quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Os pubs irlandeses

 

Uma rua de pubs no animado Latin Quarter, em Galway

Se algum dia voltar a Dublin, hei-de ir à Christ Church e à National Gallery. Sei que valeria mesmo a pena, e até teria tido tempo para isso se a minha prioridade não estivesse noutros sítios, os pubs. Saí de Lisboa com uma lista dos pubs que não podia deixar de visitar. Era uma lista bastante grande, feita com empenho depois de consultas minuciosas a vários artigos e sites na internet. Tenho noção que uma lista é um rol de preferências muito pessoal e, por isso, nenhuma é perfeita. Mas era um começo de exploração.

Temple Bar, o bairro mais icónico de Dublin

Os belos vitrais do "The Stag's Head"

Logo que chegámos a Dublin e largámos as malas no hotel, iniciámos a exploração da área circundante e encontrámos o “O’Donoghues”, onde um pátio animado prometia o relax perfeito depois da viagem. Entre as primeiras cervejas, abri o meu caderninho de viagem e a minha lista de pubs. Eu ainda não sabia mas não há nada que os irlandeses mais gostem do que um pretexto para uma boa conversa. Na mesa ao lado, três jovens professoras repararam na minha lista de pubs e durante a hora seguinte deram-nos todas as dicas para uma boa Rota dos Pubs. Risquei alguns, declaradamente muito turísticos e acrescentei outros, interessantes pelo ambiente ou pela qualidade e variedade da cerveja. Na verdade, a minha lista aumentou bastante...

O pátio interior do “O’Donoghues"

Variedade de cervejas no "Davy Byrnes"

Creio não errar se garantir que, durante toda a nossa viagem pela Irlanda, não passou um dia sem que entrássemos num pub, por vezes em dois ou três. Acho que os pubs caracterizam tanto a cultura irlandesa como as tradições célticas e o ódio aos ingleses. Têm sempre um ambiente intimista, marcado pelas madeiras escuras, os sofás de pele, os candeeiros de luzes veladas. Há salas, saletas, recantos. Nas épocas em que as mulheres eram em geral discriminadas no espaço público, elas tinham o seu lugar nos pubs, nos “snugs” com acesso direto ao balcão. A seleção de bebidas, desde as cervejas aos whiskeys, é vasta... E a conversa é muita!

O "Gielty's" orgulha-se de ser o pub mais ocidental da Europa

O "Toners" é um dos pubs mais antigos e tradicionais

"Hairy Lemon", o pub com mais saletas e recantos...

Os nomes são deliciosos e dizem muito do humor irlandês, como o “Thirsty Goat”, o “Dirty Onion” ou o "Hairy Lemon", neste caso uma homenagem bem humorada a uma figura conhecida da Dublin do início do século XX, um vagabundo que apanhava cães na rua e cujo tom da pele, amarelo a lembrar o limão, denuncia um fígado que já depurou demasiadas bebidas alcoólicas...

E o prémio do nome mais original vai para...

Dizem que há mais de duzentos pubs em Dublin, já descontando os que fecharam durante a pandemia e não reabriram. Alguns já ali estão desde o século XVIII. E vão-se multiplicando, por toda a Irlanda. Não há localidade que não tenha o seu pub. Mesmo nas zonas rurais, eles são o local de reunião da comunidade ao fim do dia. Entrámos em vários, ao longo da viagem. Havia sempre uma televisão a passar provas desportivas ou corridas de cavalos. E muita cerveja a correr. Há sempre curiosidade em relação aos forasteiros e a conversa é fácil (embora a pronúncia nem sempre seja fácil de decifrar).

Para uma cerveja especial, uma torneira especial...

The Duke of York, um espaço animado numa cidade dividida

Há alguns pubs com muita fama, como o Toners, The Church, The Stag’s Head, em Dublin, ou o célebre The Crown, em Belfast. Não foram os meus preferidos. São percorridos por procissões de turistas, de cabeça no ar e telemóvel em punho. Tiram as suas fotografias e voltam a sair. Entopem o espaço e não deixam nada em troca, exceto uns euros pagos por uma cerveja apressada.

O belo interior do "The Crown"

"The Church" numa antiga igreja

Ao contrário do que o nome parece indicar, The Temple Bar não é um pub, mas um bairro de Dublin, no centro histórico da cidade. As ruas estreitas estão cheias de bares e restaurantes, as esplanadas estão apinhadas (a não ser que chova...) e o ambiente é muito animado. Aí se encontram alguns dos mais famosos pubs da cidade, mas são em geral mais turísticos e mais caros do que se sairmos do centro.

"The Auld Dubliner" provavelmente o pub mais fotografado de Temple Bar

Todos os pubs têm imensas coisas penduradas nas paredes. Podem ser cartazes de provas desportivas ou de marcas de cerveja. Podem retratar ídolos do cinema, grupos musicais dos anos 50, velhos cartazes publicitários ou turísticos. São uma espécie de museus da cultura popular e podemos passar muito tempo a apreciar aquelas miscelâneas.

Uma parede no “O’Donoghues"


Um pub em Dingle

Algumas frases aparecem repetidamente, como “There are no strangers here; only friends you haven’t yet met”, atribuída a William Butler Yeats, o grande poeta irlândes. De resto, os grandes escritores e poetas nunca estão longe. Yeats ou James Joyce aparecem frequentemente, em velhas fotografias ou arranjos gráficos mais atuais. Outra referência constante é a da luta pela independência da Irlanda. Encontram-se por todo o lado reproduções fotográficas dos heróis do Levantamento da Páscoa de 1916 e da Declaração de Independência. Até numa simples loja de fish and chips...

James Joyce no Temple Bar

E a música, a música é uma constante. Nos locais mais turísticos, tocam-se baladas irlandesas e, por vezes, até é possível assistir a espetáculos de dança irlandesa. Para mim, é tão emocionante ouvir música tradicional interpretada por um dueto de cordas em Killarney, como ouvir a jovem Catrina cantar Cranberries no “Crowes Nest” em Cong.

Sempre a música...

Afinal, quais foram os meus pubs preferidos? Da minha enorme lista, só consegui ir talvez a dez por cento... Mas entrei por acaso em muitos outros e alguns ficaram-me no coração. E no estômago, também...

O "Morning Star" em Belfast

A minha lista de preferências vale o que vale, como todas as outras. Mas não pode lá faltar o “Doheny & Nesbitt” em Dublin, pela simpatia, pela música e pelo “Irish stew”; o “Duke of York” em Belfast, pela decoração e animação;  e, claro, o “Hairy Lemon”, pelo nome e pelas saletas e recantos que não consegui acabar de explorar.

"The Duke of York" em Belfast

Quando um dia voltar a Dublin, não posso perder a National Gallery. Mas também tenho de ir ao “John Kavanagh’s” (The Gravediggers). Dizem que lá se bebe a melhor Guinness da cidade!

Goodbye, Dublin. Enjoy!


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