segunda-feira, 29 de julho de 2019

São Jorge em Trafalgar Square




São Jorge no Castelo de Malbork, na Polónia

Este ano, quando visitava o Castelo de Malbork, no norte da Polónia, deparei-me com uma belíssima imagem de São Jorge, envolvido na sua eterna luta contra o dragão. É um santo omnipresente no universo cristão e recordei-me de várias outras ocasiões em que encontrei imagens semelhantes, desde a Catedral de Chartres à cidade de Belém, na Palestina, passando pelas igrejas de
Göreme, na Capadócia. Em Lisboa, S. Jorge preside ao castelo, tomado aos mouros pelo nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, em 1147.

São Jorge à entrada do Castelo, em Lisboa: sem dragão mas com lança

Quem é afinal este herói, protagonista de um mundo fantástico e, ao mesmo tempo, tão próximo?
A personagem tem origem num cidadão romano, nascido cerca de 280 na Capadócia, em Mitilene. Foi um militar brilhante e um tribuno respeitado, até ser apanhado nas malhas das perseguições aos cristãos decretadas pelo imperador Diocleciano, a partir de 303. Não tendo abjurado da sua fé cristã, Jorge foi submetido a torturas e morreu como um mártir. Foi sepultado na cidade de Lydda, hoje Lod, em Israel. Com o correr do tempo, o seu martírio foi sendo narrado e ampliado por todo o médio oriente e aparece recorrentemente na arte bizantina como um Santo Guerreiro.

São Jorge dominando o Dragão - Pintura a fresco  séc. XII / XIII
(Novgorod - Rússia)

A popularidade do Santo Guerreiro no Ocidente iniciou-se com a chegada dos Cruzados à Terra Santa, em finais do século XI. Os cavaleiros cristãos descobriram o sepulcro do santo, em Lydda, e escutaram as lendas que se tinham criado em torno da sua figura. No regresso à Europa, trouxeram essas histórias, tornando S. Jorge o modelo do cavaleiro cristão. O santo encarnava as virtudes dos cruzados que tinham posto a sua vida ao serviço da conquista da Terra Santa.
E assim a lenda vai crescendo, colocando a figura de S. Jorge como auxiliar dos exércitos cristãos que combatiam os infiéis, não só na Terra Santa, mas também na Península Ibérica.
É Jacopo da Varazze, bispo de Génova, na sua “Legenda Áurea”, quem descreve S. Jorge como o cavaleiro que mata um dragão, libertando uma princesa. Decorria o século XIII e a lenda de S. Jorge iria popularizar-se em toda a Europa.
Segundo a lenda, numa cidade da Líbia chamada Silca, havia “um lago tão grande que parecia um mar”, onde se ocultava um dragão “de descomunal tamanho”. O monstro aterrorizava os habitantes da região que, para o apaziguar, lhe ofereciam ovelhas. Quando elas se acabaram, começaram a oferecer ao dragão pessoas, escolhidas por sorteio. Assim, chegou a vez da filha do rei. Dirigia-se para o lago, resignada à sua sorte, quando apareceu um cavaleiro que atacou o dragão com a sua lança. Falou às gentes atemorizadas, dizendo: “Não tenhais medo! Deus trouxe-me a esta cidade para vos livrar deste monstro! Batizai-vos, crede em Cristo, e eu mato este dragão!” E assim aconteceu…

O Arcanjo S. Miguel luta com o dragão
(Abadia do Monte St. Michel - França)

O combate com o dragão fixa-se na iconografia do santo e surge-nos em pinturas e esculturas, desde a Europa Ocidental até ao Médio Oriente cristão. Terá sido influenciada pela figura do Arcanjo São Miguel? Ou de outras figuras da mitologia do Mediterrâneo oriental, como o deus egípcio Hórus, ou o semideus grego Perseu, que também lutam com monstros? Seja como for, a luta de S. Jorge contra o dragão fixou-se como a imagem da eterna luta do bem contra o mal, e a figura de S. Jorge firmou-se como o “soldado de Cristo”.
S. Jorge converteu-se em Santo Protetor de várias nações cristãs, como Aragão, ou Portugal, onde destronou Santiago e alegadamente ajudou os Portugueses na batalha de Aljubarrota. Em Inglaterra, o rei Eduardo III fundou em 1348 a Ordem da Jarreteira em honra de S. Jorge, tornando-o padroeiro de Inglaterra, e estabelece a data de 23 de abril como o dia da festa do Santo.

Feast of St. George - Trafalgar Square, Londres

Há dois anos, por razões profissionais, estava em Londres no dia 23 de abril e fui passear até Trafalgar Square, onde me deparei com as festas em honra de São Jorge.

Barraquinhas variadas

Uma multidão enchia a praça, havia música e muitas barraquinhas de comes e bebes. Pelo meio, havia pessoas mascaradas que, com o tradicional humor britânico, faziam referência às histórias do santo. Havia danças e jogos tradicionais. 

