sábado, 30 de setembro de 2017

A bela Bretanha


 A pitoresca cidade de Vannes

Acho que foi nesta praça de Vannes que me apaixonei pela Bretanha. Vannes fica no Golfo de Morbihan, quase uma porta de entrada na Bretanha, e nós vinhamos a apanhar chuva desde Nantes. E não era uma chuvinha qualquer, era uma daquelas cortinas de chuva forte que tira a graça a qualquer paisagem. Das paragens previstas, só tinhamos cumprido a de St. Nazaire, porque queríamos tomar um café. O Tintim acenava-nos, sorridente, dos cartazes: "Allons à St. Nazaire!" mas a chuva tornava tudo pouco convidativo e a cidade parecia deserta. O café onde parámos, junto ao porto, tinha o ar de lá estar desde o tempo de Hergé, assim como o velho empregado de bigode farfalhudo que falava mais bretão do que francês. Havia um cão simpático e um papagaio barulhento, e as paredes estavam cobertas de fotografias de pescarias, veleiros e cartazes brejeiros...
Rumamos, portanto, a Vannes. Comemos os primeiros crepes bretões enquanto a chuva parava e o céu começava a desanuviar. E, quando entrei nesta pequena praça, percebi que estava a entrar num espaço diferente. As casas de cores quentes, com as traves de madeira à mostra, rodeavam um espaço quase quadrado, com algumas esplanadas. A igreja espreitava a uma esquina e quatro jovens tocavam música bretã, de ressonâncias célticas.

Jovens tocavam junto à praça...

 Flores, sempre... (em Vannes)

Depois, à medida que os dias foram passando, percebi que era isso a Bretanha, esse equilíbrio entre uma natureza bela e dramática, uma presença humana colorida mas granítica e uma referência céltica repleta de misticismo.


Pintando velhos barcos...
Casas tradicionais em Dol de Bretagne

Os mistérios e as lendas rodeiam-nos. Junto a Carnac, situam-se os alinhamentos de menires mais conhecidos da Europa. Por muitas fotografias que tenhamos visto, espantam-nos pela sua incrível extensão e pela desconhecimento: porque foram ali colocadas aquelas pedras, rigorosamente alinhadas? Quem as levantou? Que pensamento religioso esteve na base deste enorme esforço coletivo? Imagino oferendas, sacrifícios e procissões, talvez também cálculos astronómicos. Encontram-se outros dólmenes e menires por toda a Bretanha, mas os de Carnac são os maiores e mais espantosos!

Os misteriosos alinhamentos de Carnac


Os mistérios continuam... Passamos na floresta de Broceliande, no Parque Nacional de Armorica. Ali se desenrolaram partes do ciclo de lendas do rei Artur e quase esperamos ver princesas e magos por entre as grandes árvores de troncos cobertos de musgo. Há histórias e lendas na terra e nos rochedos que avançam para o mar, como cidadelas.

Castell Dinn - Segundo a lenda, foi aqui que os Gigantes Naufragadores
 foram vencidos pelos Korrigans

O Cabo de Penn' Hir

Memorial da Batalha do Atlântico, em Penn' Hir

A própria religiosidade bretã tem um cunho próprio. Há um número enorme de santos, muito venerados, que não foram nunca aceites pela Igreja Católica. Muitos estão reunidos no Vale dos Santos; outros, como São Thegonnec, presidem a igrejas que são Património da Humanidade pelos seus peculiares átrios paroquiais. 


A igreja de São Thegonnec

São Thegonnec, o próprio!
As imagens, em tamanho real, da cripta do Ossário de São Thegonnec

Figuras do extraordinário Calvário de São Thegonnec

Aqui, após a passagem por um Arco Triunfal que é quase um portal que separa o espaço profano do espaço sagrado, encontram-se os Calvários, com as suas figuras esculpidas, quase ingénuas, quase alegóricas. É nestes átrios paroquiais que ainda hoje se celebram alguns momentos das festividades religiosas bretãs, como tivemos a sorte de presenciar.

Entrada no Átrio Paroquial de Sizun

Preparando a procissão de domingo, em Sainte-Marie 
de Menez-Hom (fotografia da minha companheira de viagem Rosa Martins)

Mas nem só de misticismo se faz a vida. A alegria e o colorido das flores temperam a rudeza da costa e do mar. E a vida não era fácil!...

As flores enchem de cor as velhas casas medievais (Dol de Bretagne)

O porto de Le Cammeret

O interior da igreja de Nossa Senhora de Rocamadour lembra o mar e os marinheiros

Um dos locais onde ficámos alojados foi uma bela casa senhorial, com origens no século XIII, hoje transformada num agradável turismo de habitação, o Manoir de la Grande Mettrie. Recomendo-o vivamente, em especial pela simpatia dos donos, que nos ajudaram como puderam nas peripécias que rodearam uma das nossas motas. Contou-nos o Pierre, o dono do Manoir, que, no tempo da sua avó bretã, havia letreiros nas repartições públicas onde se lia: "Não se pode cuspir no chão nem falar bretão." Este humilhante esforço de normalização não conseguiu porém asfixiar a cultura bretã. E se hoje já não há movimentos independentistas, continua a haver uma forte diferenciação cultural, que floresce com um renovado vigor.


O Manoir de la Grande Mettrie

Flores nas pontes em Quimper

Essa cultura, essa especificidade bretã, está patente em toda a parte, desde a língua até aos símbolos célticos que adornam as loiças tradicionais e às músicas e danças que tão bem deixam transparecer essa herança céltica.
A Bretanha é muito mais do que um espaço turístico, é um mundo diversificado e fascinante, ao qual eu pretendo voltar. Ficou tanta coisa por explorar!

Sítios onde apetece entrar... (em Dol de Bretagne)


Sítios de onde não apetece sair... (em Quimper)