sábado, 22 de outubro de 2022

Roskilde – A herança Viking

 

Um barco viking em Roskilde


A pequena cidade de Roskilde, aninhada no fundo do fiorde com o mesmo nome, foi a primeira capital da Dinamarca. Era o tempo dos reinos vikings, há mais de mil anos, e, se há lugar onde essa herança viking esteja presente e seja celebrada, é em Roskilde.

Na praça principal, junto à catedral

Foi nesse local que se instalou o rei Haroldo Dente Azul, ou Haroldo I, celebrado como o unificador da Dinamarca e da Suécia. Sim, não é por acaso que a tecnologia Bluetooth tem esse nome!

O porto velho, no fundo do fiorde de Roskilde

Chegámos a Roskilde a meio da tarde e dirigimo-nos logo para o Museu Viking, com receio de que fechasse as portas e já não conseguissemos entrar. É um museu único, construído à volta de um conjunto de cinco barcos do século X que foram descobertos à entrada do fiorde e recuperados. A história é interessante: no século X, Roskilde foi ameaçada por barcos noruegueses, que se dirigiam para a cidade. Os cinco barcos foram propositadamente afundados à entrada do fiorde para impedir o ataque dos noruegueses. Parece que o estratagema funcionou, mas os barcos lá ficaram até ao século XX.

Barcos vikings recuperados do fiorde

Hoje, esses longos barcos vikingues servem de pretexto ao Museu. Além dos barcos, com o seu típico perfil alongado e alta proa, o museu inclui exposições sobre vários aspetos da civilização viking, desde a sua alimentação e vestuário até à sua conversão ao cristianismo e gradual normalização das relações com os seus vizinhos cristãos.

Um dos barcos reconstituídos

O museu desvenda um pouco do mundo viking

A animação continua fora do museu. Há um espaço para jogos e atividades da época viking, dirigido aos mais pequenos. Podemos aprender sobre as técnicas de construção e até navegar a sério num barco viking. O anúncio afirma que se destina a todos os que têm nem que seja apenas uma gota de sangue viking nas veias! Eu acho que não tenho, mas também me encantou!

A zona dos jogos

Nem só de História vive o Homem e Roskilde tem também propostas mais prosaicas e atuais. Se estiver bom tempo, os motociclistas da região reunem-se junto ao porto velho todas as quintas-feira. Também lá fomos, pois claro!... E descobrimos aí um restaurante com uma bela esplanada, onde experimentámos o peixe da região. E comemos como uns verdadeiros vikings...

A concentração de motas de Roskilde

Foi também Haroldo o primeiro rei dinamarquês a converter-se ao cristianismo e a construir uma igreja, depois substituída pela imponente catedral, panteão da monarquia dinamarquesa até aos dias de hoje. As crónicas da época afirmam que Haroldo foi sepultado nessa igreja, construída em madeira. Mas nada sobrou dessa igreja original, substituída por uma igreja em pedra no século XI e depois, já no século XII, pela bela catedral que hoje vemos, influenciada pelo gótico francês mas construída em tijolo. Dizem que o rei Haroldo ainda por lá está, dentro de uma das colunas da nave central. Será?

As elegantes torres da catedral de Roskilde

Quanto ao rei Haroldo não podemos garantir mas, entre a nave principal e as capelas laterais, encontramos os sarcófagos e monumentos sepulcrais de vinte e dois reis e rainhas da Dinamarca, numa linha quase ininterrupta desde o século X até ao século XX. São acompanhados por inúmeros outros sarcófagos, de familiares, membros da nobreza, altos funcionários.

A capela funerária de Cristiano IV

Destaca-se o sarcófago da Rainha Margarete, a rainha que uniu a Escandinávia no século XIV, chamada a Rainha do Norte.

O sarcófago da rainha Margarete

Algumas capelas mortuárias são magníficas, com túmulos grandiosos e uma decoração esmerada. Outras são mais simples, respondendo a um gosto mais contido e introspetivo. Mas, no seu conjunto, mostram-nos a evolução do gosto e dos conceitos religiosos ao longo de mil anos.

