quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Histórias de Berlim I – A Berlim Imperial


Parte do painel dos Hohenzollern na Igreja Memorial Kaiser Guilherme I

Ao caminharmos por Berlim, não podemos impedir-nos de sentir que há ali um desígnio imperial. Não é uma cidade antiga, como Atenas, ou Roma, ou mesmo Lisboa, que mostram as marcas e cicatrizes dos seus muitos anos de vida. Pressentimos que Berlim foi criada para afirmar um poderio e uma ascendência sobre os territórios vizinhos. Na verdade, Berlim só começa a desenvolver-se culturalmente no século XVII e é nos finais do século XVIII e no século XIX que se torna uma grande capital europeia.
No início do século XVIII, o reino da Prússia afirma-se como um estado autónomo e os reis da família Hohenzollern fazem de Berlim a sua capital. Frederico II, o grande rei símbolo do despotismo iluminado, irá aliar o militarismo ao amor pelas artes, criando muitos dos espaços emblemáticos da cidade.


Estátua do rei Frederico Guilherme em Unter den Linden

Talvez a Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, criador do Império Alemão, melhor do que qualquer outro monumento, exemplifique essa busca de afirmação imperial. Construída em estilo neorromânico nos finais do século XIX, legitimava os Hohenzollern e o desígno imperial em belíssimos painéis de azulejos e baixos-relevos. Ainda hoje, meia-destruída pelos bombardeamentos da 2.ª Guerra Mundial, nos surpreende pela sua beleza e grandiosidade.


As ruínas da Igreja Memorial do Kaiser Guilherme


A nova Igreja, a que as paredes de tijolo de vidro azul dão uma luz especial...

O coração dessa Berlim imperial é o eixo que liga a zona do Reichtag e do parque da cidade – o Tiergarten - a Alexanderplatz, na sua maior parte constituída pela famosa avenida Unter den linden. Embora já não tenha o esplendor de outros tempos, aí se encontram alguns dos edifícios mais emblemáticos da cidade. No início da avenida, a grande Porta de Brandenburgo, dramática e imponente, não deixa ninguém indiferente. Por ali desfilaram os exércitos vitoriosos de Napoleão mas também as tropas prussianas, após as suas sucessivas vitórias no século XIX. Hoje, desfilam por ali hordas de turistas, tentando tirar uma selfie com a Porta em fundo. Fiz o mesmo, pois claro…


Mais do que famosa... a Porta de Brandenburgo


Perspetiva da Porta de Brandenburgo a partir da rua lateral

O Reichtag ainda hoje é um edifício impressionante. Do original, só resta a fachada, com a sua insígnia Dem Deutsche Wolk, Ao Povo Alemão. Destruído no final da guerra, foi reconstruído como um edifício ecológico, com um total reaproveitamento da luz e do calor solar. A sua nova cúpula, da autoria de Norman Foster, permite as melhores vistas da cidade.


A fachada recuperada do Reichtag


A moderna cúpula do Reichtag, vista por dentro...

... e por fora.

Junto à Porta de Brandenburgo, erguem-se várias embaixadas, americana, inglesa, francesa, e a grande embaixada russa, de fachada estalinista. Depois, ladeada pelas suas tílias (linden significa tílias), a avenida continua, mostrando os seus palácios, como o Opernpalais, o edifício da Ópera de Berlim, ou a Universidade Humboldt, onde estudaram muitos cientistas premiados com o Prémio Nobel, como Albert Einstein. 


A Universidade Humboldt 


Bebelplatz

A elegante Bebelplatz deveria ser o centro do Forum Fredericianum, um espaço de cultura, no entanto, é tristemente célebre pela queima de livros que ali aconteceu em 1933. Do outro lado da avenida, o belo edifício construído para albergar a Neue Wache, ou Nova Força de Vigilância, é hoje um memorial a todas as vítimas da violência perpetrada pelo Estado. No centro da sala, uma Pietá esculpida por Käthe Kollwitz recorda-nos esse sofrimento sem sentido.


A Neue Wache, hoje Memorial às Vítimas da Violência

A Pietá de Kollwitz no interior do Memorial

A grande estátua equestre de Frederico Guilherme domina a zona final da avenida. Daqui já se avista a sumptuosa catedral de Berlim e, logo a seguir, a ilha dos museus. 


A belíssima Catedral de Berlim

Entrada da Catedral

Em vez dos usuais santos, os reformadores da Igreja...

Confesso que me deixa espantada a visão de um rei que, no século XIX, decide consagrar à cultura e à arte uma parte distinta da cidade, uma quase ilha no rio Spree,  que cruza Berlim. É evidente que esta decisão não era ingénua, servia também para o engrandecimento da Prússia como centro de cultura e conhecimento, num momento em que a Europa explorava a cultura dos outros continentes, juntamente com as matérias-primas... Ali se construiu um conjunto notável de museus que deveria exibir o que de melhor a capacidade humana produziu e que ainda hoje nos fascina.

Na ilha dos Museus...

Ponte sobre o rio Spree

Esta Berlim imperial viu o seu fim no final da Primeira Guerra. E, após o Terceiro Império, ou Terceiro Reich, que não durou mil anos, nem mesmo cem, acabou destruída e dividida por potências militares ocupantes. A Igreja Memorial do Kaiser Guilherme foi também quase totalmente destruída e ali se ergue, como uma magnífica ruína, a fazer-nos lembrar a frase de Goethe, o mais famoso poeta alemão:“As nossas guerras modernas fazem muita gente infeliz enquanto duram e não fazem ninguém feliz quando acabam.”


Estátua memorial a Goethe, no Tiergarten


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