitar lá muito para trás, para um tempo e um modo de vida que já passou há muitos séculos. E que, estranhamente, nos parece muito moderno.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Jutlândia, de norte a sul

 

Nas margens do Lymfiord

A Jutlândia é uma península localizada no extremo norte da Alemanha e corresponde, essencialmente, à parte continental da Dinamarca. As zonas mais populosas, incluindo as cidades de Copenhaga, Odense, Roskilde, situam-se nas ilhas mais orientais. Assim, a Jutlândia é um retrato mais fiel da Dinamarca rural, entre fiordes, bosques e colinas douradas. Também aqui cresceram cidades, como Aarhus ou Aalborg, mas conseguimos rolar durante muitos quilómetros sem trânsito urbano.


Igreja catedral de Aalborg

Não é difícil conduzir na Dinamarca. Das auto-estradas (onde o limite de velocidade são os 130 Km/hora) até às pequenas estradas rurais, o piso é sempre bom e bem cuidado. Não detetámos muitos radares, mas talvez não seja necessário, os condutores cumprem escrupulosamente os limites de velocidade... Ao contrário do que se crê, nem tudo é plano e, especialmente aqui na Jutlândia, a paisagem é mais caracterizada por colinas ondulantes, cultivadas com cereais ou pasto para os animais. De vez em quando, um lago ou um fiorde obrigam-nos a mais uma passagem de ferry, o que não nos aborrece nada.

No ferryboat de Hvalpsund para Sundsøre

Por vezes, é bom parar junto ao mar e ficar simplesmente a apreciar a quietude do lugar. Foi o que fizemos junto ao fiorde de Vejle. Segundo as informações, vivem ali e no estreito de Kattegat cerca de 40 000 golfinhos. Mas não vimos nem um!


Junto ao fiorde de Vejle

Gostei muito das casas tradicionais da Dinamarca. Geralmente, são pintadas de branco, mas também podem ser amarelas, vermelhas ou ocres, com ou sem travejamento em enxaimel. O que não pode faltar são os tetos de colmo, alguns já cheios de musgo. Há imensas nas zonas rurais, o que me faz pensar que não são só folclore. Salta à vista a frequência de bandeiras dinamarquesas, vermelhas com uma cruz branca, nos terrenos das quintas e moradias. Compridas e estreitas, voam ao vento como pendões.

Casa típica rural, com telhados de colmo

Casas tradicionais dos centros urbanos

Rolamos para norte, na direção de Aalborg, a cidade mais setentrional da Dinamarca. Em Tølløse, no meio de um parque natural, tivemos a ideia de comprar mantimentos e fazer um piquenique. Escolhemos o sítio ideal no bosque ideal! Altas árvores deixavam entrar umas manchas de sol que batiam no chão, entre cogumelos aninhados como ramos de flores. Um caminho coberto de folhas, ainda húmidas da chuva noturna. Troncos de árvore cobertos de musgo, cantos de pássaros... Um bosque encantado mas... ao longe começou a ouvir-se o ribombar dos trovões! Só tivemos tempo de saltar para cima da mota. Chuva e trovoada até Aalborg!

Um bosque encantado...

Aalborg situa-se na margem do Limfyord, que separa a Jutlândia das ilhas mais a norte. Não é uma cidade grande, mas tem muita vida graças à universidade e aos estudantes. Depois da tempestade, só nos apeteceu um banho quente e um jantar no pub mais ruidoso da rua mais animada da cidade: a Jomfru Ane, uma rua só com bares, restaurantes e discotecas. No pub “Proud Mary”, via-se a transmissão do jogo de futebol do F. C. Copenhagen contra os turcos do TrabzonSport e festejámos os golos dinamarqueses como verdadeiros nativos.

Passeio de Aalborg junto ao Lymfiord

Sede do banco regional, numa antiga fortaleza

A Jomfru Ane

É aqui na Jutlândia que se localiza a que dizem ser a cidade mais antiga da Dinamarca, Ribe. Fundada no século VIII, no início da era viquingue, é uma cidade pequenina, mas muito mimosa, com um centro medieval muito bem preservado. As ruas do centro, pedonais, são ladeadas por casas antigas, algumas já tortas, denunciando o peso da passagem do tempo.

As velhas casas do centro de Ribe

Barcos no canal

Pormenores de uma casa antiga

No centro da praça principal, a igreja é muito original, misturando estilos livremente. No interior da nave lateral, peanhas com figuras medievais contrastam com um altar-mor cubista!

A igreja de Ribe

O original altar-mor

Da sua peanha, S. Jorge continua a matar o dragão

Os bancos ricamente talhados da igreja

A igreja está rodeada por figuras ligadas à evangelização da Escandinávia. A mais espetacular é a de Asgnar, o padroeiro da Escandinávia, um bispo missionário que fundou a primeira igreja de Ribe, cerca do ano 860.

As estátuas rodeiam a igreja

A estátua de S. Asgnar, o padroeiro da Escandinávia

Há um riozinho, o Ribea, que corre pelo meio da cidade, fazendo ainda hoje mover noras e acrescentando o encanto bucólico do local.

Uma nora no rio Ribea

Um recanto tranquilo

Dirigimo-nos, por fim, à costa ocidental da Dinamarca, batida pelo mar do Norte. Depois das praias do Mar Báltico, de areia fina e temperatura da água muito amena, as praias do mar do Norte parecem de outra latitude. Os areais quase desertos são protegidos por dunas batidas pelo vento constante. A cidade de Esbjerg é um porto piscatório e comercial, não uma estância balnear.

Uma praia no mar do Norte

A Torre da Água, em Esbjerg

A igreja de Esbjerg, uma construção em tijolo típica desta região

A norte de Esbjerg, estende-se o Parque Nacional Wadden See. Praias e dunas a perder de vista. É aí que se ergue a grande instalação “Man meets the Sea”, colocada em 1994. São quatro estátuas brancas, gigantescas, que estão sentadas e olham o mar. A informação disponível refere que o branco simboliza um ser humano puro e inocente. Quanto a isso não digo nada. Mas foi destas costas que, há muitos séculos, os destemidos navegadores viquingues afrontaram o mar para irem em busca do seu destino. Um destino que foi tão grande como estes gigantes que agora olham o mesmo mar.

Man meets the Sea