Os sarcófagos do rei Frederico VIII e da rainha Louise

Sarcófago do rei Cristiano IX

Túmulo de Cristiano I na Capela dos Reis Magos, construída no século XV

Para além do seu simbolismo enquanto panteão da monarquia dinamarquesa, a catedral mostra outros pormenores deliciosos, como o relógio do século XV, em que S. Jorge mata o dragão a cada hora... 

S. Jorge mata o dragão de hora a hora...

Retábulo no altar-mor da catedral

E, por entre outros tesouros, a caixa privada mandada construir pelo rei Cristiano IV como um enorme relicário, onde ele gostava de se recolher para assistir à missa...

A caixa privada de Cristiano IV

Entrada da capela da família Trolle

A catedral de Roskilde está inscrita na lista de Património Mundial da UNESCO e a própria cidade está embebida da História da Dinamarca, numa linha contínua que nos traz a herança viking até aos dias de hoje.


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

O Verão em Copenhaga


O canal de Nyhavn


Chegar a Copenhaga a meio de uma tarde de verão, ainda por cima num fim de semana, é uma experiência avassaladora. Dá a sensação que a cidade está totalmente focada na experiência de usufruir da vida. Com alegria e tranquilidade, mas a usufruir plenamente da vida.

A banhos no canal...

A cidade de Copenhaga situa-se entre as ilhas de Zelândia e Amager. O espaço entre as duas ilhas assemelha-se a um rio que passasse no meio da cidade e a dividisse ao meio. Esse canal funciona, na realidade, como uma imensa zona balnear. A administração da cidade colocou pontões e avançados de madeira nas margens e milhares de dinamarqueses aproveitam o sol e a água, como numa imensa praia ao longo de quilómetros de canal. Há gente a tomar banhos de mar e há gente a tomar banhos de sol. Os pequenos barcos de recreio cruzam-se com os banhistas que mergulham ou nadam tranquilamente. Há os que andam de canoa e os que fazem equilibrismos em cima das pranchas.

Praias urbanas no canal de Copenhaga


O mesmo acontece nos canais que rodeiam o canal principal. Sento-me na margem de um canal a comer uma sanduiche e a pensar quando é que um banhista será abalroado por um barco, se não um dos maiores, conduzidos por marinheiros experientes, um dos mais pequenos, alugados a alegres grupos de turistas, que vão passeando pelos canais, com um olho no leme e uma garrafa na mão. Mas nada acontece, todos se cruzam e divertem com tranquilidade.

Entre barcos e banhistas...

Nas margens dos canais, as casas coloridas estão transformadas em habitações turísticas, restaurantes, bares... é a maldição das grandes cidades europeias do século XXI. Mas, mesmo junto aos canais, há instalações de madeira que vendem cerveja Carlsberg e smørrebrød, aquela espécie de sanduiche tão típica da Dinamarca.

Barcos, esplanadas e muita animação em Nyhavn...

...mas também no canal central da cidade

O canal mais famoso é Nyhavn e percebe-se porquê. Foi escavado no século XVII e as casas que o rodeiam são dessa época, mas a animação é constante. Há uma quantidade incrível de barcos ali atracados ou que cruzam o canal. Alguns são barcos antigos, recuperados, que parecem ali estar apenas para compor o cenário. Um ambiente muito animado, no meio de uma floresta de mastros. Milhares de pessoas andam nos passeios, tiram fotografias, param nas esplanadas. Enquanto ali estavamos, assistimos ao “Friday night skate”, com milhares de participantes que desfilaram patinando alegremente, num desfile que integrava pessoas de todo o tipo e de todas as idades. Viver a vida, em liberdade!...

Nyhavn

Friday night skate

Pareceu-me que essa aceitação e integração da diferença é uma característica da própria cidade. O novo e o antigo coexistem com naturalidade. As torres de velhas igrejas espreitam por trás de edifícios modernos, de arquitetura arrojada. Como símbolo deste olhar cruzado, o Palácio de Amalienborg, um complexo de quatro palácios de fachadas clássicas, residência da família real dinamarquesa. Do outro lado do canal, a Ópera de Copenhaga, um edifício moderno e vanguardista. Estão frente a frente, como duas faces de um espelho que refletisse esta coexistência do passado e do futuro.

