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Representação de danças tradicionais irlandesas junto ao Centro Cultural de Brú Ború, em Cashel |
Na Irlanda, o passado está sempre
presente. Na maioria dos casos, pelas piores razões... A pequena ilha foi
colonizada e explorada pelo seu poderoso vizinho britânico, originando um
azedume e uma revolta que se transmitiu pelos séculos e que ainda hoje assombra
as relações entre os dois povos. Esta convivência difícil está muito patente em
cidades como Derry ou Belfast, mas assoma constantemente, seja em episódios
trágicos seja em piadas sarcásticas.
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Momentos e rostos da história da Irlanda, fixados no Salmão da Sabedoria (Belfast) |
A história mais antiga, pelo
contrário, é romantizada e surge-nos na forma de mitos, contos de fadas,
canções, que juntam as raízes célticas a uma melancolia de paraíso perdido.
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A harpa de Brian Ború, recuperada e exposta no Trinity College |
Para regressar a essa Irlanda
céltica, o melhor é visitar Brú na Bóinne, o grande complexo neolítico que se
situa em County Meath, junto ao rio Boyne, a norte de Dublin. Crê-se que terá
sido construído cerca de 3200 a.C. e é composto por três grandes recintos
tumulares e rituais.
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Planta para exploração de Brú na Bóinne |
Nós não tinhamos comprado bilhetes (que grande falha na
minha organização...) mas ainda conseguimos arranjar, no Centro Interpretativo,
dois bilhetes para a visita guiada a Newgrange, o mais imponente conjunto
tumular. Aqui não há visitas livres, têm de ser guiadas e com bilhetes, mas
vale muito a pena. O recinto é enorme, coberto de terra e rodeado por pedras
com símbolos célticos. Há muitos significados que nos escapam, mas a
grandiosidade é marcante.
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O recinto tumular de Newgrange (exterior) |
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A entrada de Newgrange |
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Os menires fronteiros |
No mesmo dia, ainda fomos à
descoberta da Colina de Tara. É uma colina relvada, com elevações em anel, túmulos
subterrâneos e um grande simbolismo enquanto lugar de coroação real, onde se
fazia a sagração do High King. A lenda afirma que a Pedra do Destino
ressoa quando o verdadeiro rei a toca ou anda à sua volta, mas connosco
manteve-se muito sóbria e silenciosa.
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A Pedra do Destino |
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Os túmulos subterrâneos |
Os tempos medievais são
particularmente marcantes no imaginário irlandês. Foi o tempo dos reinos
tribais, de S. Patrício e da conversão ao cristianismo das populações da ilha,
dos mosteiros onde os monges copiavam laboriosamente os textos sagrados. Em
Dublin, o Trinity College guarda alguns desses tesouros, como a harpa alegadamente pertencente a Brian Ború ou o Book of Kells, uma obra
de arte com mil e duzentos anos, com uma decoração elaborada e coberto de
iluminuras delicadas.
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A biblioteca do Trinity College |
O Book of Kells foi salvo da
destruição por um golpe de sorte, quando das invasões vikings. Hoje, ocupa um
lugar de destaque na bela Biblioteca do Trinity, dentro de um museu construído
especialmente para ele. Eu tinha uma grande expectativa para esta visita, mas o
Livro está dentro de uma redoma e só se pode ver uma página. Enfim, a toda a
volta do precioso livro as paredes mostram grandes reproduções das iluminuras,
com todas as explicações necessárias. Gostei muito mas confesso que, mesmo
assim, fiquei um bocadinho dececionada. Afinal, as cópias são sempre menos
entusiasmantes do que os originais...
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Imagens das maravilhosas iluminuras do Book of Kells |
Desses tempos medievais vem
também o culto de S. Patrício, hoje comemorado em todos os lugares do mundo
onde se estabeleceu um irlandês. Há inúmeras capelas e igrejas que lhe são
dedicadas. Está sepultado na belíssima Catedral de Saint Patrick, em Dublin,
ela própria construída à volta de um poço sagrado, no qual se diz que St.
Patrick batizou vários convertidos, cerca do ano 450. O poço ainda lá está,
assim como uma quantidade imensa de bustos, estátuas, bandeiras, peças de
mobiliário e lápides tumulares, convertendo a igreja numa espécie de floresta
museológica que só se consegue desbravar com a ajuda de um folheto explicativo
que nos é fornecido à entrada, com o bilhete.
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A Catedral de Saint Patrick |
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O interior da catedral, com as suas múltiplas referências e memórias |
O desgosto com o domínio inglês
também fez com que os irlandeses olhassem para o seu passado medieval com
fervor e nostalgia. Em nenhum local isso é mais evidente do que em Cashel, no
castelo e presbitério imponentemente erguido na planura de Tipperary: o Rock of
Cashel.
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The Rock of Cashel ergue-se na planície de Tipperary |

É visível de toda a planície e
impõe-se como uma enorme afirmação de poder. Terá sido erguido no século IV ou
V, e seria a residência dos reis de Munster, que reinavam sobre todo o sul da
Irlanda. Aí viveu ainda Brian Ború, o mítico High King of Ireland que conseguiu
derrotar os Vikings no século XI. E aí existe hoje em sua memória o Centro Cultural
de Brú Ború, que tenta recriar os costumes da época, oferecendo espetáculos de
música tradicional, dança, teatro e artesanato.
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Por entre as ruínas de Rock of Cashel |
No século XI, Cashel é entregue à
Igreja e continua a florescer como centro de desenvolvimento económico e
cultural da região. É dessa época a grande igreja gótica e o mosteiro, hoje sem
telhados e bastante arruinados mas, mesmo assim, imponentes. À volta da igreja,
as cruzes célticas multiplicam-se mantendo um ambiente de misticismo.
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As cruzes célticas dominam o cemitério do mosteiro |
Em toda a zona de Cashel se podem
ainda encontrar ruínas de antigos mosteiros que viviam em ligação com o grande
presbitério lá no alto...
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Ruínas do mosteiro de Saint Dominic, em Cashel |
O High King Brian Ború representa
de alguma maneira a autonomia altiva dos irlandeses. A sua cabeça, ao lado da
de St. Patrick, surge esculpida no Castelo de Dublin.
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No castelo de Dublin |
E é a sua harpa, guardada
na biblioteca do Trinity College, que serve hoje de símbolo da Irlanda e nos
aparece em todo o lado, desde a bandeira nacional até à companhia aérea
irlandesa, desde a moeda de euro cunhada na Irlanda até ao rótulo da Guiness, a
cerveja mais icónica da pequena ilha.
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A Harpa, símbolo da Irlanda |
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