segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Alexandria é uma cidade para ver ao longe...

 

Onde está o farol de Alexandria?

Pela manhã, quando se vê Alexandria ao longe, refletida no lago Mareótis, surge-nos como uma imagem quase feérica. Nada mais falso!...

Alexandria refletida nas águas do lago Mareótis

Quando penetramos no âmago da cidade, o que se revela é o lado caótico e degradado. Mesmo na bela “corniche”, a avenida marginal que corre ao lado do mar mediterrâneo, a maioria dos prédios mostra que os tempos do esplendor já lá vão há muito... Há ainda belas fachadas, mas todas mostram sinais de degradação. 


A corniche, a bela avenida marginal de Alexandria

Muitos edifícios parecem abandonados. Há pedaços de cimento a cair, bocados de janelas ou varandas que faltam e ninguém parece preocupado com reparações. Por toda a zona central da cidade, há espaços onde os edifícios caíram em ruínas e hoje estão apenas ocupados por entulho e lixo, muito lixo.



Pelo meio das ruínas e edifícios degradados, e talvez indiferentes a eles, há gente que se afadiga, a comprar e a vender, a sobreviver... Aqui, como no Cairo, tudo se compra e tudo se vende. Há muitas bancas de roupa, nova e usada. Há antiguidades egípcias duvidosas, papiros falsificados, amuletos de gesso. A todo o momento tentam meter-nos coisas nas mãos, ou à frente dos olhos. Se paramos a olhar, somos apanhados numa rede interminável que alterna pressão com negociação. Às vezes, compra-se qualquer coisa, só por cansaço... 
Um dos negócios que parece mais florescente é o de pedaços de automóveis. Sim, são só pedaços: volantes, jantes, pára-brisas... às vezes, são as metades dianteiras ou traseiras de um automóvel, inteirinhas! Com tempo e habilidade, consegue-se construir um automóvel inteiro com aqueles pedaços e muitos dos que circulam são com certeza resultados destas reconstruções.


Mas nem toda a gente se afadiga com qualquer coisa. Há os que, logo pela manhã, se recostam nos cafés, a bebericar o café turco mas, principalmente, a fumar os seus narguilés. Meia dúzia de cadeiras à volta de uma mesa ou um divã coberto com uma manta velha bastam para umas horas de tranquilo esquecimento do mundo.

A coluna de Pompeu

Alexandria foi fundada por Alexandre Magno, é um produto helenístico, por isso nada aqui se encontra do que se espera encontrar no Egito: os vestígios do esplendor faraónico. Mas teve os seus tempos de glória, quando chegou a ser a maior cidade do mundo antigo. Deles, pouco resta. Uma coluna de Pompeu, que não foi construída por Pompeu. Uma Agulha de Cleópatra, que afinal era um obelisco e nada tinha a ver com Cleópatra. Um farol magnífico, uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, do qual só resta a base, integrada numa fortificação turca, a fortaleza de Qait Bey. 


A fortaleza de Qait Bey, ou o que resta do Farol de Alexandria

E a grande biblioteca, o maior centro de saber do mundo antigo, diligentemente destruída pelo tempo e pelos incêndios, com o auxílio dos fanáticos cristãos ou muçulmanos. 
Uma nova biblioteca ergue-se no lugar da antiga. É um edifício esplêndido, concebido e construído por um consórcio de arquitetos noruegueses. Assemelha-se a um disco voador, mas está repleta de símbolos do conhecimento. No largo fronteiro, uma velha estátua que dizem representar Demétrio de Falera, o homem que concebeu este grande centro de produção e armazenamento de conhecimento, nos tempos de Ptolomeu I.



Penetro na nova Biblioteca de Alexandria com reverência. O espaço é amplo e agradável, segmentado por áreas de conhecimento, tal como o concebeu Calímaco, o seu organizador. Muitos países contribuíram para o acervo da Biblioteca, no nosso caso foi a Fundação Calouste Gulbenkian que para ali levou os Camões e os Fernandos Pessoas, como seria de esperar.


Tento encontrar as obras portuguesas, mas não é tarefa fácil e distraio-me a observar os frequentadores. Há jovens espalhados pelas mesas, a ler ou simplesmente a manusear os telemóveis. Procuro aproximar-me, para ver o que estão a estudar. Há uma rapariga que me olha sorridente, com as mãos pousadas sobre um grande maço de apontamentos. Pergunto-lhe “What are you studying?” mas ela não compreende e mostra-me os apontamentos, em caligrafia árabe. Agora, sou eu que não compreendo. Na mesa ao lado, o sorriso rasgado de um rapaz, que vim a saber ser professor de árabe. “Where are you from?” A eterna pergunta, mil vezes ouvida e repetida, na tentativa de compreender um pouco o outro, integrando-o num ponto identificável no espaço. Nós somos assim, gostamos de conhecer os outros, dar de nós e aprender com o que nos rodeia. Assim os seres humanos como as civilizações...


Um local interessante na cidade de Alexandria são as catacumbas de Kom Chukafa. Datam dos tempos greco-romanos e aí os cristãos fizeram as suas cerimónias de culto e as suas inumações. Durante centenas de anos. Mas o passado e as suas formas de adoração teimam em permanecer, agregando símbolos, criando novos significados, prolongando o passado no presente. Ali nas catacumbas, continuam a aparecer as imagens dos velhos deuses egípcios, por vezes em sincretismos inesperados. É o caso de uma escultura do deus Sobek, com um saiote de legionário romano!




Almoçámos no restaurante San Giovanni, ao lado de uma movimentada praia na corniche. Os banhistas sentam-se em cadeiras de plástico brancas, de esplanada, debaixo de guarda-sóis amarelos. As crianças brincam, como em todo o lado, entre a areia e as ondas suaves do mar. As mulheres também vão à água, cobertas da cabeça aos pés. Elas conversam e riem, mas nada mais se consegue destrinçar. Tal como a cidade, elas também não são para ver de perto.


Uma praia na corniche