sexta-feira, 30 de novembro de 2018

De mota até às Highlands VIII – A rota das Abadias destruídas


Mesmo em ruínas, a abadia de Melrose ainda é encantadora

As igrejas e abadias destruídas, tal como os castelos, fazem parte da paisagem escocesa e contribuem para um certo romantismo dramático que a caracteriza.
Várias vezes me lembrei de uma pequena história, que aconteceu comigo há já alguns anos. Tinha ido visitar um castelo em Munique, o Castelo de Nymphenburg, e percorria encantada os seus belos jardins, quando deparei com uma capela quase em ruínas. Perguntei à vigilante que guardava a porta quando é que a capela tinha sido destruída e a senhora respondeu-me: Já foi construída assim! Efetivamente, por estranho que pareça, a mentalidade romântica do século XIX revia-se nesses cenários e concebia-os desta forma.
Na Escócia, as abadias em ruínas são tão comuns, tão grandiosas e integram-se tão bem na paisagem que tendemos a assumir que ali foram postas de propósito, de acordo com esse gosto romântico. Mas não é o caso!

A frontaria da abadia de Jedburgh

A maioria das abadias em ruínas localiza-se na região a que se chama Scotish Borders, e o seu triste destino foi consequência direta da sua localização. No século XVI, o rei inglês Henrique VIII queria forçar o casamento do seu filho com a célebre Mary, Queen of Scots; face à recusa escocesa, ordenou a destruição de um conjunto de ricas abadias, fundadas no século XII pelo rei David I, que se localizavam nas proximidades da fronteira entre os dois reinos. Hoje, essas abadias erguem os seus muros e campanários descarnados e, mesmo assim, as suas ruínas ainda refletem a grandiosidade e riqueza dos seus melhores tempos.
As ruínas das abadias de Melrose, Kelso, Jedburgh, podem ser vistas num percurso de não mais de 50 quilómetros. Todas são visitáveis e, por vezes, incluem um pequeno centro de interpretação sobre a sua organização económica e religiosa e a vida dos monges que as habitavam.


Há pequenas exposições sobre a vida dos monges 

Um caso diferente é o da grande catedral de St. Andrews, talvez a ruína religiosa mais conhecida da Escócia. Aqui, foram os inflamados sermões do reformador protestante John Knox que ditaram a sua destruição: instigada pelo pregador, foi a própria população que atacou e destruiu a igreja, olhada como o maior símbolo do poder papista de Roma. As suas riquezas foram saqueadas e as suas pedras utilizadas noutros locais, nomeadamente na construção da nova catedral reformada. Cerca de 1600, a igreja já estava mais ou menos com o aspeto atual.

As enormes ruínas de St. Andrews


As aberturas das ruínas abrem planos inesperados

O mesmo aconteceu à catedral de Whitby. Atualmente, as ruínas da antiga igreja e a nova igreja que a substituiu erguem-se quase lado a lado, no promontório que guarda a entrada do porto de Whitby e sobre o qual tem uma vista magnífica.

A velha catedral de Whitby

A vista sobre o porto de Whitby

Há histórias engraçadas. Tain é um velho burgo real, fundado em 1066. Era também um importante centro de peregrinação medieval, onde a capela de São Ductus era o ponto central. Instigada pelas pregações reformistas, também a população de Tain ataca a capela. Mas não era fácil atacar assim o seu santo padroeiro e a capela manteve-se de pé, com as paredes pintadas de branco sobre os velhos frescos. Em Tain encontrámos o Jason, com quem tivemos uma das conversas mais interessantes da viagem, num diálogo que misturou política e religião, São Ductus e o Brexit.

Capela de São Ductus, em Tain

Também a Capela de Rosslyn viu os seus grandiosos planos de construção interrompidos pela Reforma Protestante. Abandonada durante cerca de trezentos anos, hoje está recuperada e vale bem uma visita. A sua decoração é de uma riqueza extraordinária e os pormenores prendem-nos os olhos e a atenção, desde os capitéis das colunas aos painéis que ladeiam as janelas. O elemento decorativo mais famoso é a magnífica Coluna do Aprendiz. Reza a lenda que foi talhada por um aprendiz de pedreiro que a concebeu num sonho. Ao ver o seu maravilhoso trabalho, o mestre pedreiro ficou tão ciumento que matou o aprendiz. Agora lado a lado, as duas colunas, a do mestre e a do aprendiz, levam-nos a, se não perdoar, pelo menos compreender os ciúmes do mestre.
A maioria dos visitantes que hoje enche a capela de Rosslyn vai em busca das referências do livro O Código da Vinci, de Dan Brown. Pouco encontram. Parece-me mais interessante ir em busca do famoso gato da capela, que ostenta o nome do seu fundador, William Sinclair, e que até tem direito de presença na loja da capela, em forma de gato de peluche.

A maravilhosa Capela de Rosslyn, onde é estritamente proibido tirar fotografias

Na Escócia, é muito nítido o efeito da Reforma Religiosa. Em todas as localidades se encontra um templo da Church of Scotland, sempre de planta e aspeto idênticos. Em contrapartida, mesmo quando não chegou à destruição, houve uma clara dessacralização dos espaços religiosos católicos. Encontrámos antigas igrejas transformadas em lojas e armazéns das mais variadas coisas. E, em Glasgow, jantámos numa bela igreja transformada em restaurante e pub com música ao vivo! Assim é o passar do tempo!

Igreja em Glasgow, agora um restaurante e pub


Sem comentários:

Enviar um comentário