Estas
palavras não são minhas, são de Leonardo Padura, um escritor cubano que eu sigo
e leio há muitos anos e que me familiarizou com os ambientes habaneros. Mesmo
assim, as leituras raramente nos preparam para a realidade.
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| José Martí, o herói da independência cubana, na Plaza 13 de marzo |
Chegámos a
Havana, ao aeroporto internacional José Martí, ao início da noite. Fomos
imediatamente transportados para o passado numa cápsula do tempo. Tudo em Cuba
parece ter parado nos anos 50.
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O antigo palácio do governo foi transformado no Museu da Revolução (agora em obras) |
Seguimos
para o centro da cidade num pequeno autocarro. À luz incerta da fraca
iluminação pública, comecei a ver ruas esburacadas, pequenos prédios decrépitos
e montes de lixo acumulado nas ruas. Pensei que estavamos a entrar em alguma
favela. Mas não. Depois percebi que estavamos a entrar no bairro de Centro
Habana. Aqui não há favelas, a pobreza está instalada no centro da cidade.
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| Um velho convento transformado em habitação comunal |
O nosso
hotel, o Hotel Inglaterra, localizado no Passeo del Prado, é um dos mais antigos e emblemáticos de Havana e os
espaços foram meticulosamente restaurados, o que não obsta a que os quartos
mostrem a falta de alguns confortos modernos a que já estamos habituados. Fica
no epicentro da animação da capital cubana, junto ao Capitólio e ao Teatro
Nacional de Havana (antigo Centro Cultural Galego).
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| O Paseo del Prado |
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| O Capitólio de Havana |
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| Centro Cultural Galego, hoje sede do Teatro Nacional |
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| Ao lado do Teatro Nacional, uma escultura homenageia a Dança |
Nas suas esplanadas há
sempre música e o dia da nossa chegada não foi exceção. Aí fomos recuperar da
longa viagem e tomar os primeiros mojitos. O vocalista da pequena banda cantava
antigos boleros com muita alma e uma voz suficientemente potente para
ultrapassar os sucessivos apagões elétricos que pontuaram a noite.
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| O interior do velho Hotel Inglaterra |
Cuba foi
colonizada no século XVI por espanhóis e franceses. O cultivo da cana de açúcar,
do tabaco e do café garantiu aos colonos uma grande prosperidade, baseada no
trabalho escravo. Depois da independência, a proximidade americana trouxe outro
tipo de prosperidade, baseada no lazer, na corrupção dos gangsters, nos
casinos. É a época de ouro da cultura cubana, os anos 50, que eles replicam
sempre, principalmente na música. As rumbas e mambos inundam as ruas,
transbordando das esplanadas e bares. Compay Segundo e Benny Moré são as
grandes referências. O grande espetáculo musical de Los Legendarios del Guajirito é uma
homenagem ao Buena Vista Social Clube e ao esplendor dos anos 50.
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| Homenagem ao Buena Vista Social Club |
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| Castillo de la Real Fuerza, uma das primeiras fortalezas |
A cidade de
Havana foi logo de início rodeada por fortalezas, destinadas a protegerem a
cidade de corsários e piratas. Do alto da fortaleza dos Três Reis do Morro,
avista-se a cidade no seu esplendor, a Pérola do Caribe, como era chamada.
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| La Habana, vista do Castillo de los Tres Reyes del Morro |
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| Junto à Fortaleza, o Cristo de Havana continua a abençoar a cidade |
A
grande avenida marginal com o seu paredão, o Malecón, delimita a cidade face ao
mar. Ao longo do Malécon, os belos edifícios, hotéis e palacetes, falam de uma
prosperidade já passada, mas a beleza continua lá.
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| A marginal do Malecón |
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| Velhos edifícios ao longo do Malecón |
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| O Castillo de los tres Reyes del Morro visto do Malecón |
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| A Primavera numa esquina do Malecón |
O centro
histórico da cidade, Habana Vieja como é chamada, foi declarado Património da
Humanidade em 1982. A UNESCO financiou e ajudou a restaurar esse conjunto de
praças e fortalezas que formou o núcleo da cidade colonial, junto à baía de
Havana. Inclui quatro belas praças, a praça da Catedral, a Plaza de Armas, a
Plaza de San Francisco de Asís e a Plaza Vieja. Hoje, essa zona da cidade mostra
igrejas, antigas casas coloniais, hotéis de charme e galerias de arte. É uma
zona elegante e belíssima, que convive bem com a atmosfera ruidosa dos
vendedores de rua. Em todo o lado há gente a tentar vender qualquer coisa,
desde fritos a fruta fresca ou a medicamentos que têm de ser comprados no
mercado negro, porque as farmácias estão vazias.
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| A velha catedral de Havana |
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| A praça da Catedral, com o Museu de Arte Colonial |
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| Praça de São Francisco de Assis |
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| Entrada de um dos edifícios da Plaza de Armas |
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| Rodeada de restaurantes, a Plaza Vieja |
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| Outra perspetiva da Plaza Vieja |
A cidade
velha é também das zonas mais populosas. Os velhos edifícios, com um alto pé
direito para fazer circular o ar, foram divididos e subdivididos em pequenos
cubículos, e foram criados andares intermédios, em madeira, de modo a acomodar
mais gente. Continuam a ser chamados de solares e aí, nos pátios
centrais, juntavam-se desde o início do século XX os seus habitantes, ocupando
os seus domingos a tocar e a cantar. Parece que aqui, nos pátios dos solares,
germinaram muitos dos ritmos que marcam a música cubana.
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| O interior de um solar |
Nas ruas
desta Habana Vieja, esburacadas e pejadas de gente, encontram-se muitos bares,
alguns celebrizados por pessoas como Ernest Heminway, que viveu em Havana
durante vários anos; é o caso da Bodeguita del Medio, ou do Bar La Floridita...
Também se encontram os chamados paladares que são restaurantes
informais, muitas vezes geridos de forma familiar. Há outros restaurantes,
certificados pelo turismo cubano e evidentemente mais caros...
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| O célebre bar La Floridita |
Abundam as
lojas. Há-as de três tipos. Existem as lojas formais, oficiais, com preços
subsidiados e às quais se acede com uma caderneta de racionamento. Vimos
várias, invariavelmente de prateleiras vazias. Depois, existem as lojas
informais, onde os pequenos produtores vêm vender os seus produtos, ou que
vendem águas e refrigerantes, ou outros produtos de pequeno valor. Por fim,
existem as lojas oficiais, bem recheadas de produtos, tanto de mercearia como
de higiene, mas onde só se pode comprar com dólares ou euros, o que obriga os
cubanos a uma verdadeira ginástica financeira para aí poderem aceder.
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| Loja do estado... de prateleiras vazias |
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| Pequeno mercado informal em Habana Vieja |
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Embaixada de Espanha: à porta, longas filas de pessoas tentam diariamente obter um visto ou uma declaração de nacionalidade |
Confuso? Não
para os habaneros, que aprenderam a gerir todas estas camadas. São
resilientes , compram, vendem, trabalham em tudo o que aparece, fazem biscates,
desenrascam-se! A prioridade é ir sobrevivendo e, se sobrar para uns mojitos,
melhor! Ouvir uns boleros, dançar umas rumbas! E sorrir, sempre! Talvez a alma
cubana também devesse ser património da humanidade...
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| Rumbas na esplanada do bar La Francesa |