quinta-feira, 12 de junho de 2025

Wild Atlantic Way

Letreiro indicativo da WAW em Tralee

Em irlandês gaélico, essa língua que nos parece tão estranha, diz-se Slí an Atlantaigh Fhiáin. Corresponde a uma rota que acompanha a costa atlântica da Irlanda, desde o sul, perto de Kinsale, até ao norte, onde pára na fronteira com a Irlanda do Norte; aí termina a rota, mas não terminam as paisagens espetaculares, simplesmente se entra noutro país, o Reino Unido.

Pela costa...


É uma rota extensíssima. São mais de 2.500 quilómetros de estradas que bordejam a costa, sempre diferente mas sempre espetacular. É difícil percorrê-la em toda a sua extensão, durante um período normal de férias. Há quem o faça, evidentemente: encontrámos em Derry um grupo de ciclistas acabado de chegar de Innishowen Head. Tinham percorrido toda a rota, um mês inteiro a pedalar. Aparentemente, era esse o seu sistema de férias predileto; percebemos pela conversa que já tinham pedalado pelas rotas mais icónicas de toda a Europa. Acho fascinante mas não me convence. Num clima tão instável como o irlândês, é preciso ter uma espécie de heroísmo, uma motivação inquebrável, para afrontar em cima de uma bicicleta as chuvas e os ventos típicos daquela costa atlântica.

Um banco onde apetece sentar

O pequeno cais do Shannon Breeze

Nós não tinhamos nem essa pretensão nem o tempo disponível. Assim, como de costume, fizemos umas pesquisas, lemos uns livros, e traçamos um itinerário que conjugasse os pontos mais famosos da linha costeira com a visita a algumas cidades que ficavam próximas e que nos tinham despertado interesse.


A pequena cidade de Westport

Ao longo da WAW...

Começamos então a nossa WAW (Wild Atlantic Way) rumando para sul, a partir de Cork. O dia parecia pouco promissor, com uma chuvinha miúda que foi rareando; mas quando chegamos a Goleen, ao Centro Interpretativo de Mizen Head, já fazia sol. Entrámos para comprar um mapa da WAW e procurar obter algumas informações sobre o local, mas fomos transportados no tempo até aos anos 50, talvez... Desde a senhora da receção até à decoração do espaço tudo era simpático mas retrógrado. Continuamos o caminho por estradas estreitas e sinuosas, pouco mais largas do que o nosso carro. Ainda não sabíamos, mas esse ía ser o registo habitual durante os próximos dias.

A caminho do Wild West em Goleen

A ponte pedonal para Mizen Head

Mizen Head é o ponto mais avançado da rota, para sudoeste. Tem um farol célebre, empoleirado numa rocha no meio do mar bravio. Hoje, o farol está modernizado, mas é possível ainda visitar a casa do faroleiro e as restantes instalações. A passagem para a ilha onde se situa o farol é feita pedonalmente, através de uma ponte em arco e a partir desse ponto as vistas são fantásticas.

As falésias da costa, em Mizen Head

Na casa do faroleiro

Os faróis são uma constante, nesta costa batida pelo vento e por ondas alterosas, onde os naufrágios eram frequentes. São mais de oitenta, construídos ao alcance da vista uns dos outros, e muitos ainda são visitáveis. O caminho leva-nos por costas recortadas, entre praias e falésias. Há histórias de faróis e faroleiros, naufrágios e roubos, mas também sereias apaixonadas. Ladeamos lagos e fiordes, passamos pequenos portos piscatórios, onde podemos parar para comer um fishburguer.

Falésias e cabos rochosos...

Parámos para comer um fishburguer em Tralee

Um ponto de passagem obrigatório é o chamado Ring of Kerry, uma rota circular que se pode iniciar e terminar em Killarney. Circunda o Killarney National Park e é de uma beleza extraordinária, sempre bordejando lagos, rodeados de verde.

Killarney National Park 


Entrámos em Killarney em ambiente de festa. A equipa de futebol feminino de Kerry County tinha ganho o campeonato de toda a Irlanda (All Ireland) e era a loucura, que se prolongou em alegres cânticos pela noite fora. É uma pequena cidade, agradável, com umas ruas centrais cheias de pubs e lojas que vendem principalmente artigos de lã, com os pontos e motivos tradicionais. Apetecia-me comprar todos... Muito perto da cidade, encontra-se Ross Castle, em pleno Parque Natural, à beira de um lago imenso. Há pescadores a saírem para o lago, há árvores centenárias e há gamos a saltitarem pelos caminhos percorridos pelas carroças puxadas por póneis de patas grossas e lanzudas.

Ross Castle



Killarney não é muito diferente de outras pequenas cidades da costa oeste, mas está situada num local de grande beleza natural. Apetece ficar ali por uns dias, a explorar as redondezas e, à noite, a acompanhar a música que sai de todos os pubs.

