domingo, 17 de janeiro de 2016

Višegrad, uma ponte e um livro


A velha ponte sobre o rio Drina

Quando comecei a interessar-me pelos Balcãs, um amigo que conhecia bem a região ofereceu-me um livro e disse-me: "Se leres este livro, ficarás a compreender um pouco melhor os Balcãs". O livro era A Ponte sobre o Drina de Ivo Andrić. Li-o numas férias. Conta a história de uma ponte, mandada construir pelo vizir Mehmed Pasha Sokolović, no século XVI

A ponte vista do hotel

Eram tempos difíceis para a região: o Império Otomano dominava e exigia um tributo anual de sangue, rapazinhos de tenra idade que iriam ser criados na corte do sultão. O vizir foi um desses rapazinhos. A maioria tornaram-se soldados do exército otomano, mas ele chegou a grão-vizir e nunca esqueceu aquele rio, nem a personagem sinistra do barqueiro que fazia o transporte entre as duas margens.

As margens do rio Drina

O livro acompanha a ponte, desde a sua construção até às vésperas da 1.ª Guerra Mundial, já no século XX. Dito de outra forma, a ponte é a sua personagem principal. Ela liga as margens do rio, liga as populações, entreliga-se com as suas misérias e com as suas pequenas vitórias.

Turistas tiram selfies no meio da ponte

Ivo Andrić cruza lendas e contos tradicionais com peripécias verídicas. Através dele, vamos conhecendo as pessoas que passam a ponte e que vão fazendo crescer a cidade nas suas margens, Višegrad, sejam camponeses cristãos ou comerciantes turcos ou judeus. Perto da fronteira entre a Sérvia e a Bósnia, esta é uma zona de transição entre o ocidente e o oriente, entre o cristianismo e o Islão, e a ponte é o seu símbolo. As comunidades confrontam-se mas, nas horas de aflição, os seus líderes juntam esforços.

A entrada de Andrićgrad, recriando uma fortaleza turca

Assistimos à chegada dos austríacos e às primeiras lutas pela independência. Presenciamos casamentos e execuções. Sentamo-nos com os negociantes turcos que fumam os seus cachimbos no banco de pedra que marca o meio da ponte. Seguimos as suas histórias de amor e de violência. E, quando chegamos à última página do livro, é como se nos estivessemos a despedir de membros de uma família que fomos espreitando pelo buraco da fechadura e acompanhando durante gerações.

A rua principal de Andrićgrad

O autor deste livro, Ivo Andrić, foi um escritor notável e acarinhado na antiga Jugoslávia, tendo até ganho um Prémio Nobel da Literatura. A ascensão dos nacionalismos fê-lo cair em desgraça, conotado com o regime anterior mas, felizmente, a sua qualidade voltou a impô-lo como uma figura incontornável da literatura balcânica.

O cinema do novo complexo cultural

Junto à velha ponte sobre o rio Drina, ergue-se agora um complexo cultural e turístico que presta homenagem ao livro e ao seu autor. Chama-se Andrićgrad e foi projetado pelo conhecido realizador  sérvio Emir Kusturica. Talvez por isso, tem um ar cinematográfico e um pouco irreal! Mas é um espaço muito interessante, que tenta recriar os locais emblemáticos do livro e, ao fim e ao cabo, da própria cidade cujo crescimento o livro retrata.


Os espaços de bares e esplanadas recriam o velho bairro turco

Ainda não está terminada, mas a cidade de Andrić já inclui praças e ruas com bares, restaurantes, um cinema e uma igreja. Previa-se que durante este ano de 2016 abrisse uma sala de espetáculos e uma escola de artes. 

O espaço da nova escola de artes

O imperador Pedro II frente à Igreja Ortadoxa de Andrićgrad

O Hotel já lá está! Aí ficamos por uma noite, sentindo-nos parte da trama desta ponte sobre o rio Drina.

Estátua de homenagem a Ivo Andrić na praça central de Andrićgrad

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