sábado, 26 de dezembro de 2009

Rise - Into the Wild

Quem já viu o filme "Into the Wild" compreende o que eu digo: é um hino à viagem . Mas não é uma viagem qualquer, é uma busca de si próprio numa viagem até ao mais inóspito, pouco civilizado, selvagem, quase até ao fim do mundo.
O filme baseia-se num facto real. Um rapaz de uma família rica, bom estudante, no final do seu curso resolve recusar o emprego que o pai já tinha preparado para ele, doa os seus bens para instituições de caridade e parte numa viagem e numa aventura que o vai levar até ao Alasca, mas também numa viagem até ao fundo de si próprio. 
Só aqui coloquei uma das canções, mas toda a banda sonora do filme é bela, inspiradora, e leva-nos um pouco consigo na sua viagem. Vale a pena ver e ouvir.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Açores - 1965

Às vezes, pergunto a mim própria de onde vem este gosto errante que me levaria, se pudesse, a calcorrear o mundo, sempre em busca do que é diferente e genuíno em cada local. Olhando para trás, acredito que esse gosto nasceu numa viagem aos Açores, no ano já longínquo de 1965.
O meu pai adorava viajar. A sua viagem de sonho era a travessia da Ásia no comboio Transiberiano, até Vladivostok. Falava nisso muitas vezes e, embora tenha viajado muito pela Europa, nunca chegou a concretizar esse seu sonho. De vez em quando, metia-nos a todos no carro e partíamos, quase à aventura, pelos caminhos mais inexplorados de Portugal, ou à descoberta das terreolas espanholas mais esquecidas. Sempre sem marcações, ao sabor do momento, um pouco errantes. Mas, naquele ano, fez-nos uma surpresa: um cruzeiro pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores.



(Partida da barra do Tejo)


A viagem, em si, já era uma aventura e foi memorável. Embarcámos no velho navio Carvalho Araújo, que fazia transporte de pessoas mas também de mercadorias. Tudo para mim era uma novidade, começando pelas refeições servidas a bordo, na grande sala que também servia de sala de estar entre as refeições, e e onde os homens se entretinham a jogar e as senhoras a conversar. Como havia poucas crianças a bordo, os criados eram uma simpatia e passavam o tempo a dar-me gulodices o que, provavelmente, me impediu de enjoar durante as tempestades que suportámos no caminho até à Madeira.
Passava horas na amurada do navio, a ver os peixes que saltavam ao lado do barco, ou simplesmente a apreciar as voltas que a água dava.
Mas a minha grande descoberta e o meu grande fascínio, foram as ilhas dos Açores. A viagem durava dezoito dias e o navio parava em todas as ilhas. Isto é, com excepção de S. Miguel, parava ao largo e depois éramos transportados em barquinhos pequenos até às ilhas, já que aí só existiam embarcadouros para barcos de pesca.



(Eu, num jardim da ilha de S. Jorge)


As ilhas eram belíssimas, mas com a beleza dura e agreste da natureza pura. Recordo-me bem das estufas de ananazes e das estradas bordejadas de hortênsias da ilha de S. Miguel, ou da moderna Base Aérea das Lages, na ilha Terceira, onde me lembro de ir almoçar.



(Vista da Lagoa das Sete Cidades, em S. Miguel)


Mas houve outros locais que me marcaram bem mais. Lembro-me do taxista que nos foi mostrar o local onde o Vulcão dos Capelinhos tinha feito surgir nova terra de um dia para o outro, prolongando a ilha tão verde num promontório ainda negro de lava arrefecida. Recordo o pequeno aeródromo da ilha de Santa Maria, com tão pouco tráfego aéreo que as vacas por lá pastavam tranquilamente, o que lhe tinha valido o epíteto de “aerovacas”. Volto a sentir a sensação incrível de descer, num cesto de verga preso por uma corda, o enorme buraco do Caldeirão da Graciosa.



(A nova terra negra, criada pelo vulcão dos Capelinhos)


Mas, mais do que qualquer outra, lembro a pequena ilha do Corvo. A mais ocidental e mais longínqua das ilhas dos Açores, muitas vezes isolada meses a fio devido ao estado do mar, recebia em festa o barco que chegava ao largo: era o dia de S. Vapor. Todos os habitantes se vestiam com os seus melhores fatos, muitas mulheres de negro, e desciam até ao pequeno ancoradouro, dimensionado para os barcos de pesca e os baleeiros. 



