sábado, 11 de maio de 2024

Em Viena com os vienenses

 Escrevi no último post que, quando visitamos Viena, caminhamos ombro a ombro com os imperadores e imperatrizes desse velho império da Belle Époque. E os vienenses? Onde andam as pessoas comuns?

Passeios nas margens do Danúbio...

... e tardes nas esplanadas dos cafés

Os vienenses parece-me que continuam tranquilamente a fazer a sua vida... Passeiam nos parques e ao longo do Danúbio, comem nos beisl, passam longas horas nos cafés. O centro urbano de Viena, dentro do anel definido pela Ringstrasse, não terá muitas diferenças em relação ao que era no início do século XX, no auge do Império Austro-Húngaro. 

A Coluna da Peste, no Graben

No centro, abre-se o largo espaço do Graben, a praça central, hoje coberta de esplanadas. Como em muitas outras cidades austríacas, grandes ou pequenas, ali se ergue a Coluna do Espírito Santo, também chamada Coluna da Peste, por ter sido erigida em agradecimento pelo final de um surto de peste, no século XVII. Na verdade, a coluna é também uma clara afirmação da fé católica do Império, face aos seus vizinhos protestantes do Norte e aos seus agressivos vizinhos muçulmanos do Império Otomano. Aqui, no Graben, era também o centro comercial da cidade, onde se situavam as melhores lojas, o que acontece até hoje.

As belas lojas do Graben

À volta do Graben,as ruas estreitas cruzam-se em pequenas praças pontuadas por cafés. As casas são altas e estreitas, às vezes com velhas tabuletas que nos remetem para os variados ofícios que ali se praticavam. O consultório do Dr. Freud fica perto. Ele era apenas um dos muitos médicos judeus que exerciam na cidade.

No Graben, Gutenberg observa os turistas...

Em Viena, impera a cultura de café, o hábito de passar tempo nos cafés, a ler o jornal, a comentar as novidades, ou simplesmente a comer uma fatia dos deliciosos bolos que também fazem a fama da cidade (como a célebre Sachertorte...). Os cafés são para os vienenses o que os pubs são para os britânicos, uma verdadeira instituição social. Alguns são muito conhecidos e até Património da Humanidade. 

O Café Landtmann, um dos mais famosos da cidade

É o caso do Café Landtmann ou do Café Sacher mas, acima de todos, do Café Central: estabelecido em 1876, era o ponto de encontro dos intelectuais na viragem para o século XX. Quantas discussões apaixonadas ali terão surgido? Quantas ideias revolucionárias ali terão sido discutidas, quantas conspirações ali terão sido urdidas? Olho com reverência para as mesas e as colunas do Café Central e quase espero ouvir os ecos das vozes de Stefan Zweig ou Leon Trotsky, Lev Bronstein de seu nome original. Conta-se que Trotsky passava aqui tanto do seu tempo que o Presidente da Câmara de Viena perguntava ironicamente se ele tencionava iniciar a revolução na Rússia a partir do Café Central... Hoje, o Café Central tornou-se uma atração turística. Há filas enormes à porta e compram-se ingressos pelo Tripadvisor. Olho para as filas de turistas e pergunto-me quantos deles consegurão ouvir os ecos da História que se fez ali dentro.

O Café Central 


Um pouco mais afastados do centro histórico, surgem os heuriger e os beisl, restaurantes simples, mais rústicos, às vezes com vinho do produtor e comida tradicional. 

Um restaurante de comida tradicional

Pelo menos umas salsichas vienenses sempre se encontram, garantidamente, ou o ainda mais conhecido Wiener Schnitzel, um escalope de carne panada com salada de batata. O gulash, um guisado de carne com especiarias, também é recomendável. Para sobremesa, não pode faltar o Apfelstrudel ou os maravilhosos Palatschinken, crepes recheados com doce de alperce. 

Salsichas, gulash...

...e os palatschinken!

Uma das inesperadas  vantagens de uma capital imperial são as misturas gastronómicas. Perto do nosso hotel, havia um pequeno restaurante pitoresco, com especialidades da Boémia. Também são de explorar...

O restaurante Zur Bohmish Kuchl

Meio ganso à moda da Boémia...

E o Danúbio? O velho Danúbio azul, imortalizado nas valsas e no imaginário? Quase não se dá por ele. Depois de anos a provocar estragos e sustos com cheias inesperadas, foi represado e desviado para fora da cidade. Agora corre mais longe, mais anónimo, não um Danúbio azul, central e vaidoso, mas um Danúbio louro das lamas das suas margens, arredado para longe como um tio incómodo. Ainda há um braço que passa no meio da cidade, estreito, contido entre muros, domesticado. Em nada se assemelha ao Danúbio largo e poderoso que passa vagarosamente pelo centro de Budapeste ou de Belgrado.

O Danúbio, estreito e represado, no centro da cidade

O Danúbio largo e orgulhoso foi afastado para longe

Despeço-me de Viena dentro de um café, é claro! O ambiente é quente e acolhedor, como é usual. O criados servem os chás e os cafés, as enormes fatias de bolo passam nas travessas. Os vienenses bebem, comem e discutem ideias, como há um século atrás. Na mesa ao lado da minha, duas senhoras idosas conversam em voz baixa, de cabeças quase juntas. O que estarão elas a conspirar?

Fim de tarde no Café Pruckel


1 comentário:

  1. É tão bom reviajar nestas crónicas, emocionante. Obrigado.

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