No Palácio de Amalienborg

A chamada "igreja de mármore" junto ao Palácio

A moderníssima Ópera de Copenhaga

O Palácio de Amalienborg, visto da Ópera

A Ópera, vista do Palácio de Amalienborg

A zona mais antiga da cidade, o centro histórico, chama-se Indre By e aí se concentram as construções mais antigas e mais emblemáticas, como o Palácio de Christianborg, onde funciona o Parlamento, e o Castelo de Rosenborg, onde hoje se guardam as jóias da Coroa.

Passeando por Indre By

Um quiosque na Strøget, a rua pedonal mais movimentada

Entrada da Rundetarn, uma torre do século XVII com um observatório


Fontanário em Strøget

O Castelo de Rosenborg é dos mais bonitos que vi, na Dinamarca. Situado no meio de um lago e de uns jardins belíssimos, é um castelo renascentista todo construído em tijolo, num estilo que se repete, com maior ou menor magnificência, por todo o país.

O Palácio de Rosenborg, no meio dos jardins


A Bolsa de Copenhaga é um dos edifícios mais originais da cidade, com o seu telhado cónico, que parece guardado por estranhos animais mitológicos.

Royal Exchange, a Bolsa de Copenhaga

E o bispo Absalão, o fundador da cidade no longínquo século XII, continua a dominar o centro histórico, de cima do seu cavalo...

Estátua do Bispo Absalão

Mas é preciso sair do centro da cidade e caminhar um bom bocado pelas docas para encontrar a estátua que se transformou no símbolo da cidade: a pequena sereia, inspirada no conto homónimo de Hans Christian Andersen. Mede apenas 125 cm. Foi mandada fazer pelo filho do fundador da fábrica de cerveja Carlsberg, como um ato de publicidade e uma homenagem à cidade. Esculpida por Edvard Erikson, foi colocada junto ao mar em 1913. A publicidade foi eficaz, não restam dúvidas. Não há forma de ir a Copenhaga e não procurar a pequena sereia, que olha melancolicamente para o mar, empoleirada no seu rochedo.

A Pequena Sereia

Finalmente, desde 2012, a sereia tem uma espécie de alter-ego. Chama-se Han, que significa ele em dinamarquês, e também olha melancolicamente para o mar noutra cidade do país. Temos de ir à sua procura! Mas isso fica para outro post.


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Hamburgo, a rainha das cidades hanseáticas

 

Homenagem aos barqueiros do Elba

Se a Liga Hanseática foi criada em Lübeck, como foi já descrito no post anterior, a cidade que mais se afirmou e prosperou com essa associação mercantil foi Hamburgo, ao ponto de ainda hoje se intitular “Cidade Hanseática”. O símbolo da Hansa continua a ver-se, nos transportes públicos, por exemplo, e nos nomes das mais variadas instituições e empresas. Claramente, é um fator identitário importante na cidade.

As pontes do rio Alster


Situada nas margens do rio Elba e do seu afluente Alster, Hamburgo tem 2302 pontes, mais do que as cidades de Veneza e Amesterdão juntas. Evidentemente, muitas dessas pontes são modernas, ao contrário do que acontece naquelas cidades. Não podemos esquecer que Hamburgo foi pesadamente bombardeada na 2.ª Guerra Mundial e muito do seu miolo, do seu coração histórico, desapareceu. Mas algumas antigas pontes subsistem, como as que dão acesso à zona dos armazéns marítimos, e onde encontramos a homenagem a personalidades que abriram o comércio do mundo, como Cristovão Colombo e Vasco da Gama.

Uma imagem pouco habitual de Vasco da Gama

O centro da cidade encontra-se na na zona de Jungfernstiege, com os seus pórticos e arcadas, entre o enorme lago Binnenalster e a monumental Rathaus (Câmara Municipal). É uma zona elegante, cheia de esplanadas e centros comerciais, mas é nas escadarias que levam ao lago que muitos hamburgueses gostam de se sentar ao fim do dia, a ver o movimento dos barcos de recreio. 

A Rathaus, vista da Jungfernstiege

O lago Binnenalster

No canal, junto à Rathaus, ergue-se o memorial aos 40 000 filhos da cidade que morreram na 1.ª Guerra Mundial. 