Mascaradas e música tradicional

Quem quer ser armado cavaleiro?

Brincando com o dragão

Não encontrei o São Jorge, devia andar por ali disfarçado! Mas quanto a dragões, havia muitos e as crianças faziam questão de se fazer fotografar dominando o dragão.

Uma foto com o dragão!


Assim as histórias se perpetuam. Cerca de dois milénios depois, as crianças londrinas continuam a enfrentar os seus dragões. Como cada um de nós!

sábado, 20 de julho de 2019

Torún, a cidade de Copérnico


O rio Vístula junto às muralhas de Torún

Lembrei-me de ir a Torún porque ficava mais ou menos a meio do caminho entre Gdansk e Varsóvia. Sabia que era uma pequena cidade, com o centro medieval ainda bem conservado, e pouco mais. Mas foi uma boa decisão.


A Câmara Municipal, na Praça Central de Torún

Torún foi fundada no século XII pelos Cavaleiros Teutónicos, dos quais ainda aí resta um castelo, embora em ruínas. A sua prosperidade deveu-se ao comércio, já que fazia a ligação entre Gdansk e outras cidades da Hansa Teutónica, por um lado, e as regiões do sul da Polónia, por outro lado. Um dos mais importantes produtos de comércio era a madeira, que era transportada pelo rio Vístula e por isso os barqueiros se tornaram tão numerosos na cidade.


As ruínas do castelo teutónico

Um deles tornou-se lendário por ter afastado da cidade, com a música do seu violino, uma praga de sapos, que o seguiram para fora da cidade enquanto tocava! Onde é que eu já ouvi uma história semelhante?... O barqueiro violinista é recordado em algumas estátuas pela cidade.


O barqueiro violinista

Mas o cidadão mais conhecido de Torún é, sem dúvida, Nicolau Copérnico. O célebre astrónomo que afirmou o sistema heliocêntrico nasceu nesta cidade, numa família de mercadores abastados. Fez a sua vida e os seus estudos noutras cidades, Cracóvia, Bolonha, Roma, e acabou por publicar a sua obra revolucionária em Worms. Mas não deixa de ser um filho da terra, o mais conhecido, e tudo nos lembra Copérnico. 


Estátua de Copérnico, no centro da cidade...


... e a casa onde nasceu, segundo se conta.

Temos a sua estátua, na praça central da cidade; a Igreja de São João, onde foi batizado; a Universidade tem o seu nome; e o seu sistema heliocêntrico recebe-nos logo à entrada da cidade. O Museu Copérnico estabeleceu-se na casa onde alegadamente nasceu. Dizem as más línguas que, quando Napoleão por ali passou com os seus exércitos, perguntou ao polaco que o guiava qual era a casa de Copérnico, e o guia apontou-lhe aquela, sem muita certeza. Será? Não será? E será mesmo importante saber se era aquela casa ou outra idêntica?


A entrada da Universidade Coperniciana

O Sistema Heliocêntrico: Sol Omnia Regit

Gostava de visitar o Museu Copérnico, que reconstitui uma casa de uma família da média burguesia polaca na época do nascimento do astrónomo, isto é, finais do século XV. Também exibe apresentações audiovisuais da história da cidade e da evolução da astronomia. Mas terá de ficar para outra ocasião. É sexta-feira santa e todos os museus estão fechados.


A Igreja de Santiago está ainda em reconstrução

O interior da Igreja

Passeámos pela cidade e pelo seu centro antigo, visitámos as belas igrejas em processo de recuperação, comemos duas maçãs por um zlóti à sombra da estátua de Copérnico, e não demos o nosso tempo por mal empregue.


Um boneco que descansava numa janela fez-nos as despedidas de Torún




sábado, 13 de julho de 2019

À procura de âmbar e relógios de sol em Gdansk


Gdansk, debruçada sobre o rio Vístula


Chegámos a Gdansk à tardinha e pouco mais fizemos do que procurar o hotel para pousar as malas, jantar e passear um pouco à beira do rio Vístula. O nosso hotel chama-se Fahrenheit, em homenagem ao grande cientista nascido na cidade. Descobrimos depois que o seu termómetro de mercúrio ainda está exposto na rua principal. Outro cientista famoso foi Hevelius, astrónomo e estudioso dos céus desconhecidos, recordado numa praça da cidade que descobrimos também a caminho do hotel.


Estátua do astrónomo Hevelius, na praça que lhe presta homenagem


Mas a hora era de jantar e descansar. Jantámos no Bowke Gdanski, que nos tinham recomendado: experimentei bacalhau fresco, que estava delicioso e, depois de uma tarte de maçã à maneira polaca, já não estava capaz de fazer mais experiências e descobertas!


Entrada do restaurante, junto ao rio


Gdansk surpreendeu-me pela sua beleza. Quando pensava em Gdansk, pensava em estaleiros e zonas industriais, provavelmente influenciada pela figura de Lech Walesa, marcante no meu imaginário de adolescente. Mas Gdansk é muito mais do que isso!