O pequeno porto de Dingle

Continuamos pela Wild Atlantic Way para a península de Dingle. Tinhamos decidido passar por Tralee levados pela canção The Rose of Tralee. Comemos o fishburger da ordem e continuamos. Infletimos para o interior, para passar o rio Shannon de barco. O ferry chamava-se Shannon Breeze mas o nome era enganador: em vez de uma brisa, soprou um vento forte a empurrar uma chuva miúda. Tememos o pior para o dia seguinte, em que íamos a um dos pontos mais icónicos desta rota: os célebres Cliffs of Moher.

Os Cliffs of Moher

O dia começou nublado e frio, mas lá foi melhorando. O vento gelado ameaçava atirar-nos dos penhascos abaixo, mas eu olhava para as vacas tão tranquilas e pachorrentas naquela ventania e lá ía subindo. O passeio vale muito a pena. As falésias são muito cénicas e, se não houver nevoeiro, dão umas belas fotografias. Igualmente imperdível é o Centro de Interpretação. Além da informação variada, disponibiliza um filme magnífico em 4D: sentimo-nos gaivotas a sobrevoar as falésias, com direito a borrifos de água salgada e tudo! Enviámos um postal com a nossa foto para nós próprios... para mais tarde recordar!...

As vacas pastam no topo das falésias

As imponentes falésias de Moher

Seguimos para Galway. Gostei muito. É uma cidade com muita alma, com um passado que nos salta ao caminho a cada esquina. O Latin Quarter é o bairro mais animado e também o melhor para almoçar. Aqui impera o gaélico e muitos restaurantes têm nomes incompreensíveis. O melhor é perguntar, os irlandeses gostam de explicar as suas tradições e as suas particularidades.

Mural à entrada do Latin Quarter


As ruas animadas de Galway

A etapa seguinte é Cong. Que boa surpresa, que lugar delicioso! À entrada de Cong, encontramos o imponente Ashford Castle, hoje um hotel de luxo. Mas, mesmo sem pernoitar no hotel, podemos passear pelo parque e pelas margens do lago. São as mesmas águas que vão banhar o antigo mosteiro de Cong e correm pelo centro da pequena cidade. Estamos rodeados pela floresta de Cong, bela e silenciosa.

Ashford Castle




A casa do acolhimento ao público, em Ashford Park


A bucólica floresta de Cong

A coisa mais extraordinária que aconteceu em Cong foi, provavelmente, a rodagem do célebre filme de John Ford “O Homem Tranquilo”, com John Wayne e Maureen O’Hara. Há referências ao filme por todo o lado. O museu do “Quiet Man” estava fechado, mas podem-se visitar os locais da rodagem do filme e alguns dos figurantes ainda por lá vivem, com certeza. No nosso hotel, há fotogramas do filme em todos os espaços e o nosso quarto chama-se Pat Cohan...

A velha abadia de Cong

Ruínas da cabana onde os monges pescavam

O museu do "Quiet Man"

John Wayne e Maureen O’Hara imortalizados no centro de Cong

Continuamos para norte, com um tempo de chuva a lembrar-nos que estamos na Irlanda. Vamos fazendo algumas paragens (poucas...), tentando vislumbrar alguma coisa. Da Ilha de Achill só recordo duas coisas: um bar onde parámos para beber um chá e que se gabava de ser o bar mais ocidental da Europa; e um grupo de adolescentes que se preparava para uns passeios de barco, totalmente indiferentes à chuva!

Na Ilha de Achill...

...indiferentes à chuva...

O nosso próximo objetivo era Sligo, a cidade de William Butler Yeats, o mais célebre poeta irlandês. A chuva deu-nos tréguas e conseguimos passear pela cidade, onde tudo lembra o poeta. No centro da cidade, junto à Hyde Bridge, situa-se a Yeats Society, com exibições e atividades não apenas sobre o Poeta mas também sobre outros temas da cultura irlandesa.

Uma estátua de Yeats

Junto à Hyde Bridge

Não podíamos deixar de passar por Rosses Point, onde se situa a casa onde viveu Yeats, assim como pelo cemitério de Drumcliff, onde está a sua campa, simples e sóbria, mais um local de memória.

Memorial a Yeats no cemitério de Drumcliff

Barcos em Rosses Point

O tempo continuava incerto, entre chuviscos e aguaceiros. Rumámos a Donegal, uma cidade interessante, junto ao rio Eske. Tem mais coisas interessantes para explorar do que eu tinha de tempo disponível! Assim, infletimos para a Irlanda do Norte, erradamente chamada Ulster já que este é também o nome da zona de que estamos a sair. Enfim, rumamos a Derry, já no Reino Unido.

O rio Eske em Donegal

Em Donegal abandonamos a Wild Atlantic Way, que é uma rota exclusivamente irlandesa. Porém, vamos explorar também a Antrim Coast, que é a sua continuação, já no lado britânico. A Terra e os mares e as costas não querem saber de divisões políticas para nada, mas nós temos de obedecer às formalidades e por isso a Antrim Coast já estará num outro post. 

1 comentário:

  1. Como sempre, excelente narrativa. Em agosto também andarei por lá. Continuação de boa viagem. Beijinhos

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