sexta-feira, 7 de julho de 2017

Uma Rota do Românico



O Mosteiro de São Salvador de Travanca

No fim de semana passado, fiz uma pequenina rota do Românico. Foi apenas um vislumbre, já que só visitei 4 dos 58 monumentos que a compõem. Mas Roma e Pavia não se fizeram num dia e, da mesma maneira, esta rota não é para percorrer num instante, de fio a pavio. É para ir percorrendo, descobrindo mais esta igreja, esta torre, este sabor; sim, porque uma rota também se faz de cheiros e sabores!


Pormenor - Os capitéis da entrada


O interior da igreja de São Salvador de Travanca
A Rota do Românico é um projeto cultural. Propõe-se divulgar o património rico e variado da região de Ribadouro, baixo Tâmega e baixo Sousa. É o berço da nossa arquitetura românica. Aí, a história das pedras mistura-se com a história dos primeiros passos da nossa nacionalidade e com as histórias das gentes que ali trabalhavam e dos senhores que defendiam a terra e promoviam a construção destas igrejas e mosteiros.


O tecto da sacristia do mosteiro de Travanca


Pormenor dos tectos da sacristia

Muito desse património esteve votado ao abandono durante muito tempo. Alguns vestígios perderam-se irremediavelmente. Outros foram sendo remodelados e modernizados, ao gosto de cada época. Alguns foram acrescentados com a exuberância decorativa do barroco. Outros sofreram  intervenções segundo o conceito medieval do Estado Novo. Hoje, toda essa evolução conta uma história e tem o seu lugar nesta Rota do Românico, que, por vezes, já pouco oferece do românico original.


Pormenor - As decorações embutidas das gavetas onde eram guardados os paramentos


Pormenor - Um vaso na escadaria junto ao claustro

Os promotores deste projeto cultural dedicam-se a inventariar, estudar, recuperar, cada um destes monumentos. Inicialmente 21, são já 58 que estão disponíveis para a visita do público e o seu número deverá continuar a aumentar.
Neste fim de semana, visitamos quatro desses monumentos. Talvez não os mais conhecidos, mas todos surpreendentes e fascinantes.


A bela igreja de São Martinho de Soalhães


Pormenor - O milagre de São Martinho num painel policromado

São Salvador de Travanca, em Amarante, é um dos mosteiros que melhor demonstra a traça românica. Edificado no século XIII, demonstra o poderio da família de Egas Moniz, à qual está associado. O interior foi recentemente recuperado, com muito gosto, não escondendo esses traços de modernidade. Impressiona a torre, coroada de ameias, que já foi torre sineira. A atual torre sineira é muito mais recente. A bela sacristia mostra as remodelações de um barroco ingénuo, mas encantador.



Pormenor - As figuras que suportam o
coro alto

Pormenor - São Pedro

Igualmente remodelado segundo o gosto barroco, no século XVIII, a Igreja de São Martinho de Soalhães, em Marco de Canaveses, já pouco mostra das suas origens românicas, a não ser em pequenos pormenores. Não sendo de grandes dimensões, a riqueza da sua decoração é esmagadora. O revestimento a azulejo é encimado por belos painéis de madeira policromada, em médio relevo, que contam os passos da Paixão de Cristo e a lenda de São Martinho ou retratam santos e apóstolos. Os altares em talha dourada completam a decoração desta bela igreja.



Entrada do Mosteiro de Santo André de Ancede

Pormenor - O cão com o facho, símbolo de Santo André

O Mosteiro de Santo André de Ancede,  já existia em 1141, quando o nosso rei D. Afonso Henriques lhe concedeu uma Carta de Couto. Tem belos pormenores decorativos, tanto na igreja como na sacristia, onde se destaca uma interessante coleção de relicários.


Pormenor - Peanha em forma de pelicano


Uma Nossa Senhora das Dores,
na sacristia do mosteiro

Mas o mais fascinante é a Capela do Senhor do Bom Despacho (ou da Boa Morte), no terreiro adjacente á Igreja. De planta octogonal, à boa maneira barroca, esta pequena capela apresenta toda a narrativa da vida de Cristo em nichos decorados como se fossem pequenos palcos. As figuras de madeira policromada são amovíveis, possibilitando a encenação das cenas. É muito bonito e original.



O altar-mor da Capela do Senhor do Bom Despacho

Pormenor - O tecto da Capela


Pormenor - Um dos nichos, encenando a visita dos Reis Magos

Por fim, visitamos a pequeníssima Capela da Senhora da Livração de Fandinhães, que apresenta um aspeto inacabado ou, talvez, resultante do seu desmantelamento quando a população se deslocou para o vale. A sua simplicidade e despojamento remete-nos de novo para o românico e a mentalidade medieval. A figura do exibicionista (um homem nu com a mão nos órgãos genitais) que aí se encontra, é inesperada mas não é rara, dentro da simbologia da época.


Portal da Capela da Senhora da Livração


Parede lateral da capela, com a figura do exibicionista (à esquerda)

Um dia assim merece um almoço especial. Foi o que encontramos na Pensão Borges, em Baião. Ali almoçou um dia Eça de Queirós, e é esse almoço que ele reproduz numa passagem de “A Cidade e as Serras”, em que Jacinto se delicia com o frango frito acompanhado por um arroz de favinhas. Em boa hora o restaurante oferece esta ementa queirosiana, e nós também nos deliciamos com um divinal arroz de favinhas, quais Jacintos da era moderna.



Á porta da Pensão Borges, depois do arroz de favinhas...

Por fim, deixo um conselho. Quem quiser percorrer estas rotas do românico, deve contactar a entidade responsável. É fácil, basta pesquisar em www.rotadoromanico.com/. Aí encontra contactos, visitas virtuais, uma aplicação para descarregar com as rotas e informações sobre os monumentos. Aí pode também marcar a sua visita. É que, se não o fizer, arrica-se mesmo a bater com o nariz nas portas…

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