domingo, 29 de dezembro de 2019

Crónicas de uma viagem a Itália – A Rota dos Mosaicos Bizantinos de Ravena


O Mausoléu de Gala Placídia

Ravena é uma pequena cidade do norte de Itália. Situada perto da costa do mar Adriático, a menos de uma hora de comboio de Veneza, é atualmente utilizada por milhões de turistas como base para visitar a cidade dos doges. Dormem em Ravena, que é muito mais económico, e deslocam-se de comboio para Veneza que, infelizmente, se transformou numa espécie de Disneyland turística.
Nas suas deslocações por Ravena, talvez avistem umas igrejas antigas, que provavelmente não lhes despertarão muita curiosidade. Mas fazem mal e não sabem o que perdem!

O exterior do Batistério Neoniano
A cidade de Ravena cresceu no meio de pântanos e foi o vizinho porto de Classe que lhe garantiu alguma proeminência. É no século V que o imperador do Império Romano do Ocidente transfere para Ravena a sua capital e a cidade transforma-se no símbolo dessa época de confusão e decadência. Tal como o resto da Europa, a Itália sofria ataques e invasões dos povos germânicos, a que os Romanos chamavam bárbaros.
Uma mulher simbolizou bem esse choque entre o norte bárbaro e o sul romano, um choque violento e gradual do qual haveria de emergir outra Europa, a dos tempos medievais. Essa mulher foi Gala Placídia. Era filha do imperador Teodósio o Grande e foi capturada por Alarico, rei dos Visigodos, quando estes invadiram Itália. Gala Placídia foi obrigada a casar com Ataulfo, o filho de Alarico. Depois da morte deste, a princesa foge para Constantinopla e é casada com o general Constante, do qual tem um filho que será, ele próprio, imperador do Império Romano do Ocidente, Valentiniano III. Esta mulher de destino incerto mas caráter enérgico, de rosto tranquilo mas espírito forte, fascina-me e é com emoção que visito o seu Mausoléu, um dos monumentos mais belos de Ravena. 
Gala Placídia faleceu em Roma e não está no Mausoléu que lhe foi consagrado. Mas lá está o grande sarcófago que lhe estava destinado, tal como os do seu marido Constante e do seu filho Valentiniano III.
A tradição dos mosaicos romanos nunca se tinha perdido e refinava-se, no século V, sob o efeito da espiritualidade cristã. Os tetos e as paredes do Mausoléu de Gala Placídia retratam cenas do Antigo e do Novo Testamento, debaixo de uma abóbada celeste de um azul esplendoroso.

O céu estrelado no teto do mausoléu de Gala Placídia

A maravilhosa decoração das capelas laterais

A cena do Bom Pastor encima a porta de entrada
É da mesma época o Batistério Neoniano ou Ortodoxo. Visito-o fascinada. As figuras dos apóstolos e dos evangelistas rodeiam a cena do próprio Batismo de Cristo. As expressões sérias e vividas das figuras são adoçadas pelas cores dos milhares de pequenos mosaicos que os compõem Os brancos e os dourados, os verdes, azuis e vermelhos, entrelaçam-se em motivos florais, geométricos e figurativos, e atraem o nosso olhar para cima, abrindo-o ao mundo celeste.

Os doze apóstolos povoam a cúpula do Batistério Neoniano

Os profetas preenchem os arcos

No centro da cúpula, o Batismo de Cristo
Sento-me com o olhar perdido nas figuras que me observam do teto e imagino a emoção e o deslumbramento daqueles que ali entravam, há mil e quinhentos anos atrás. Como o mundo celeste lhes devia parecer brilhante e atrativo, em comparação com o seu mundo de inseguranças e terrores!...
Entretanto, a Itália continuava a ferro e fogo. O Império Romano do Ocidente cai em 476 e as invasões sucedem-se. Teodorico, rei dos Ostrogodos, instala-se em Ravena e aí constrói o seu palácio, o Batistério Ariano, a capela episcopal e a maravilhosa igreja de Santo Apolinario Nuovo.

A representação dos Reis Magos na parede de Sant' Apollinare Nuovo

O cortejo das santas e virgens...

No topo, as cenas da vida de Cristo

Os mosaicos cobrem as paredes, desenhando longas procissões de virgens e santos, de um lado os homens e do outro as mulheres. Acima, a vida de Cristo desdobra-se frente aos nossos olhos, naquela que é a primeira representação sequencial conhecida.
Ao fundo da igreja, no entanto, já nos aparece a figura de Justiniano, imperador do Império Romano do Oriente e último grande governante de Ravena. É dessa época de domínio bizantino que data a magnífica catedral de S. Vitale.

A Catedral de S. Vitale

Em S. Vitale, o imperador Justiniano e a imperatriz Teodora ocupam o lugar de honra, no altar-mor, ao lado do representante do poder religioso. Mas essa afirmação do poder terreno deixa muito espaço para as representações religiosas ou simplesmente decorativas que cobrem o espaço.

O magnífico interior de S. Vitale

O Imperador e o Bispo partilham o altar-mor

As cenas religiosas construídas com os minúsculos mosaicos preenchem as paredes

Teodora e o seu séquito

Os interiores destes monumentos, com toda esta riqueza decorativa, esta mestria figurativa e simbólica, este esplendor cromático, contrastam com os exteriores simples, escuros, de tijolo queimado pelos séculos, enganando os mais incautos.

Há 97 aves diferentes no teto da Capela Episcopal de Sant'Andrea

Aqui, os mosaicos criam as figuras dos quatro evangelistas e dos seus símbolos

Quando saía de S. Vitale, um casal de meia-idade avaliava a entrada: oito euros pelo bilhete? Será que vale a pena? Ah! Se calhar não, vamos só tirar uma foto exterior ao monumento! Apeteceu-me correr atrás deles e gritar: “Não façam isso! Entrem! Vão perder um tesouro, uma maravilha!...” Mas fiquei quieta e deixei-os ir embora. É o que acontece a quem vai visitar um lugar sem se informar do que de mais belo ali pode encontrar!

A toponímia das ruas de Ravena continua a ter como referência os mosaicos maravilhosos dos seus monumentos

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