(Chegada ao Corvo)


No dia em que chegámos, tinham apanhado uma baleia. Tinha sido trazida até ao pequeno porto e ali estava ainda, deitada de lado, maior do que os barcos. O mar estava vermelho do sangue do majestoso animal, mas ninguém parecia prestar atenção, concentrados nos pequenos barquitos que chegavam. Ali, naqueles pequenos barcos, chegava o correio e as encomendas, gente de fora (poucos!), gente do Corvo que regressava do Continente (alguns!), enfim, chegava o Mundo!
Eu tinha estado doente nos últimos dois dias, com uma gastroenterite, e estava debilitada. O meu pai pagou a um homem, no porto, para me levar às costas até ao Caldeirão do Corvo, a belíssima lagoa vulcânica no centro da ilha, enquanto o resto do grupo ia a pé. No caminho, o homem deu um pontapé numa pedra, feriu um dedo, mas não parou nem disse nada, para minha grande aflição, ali bem instalada às suas cavalitas.



(O nosso navio, ao largo da ilha do Corvo)


Já voltei aos Açores. Os caminhos continuam bordejados por hortênsias, e a natureza continua esplendorosa e autêntica. Em quase tudo o mais, felizmente, a diferença é grande. No entanto, as impressões daquela minha primeira viagem nunca se apagaram.
Há quem diga que só as grandes viagens valem a pena, porque nos confrontamos realmente com o Outro, com um mundo diferente do nosso. Para mim, uma miúda de seis anos de Lisboa, aquelas pessoas vestidas de festa à espera de um barco que nunca se sabia quando chegava, à beira de um mar vermelho de sangue, eram verdadeiramente o Outro, com um mundo inteiro a separar-nos.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Central Park




Dizem que o Central Park é o jardim das traseiras dos nova-iorquinos. E, na verdade, os nova-iorquinos usam-no como se do seu próprio jardim se tratasse. Ocupa um espaço imenso, no centro da ilha de Manhattan, e constitui um verdadeiro pulmão da cidade. Confesso que não consegui visitar todo o parque. Podia ter alugado uma charrete puxada por um cavalo, ou um daqueles riquexós, puxados por um rapaz de bicicleta, que por ali abundam, em todas as entradas do parque. Mas tenho a mania de ser diferente, gosto de saborear os sítios devagar, sentar-me na relva, observar as pessoas, parar a ouvir um músico ou a apreciar um espectáculo de rua. Qual é o resultado? Estive três vezes no Central Park, conheço cerca de metade do parque.





É um parque diferente, porque tem imensas valências diferentes. Como se tivesse de agradar a toda essa população, tão múltipla e diversa, da cidade de Nova Iorque. Como se quisesse oferecer um espaço do seu agrado a cada habitante da cidade.



Há os restaurantes, com e sem esplanada exterior. Há recintos de espectáculos, e até um teatro. Mas, acima de tudo, há um espaço imenso que cada um usa a seu belo-prazer.





No enorme relvado central, que eles chamam carinhosamente pastagem, apanha-se sol nos dias de sol, patina-se nos dias frios de Inverno.





Há lagos para os que gostam de remar e lagos para os que gostam de fazer corridas com os modelos de barquinhos à escala.







Há cinco campos de basebol, onde os nova-iorquinos vão jogar, equipados a preceito segundo o clube da sua eleição, com a possibilidade adicional de contratar árbitro no próprio local. 





Há imensas estátuas que convidam à interacção com quem passa, como a que representa o mundo fantasioso de Alice e dos companheiros do seu país das maravilhas. Há pontes, fontes e recantos onde nos podemos sentar e perder.




Há loucos que falam sozinhos e crianças que dão bagos de uva aos esquilos. E, por todo o lado, há música. Encontram-se músicos, sós ou em pequenos grupos, a tocar por todo o parque. Os instrumentos são os mais variados, desde a flauta ao violoncelo, à guitarra, à percussão. No local onde se recorda John Lennon, à vista do prédio onde habitava, um conjunto quase tão idoso como os próprios Beatles rememora as velhas canções que todos conhecemos e cantámos. São os Strawberry fields, criados por Yoko Ono, com o seu pequeno espaço central Imagine.





Há espaço para tudo. É um mundo dentro desse outro mundo que é Nova-Iorque. Mas fico com a impressão que é necessário vaguear pelo Central Park para entender a própria cidade.


(Fotografias de Teresa e Fernando Ferreira)