O Grande Moinho


A cidade de Gdansk (ou Dantzig, durante muita da sua história) fazia parte da Hansa medieval do Mar Báltico, a Liga das Cidades Hanseáticas. Isso significa que, aqui, era o comércio que imperava. E isso é visível na cidade, que se desenvolveu junto à foz do rio Vístula. Nas duas margens do rio, cresceram os armazéns e casas ligadas ao comércio e transporte de mercadorias. Uma linha de fortificações protegia a zona portuária; dessa fortificação restam algumas torres, como a elegante Torre do Cisne, e alguns arcos de entrada na cidade.


A Torre do Cisne, na marginal pedonal que ladeia o rio

Porta de Santa Maria


Junto ao rio, pode ainda ver-se a grande Grua, ou guindaste, com que se retiravam os produtos dos barcos. Duas enormes rodas, ativadas por homens que caminhavam no seu interior, faziam mover o guindaste que transportava as mercadorias. Esta Grua é hoje o símbolo de Gdansk e, acima de tudo, uma demonstração viva da tecnologia tardo-medieval.


A estrutura da Grande Grua

Há várias portas de entrada na cidade, que levam a ruas residenciais, ladeadas pelas casas dos mercadores ou dos notáveis da cidade. Apresentam as características escadas para a rua, ornamentadas com corrimões, varandins de pedra esculpidos, gárgulas para escoamento da água da chuva.


Rua Mariacka

Os topos das casas estreitas são profusamente ornamentados e bem pontiagudos, à maneira nórdica. Lembram outras casas de mercadores da Liga Hanseática, numa linha que une as cidades do litoral do mar Báltico. Os edifícios que rodeiam a rua principal, a são extraordinários, cobertos de pinturas e esculturas e culminados pelos seus topos ricamente trabalhados.


Fonte de Neptuno na rua principal, a ulica Długa


Lado da ulica Długa que dá para o rio


Os prédios ricamente pintados não se medem aos palmos

Ainda não falei dos relógios de sol e outros relógios importantes da cidade. Há vários relógios de sol, todos muito bonitos, instalados em vários edifícios. Por vezes, coexistem com os relógios mecânicos, para os corrigir ou confirmar; no início da sua utilização, os relógios mecânicos pareciam menos fiáveis… É o caso dos relógios da Câmara Municipal.


Relógio de Sol na Basílica de Santa Maria

O relógio de sol e o relógio mecânico da Câmara Municipal

O relógio mais extraordinário é o da Basílica de Santa Maria. Data do século XV e está dividido em três partes. Na parte de baixo, vê-se um calendário perpétuo, ladeado por quatro figuras com instrumentos musicais e tendo no centro uma imagem de Nossa Senhora com o menino. Na parte central está o relógio propriamente dito, circundado pelos signos do Zodíaco. A parte de cima é composta por um teatro. Todos os dias, ao meio-dia, a música começa a tocar, abrem-se as portas e surgem os quatro evangelistas e depois os doze apóstolos. Então, Adão e Eva, no topo da instalação, como hoje se chamaria, tocam as doze badaladas. Os evangelistas e os apóstolos recolhem-se. O diabo tenta segui-los, mas fica à porta!


O belo relógio teatro da Basílica de Santa Maria...

... com o calendário perpétuo

Este é dos primeiros relógios com teatro que é feito na Europa. Reza a lenda que os habitantes de Gdansk estavam tão orgulhosos do seu relógio que, quando souberam que o seu construtor tinha sido contratado para construir outro, numa outra cidade da Europa, decidiram tirar-lhe os olhos, para impossibilitar o trabalho. Mas tiveram pouca sorte: o relógio avariou-se e só o seu construtor o poderia consertar! Ainda o chamaram mas o pobre homem não conseguiu fazê-lo. Só no ano passado, em 2018, o relógio foi enfim consertado e, hoje, temos a sorte de poder assistir à representação.
Há muitas outras lendas em Gdansk, como a do Beco dos Beijos, ligada à história de amor de um monge com a filha de um mercador, que, segundo se conta, ali se encontravam às escondidas para namorar. Também lá fomos espreitar…

Galeria de Arte instalada no antigo Grande Arsenal


Umas palavras ainda para o âmbar, o ouro do Báltico, que se vende por todo o lado. Há muitos milénios, havia nesta região florestas tropicais e aqui se concentra oitenta por cento das reservas mundiais dessa resina fossilizada, aquilo a que chamamos âmbar. Por isso há quem chame a Gdansk a cidade dourada. Há um Museu do Âmbar. Também há expositores nas ruas, pertencentes às lojas, e eu andei a namorar umas peças… Mas atrasei-me e, quando voltei às ruas centrais para fazer compras, já estavam a fechar os expositores. Às seis horas da tarde, fecha tudo! Começa a estar frio e as pessoas recolhem-se em casa. Fizemos o mesmo. Lá terei de deixar as compras para depois!

Numa rua de Gdansk...