Memorial aos mortos da 1.ª Guerra Mundial

Da 2.ª Guerra Mundial não sabemos as estatísticas; mas as ruínas da Igreja gótica de St. Nikolai mostram-nos bem o grau de destruição. Só a torre sobreviveu... Hoje, toda a zona destruída da igreja mantém-se como um pequeno museu e um memorial contra a guerra, contra todas as guerras.

A torre da igreja St. Nikolai

A área ocupada pela nave tornou-se um memorial contra a guerra

Uma janela que restou...

A Rathaus, enorme, belíssima, imponente, domina a praça principal. Está cheia de pormenores esculpidos, estatuária, fontes, tanto no exterior, como no interior. Vale a pena perder tempo a contemplá-la.

A Rathaus, exterior

A Rathaus, pátio interior

Mas a riqueza e o coração da cidade está no rio Elba e no porto que ali se desenvolveu. A cidade acarinha o porto e podemos caminhar quilómetros ao longo das suas margens, sempre com os olhos no movimento dos barcos e das gruas. Pelo caminho, há muitos parques e edifícios relacionados com o movimento portuário, como as alfândegas, mas também muitas esplanadas e armazéns transformados em museus ou centros culturais. Atracado na margem, chama-nos a atenção um U-Boot, um dos velhos submarinos alemães que tanta destruição criaram no Atlântico, durante a Guerra. Há um pequeno museu dedicado aos U-Boot, com visitas explicativas.

Uma floresta de gruas

A velha alfândega

O Speicherstadt

É na confluência do Elba com o Alster que se encontra o Speicherstadt, o maior conjunto de armazéns de mercadorias do mundo ainda em funcionamento, e por conseguinte monumento protegido pela UNESCO. É também aí, nesse conjunto monumental de armazéns, de que alguns datam do século XV, que podemos ter uma noção da importância do movimento comercial que aqui se centrava.

Os antigos armazéns, vistos do rio



Na mesma zona, entre o Elba e o Alster, ergue-se o edifício cultural mais querido dos hamburgueses, a Elbphilarmonie, o moderníssimo edifício que alberga a Orquestra Filarmónica do Elba.

A Elbphilarmonie, duas perspetivas



O rio é o coração e as artérias da cidade, tudo para ali conflui. O movimento do porto comercial mistura-se com as milhentas embarcações de recreio. Há barcos de todos os tamanhos e feitios, mas tudo parece conviver em harmonia. 

As margens do rio, com um U-Boot à esquerda

Um barco-bombeiro, no meio dos barcos de recreio

Por puro acaso, como tantas vezes acontece nas nossas viagens, apanhámos uma enorme festa que decorre anualmente ao longo do porto: o Dia dos Cruzeiros, “Cruise Day”. Há animação e viagens pelo porto durante todo o dia e milhares de pessoas juntam-se junto à agua, para comer e beber ou simplesmente apreciar o movimento. Mas o ponto alto da festa acontece à noite. Os grandes barcos de cruzeiro oferecem um espetáculo de cor e fogo de artífício à cidade. Devido às restrições ambientais, o fogo de artifício foi substituído por fogo preso produzido por... drones! Modernices... interessantes!

Espetáculo do Cruise Day

Mas o que mais guardo desse dia é o jantar no bairro português.  A comunidade portuguesa em Hamburgo é muito antiga, data do século XVI. Mas alargou-se imenso no século XX, com o movimento de emigração dos anos 60 e 70, principalmente. O bairro português ocupa um par de ruas, junto ao porto, e ali surgiram muitos restaurantes portugueses e winebars. Não falta o peixe grelhado nem o pastel de nata... os restaurantes têm todos nomes portugueses, os empregados são portugueses, em alguns sítios pode-se ouvir o fado.  Já nos tinham dito que ali se comia bem, o que não é de admirar, a gastronomia portuguesa dá cartas em qualquer latitude. Mas não antecipava a emoção que se apodera de nós quando, depois de quinze dias a ouvir falar em alemão, inglês, dinamarquês, entramos num restaurante chamado “Olá Lisboa!”, somos recebidos calorosamente em português, bebemos um vinho verde do produtor, seguido de um Porto como digestivo... Raio da alma lusitana, que não nos dá tréguas!...

No restaurante Olá Lisboa!