segunda-feira, 25 de abril de 2022

Estrasburgo, capital da Europa

 

A encantadora Strasbourg

Quando pensamos em Estrasburgo, possivelmente pensamos no Conselho da Europa, ou no Parlamento Europeu. Estrasburgo é muito mais do que isso, mas essa posição de capital da Europa assenta-lhe às mil maravilhas.

Provavelmente, a Alsácia é das regiões da Europa com uma história e uma cultura mais "mestiçada". Fundada pelos romanos como um acampamento militar, é com o estabelecimento das tribos germânicas que inundam o império que a cidade se desenvolve e evolui. Foi integrada no Sacro Império Romano Germânico, depois conquistada por Luis XIV, até passar para as mãos prussianas no século XIX. Depois, é o que sabemos: outra vez francesa depois da 1.ª Guerra Mundial, outra vez alemã durante a 2.ª Guerra Mundial... A cada alteração de nacionalidade, têm de se mudar a língua, a escola, a forma de organização, os divertimentos, até o nome! No fim do percurso, resta uma cidade francesa com tradições germânicas.

Gutenberg, na sua praça

Belas casas ao longo dos canais

Ainda hoje, estas múltiplas heranças são visíveis. Por exemplo, em todo o centro histórico as ruas e praças têm um nome em francês e outro em alemão. Não admira que o canal de televisão franco-alemão ARTE aqui tenha a sua sede. Os estrasburgueses são naturalmente bilingues. 

Toponímia em duas línguas...

Estas transições não se fizeram sem tensões e resistências. Um bom exemplo é Hansi, um desenhador e ilustrador, adepto nostálgico da cultura francesa no início do século XX. Nas suas obras infantis, criou um imaginário baseado nas tradições francesas, do vestuário à gastronomia. Os seus desenhos construiram a imagem de uma Alsácia já inexistente, e perduram até hoje. Preso e tratado como um traidor pelos alemães, Hansi reviveu como um herói da resistência francesa. Hoje, as suas figuras e desenhos aparecem em pacotes de bolachas e latas de souvenirs. Em Colmar, a sua cidade natal, tem um pequeno museu, que recria os cenários bucólicos da sua obra.

Cartaz na entrada do Museu Hansi

A cidade cresceu na margem do rio Reno, a eterna fronteira entre o espaço germânico e o latino, e do seu afluente, o rio Ill. A água é omnipresente. Os canais cruzam a cidade antiga, deixando entrever bonitos recantos, onde as casas de enxaimel bordejam os canais. 


Canais e recantos

Uma casa entre canais

As casas de enxaimel bordejam os canais

O espaço é cruzado por inúmeras pontes, algumas das quais têm eclusas que ainda hoje abrem e fecham para a passagem dos barcos. 

Pontes e eclusas...



As antigas fortificações foram sofrendo acrescentos e destruições, conforme a evolução histórica. Restam algumas torres, ainda imponentes, junto das Pontes Cobertas e da Barragem Vauban, mandada erguer por Luis XIV para garantir a defesa da cidade, como um bloqueio do canal de navegação.

As torres que restam das velhas fortificações

A barragem Vauban

A zona mais interessante e pitoresca é a Petite France, antigamente um conjunto de casas e ruas pobres e mal afamadas, que bordejam o canal de navegação do Ill. Aí se situavam armazéns de cereais e de bebidas, mas também habitações pobres, de estrutura em madeira, que hoje, restauradas, fazem as delícias dos turistas.

A entrada na Petite France

O velho armazém de cereais

A origem do nome "Petite France" é pitoresca. Aparentemente, advém da criação naquele local de um hospital para acolher os soldados do rei de França que tinham cercado Nápoles e daí tinham trazido uma nova doença chamada "sífilis", a apartir daí  apelidada de "mal dos franceses". O nome foi ficando e o local do hospital já se chamava Petite France no século XVII.

O antigo hospital, agora transformado num restaurante

No centro histórico de Estrasburgo, todas as ruas e todos os olhares confluem para a catedral de Notre-Dame-de-Strasburg. A obra de construção iniciou-se em 1015 e há ainda traços dessa igreja românica, particularmente no altar-mor. Depois de um incêndio, a construção é retomada, agora já no estilo gótico. Quando a sua única torre é completada, já no século XV, os seus vertiginosos 142 metros transformam a catedral no edifício mais alto do mundo, durante quatro séculos!

A catedral de Strasbourg, difícil de fotografar por entre as ruas estreitas



Mas é no interior que se escondem os mais belos tesouros, como o púlpito do século XV ou as magníficas tapeçarias do século XVII. O orgão data do século XIV. Quando visitei a catedral, um enorme presépio ocupava toda a nave do lado direito. Havia tantos pormenores a atrair os nossos olhares que se torna difícil uma reportagem...


O púlpito... as tapeçarias...

Todos os dias, às 12h 30m, uma pequena multidão aglomera-se ao fundo da igreja, do lado direito, para assistir ao espetáculo dos autómatos no grande relógio astronómico, que encenam a passagem dos estádios da vida, frente à imagem da morte. É interessante, é claro, mas confesso que o meu olhar se deixou atrair e encantar pelo Pilar dos Anjos, construído em frente ao relógio astronómico. Uma pequena maravilha!

O relógio astronómico da catedral

O Pilar dos Anjos

A história da catedral é atribulada; não podia ser de outra forma, assitiu a dez séculos de conflitos e mudanças do seu lugar privilegiado, no centro da Europa. A minha história preferida remonta à Revolução Francesa: condenada à demolição pelos chefes revolucionários, foi salva pela ideia, no mínimo original, de coroar o pináculoda torre com um enorme barrete frígio. Assim, o símbolo revolucionário salvou a catedral da destruição.

O guardião da catedral?

Como todas as cidades antigas, Estrasburgo é para percorrer a pé, explorar os recantos, sentar numa esplanada junto ao rio, ou saborear os pratos típicos alsacianos num dos velhos restaurantes do centro, repletos de cartazes e desenhos que nos fazem revisitar a história da região.

O restaurante Au Vieux Strasbourg

Todavia, a rede de canais convida a um passeio de barco. Partem a todas as horas do cais, junto da catedral, ou das Pontes Cobertas. É um belo passeio, que percorre a zona histórica, antiga, passando pelas pequenas eclusas dos canais. Passa também pela imponente Strasburg alemã dos finais do século XIX, cheia de edifícios que pretendiam ser uma montra da grandeza prussiana. Um dos edifícios mais interessantes da época de domínio prussiano, embora não seja visível do barco, é a estação de caminhos de ferro. Tem uma fachada clássica e sisuda, suavizada por uma instalação recente, em vidro, construída para preservar o conjunto e que lhe confere um ar um pouco irreal, de bola de sabão.

A estação ferroviária de Estrasburgo

O barco termina o passeio na nova zona europeia, onde se situam as instituições da União Europeia, como o Parlamento Europeu. Nada mais apropriado para tentar compreender o percurso e o espírito desta cidade, para o bem e para o mal situada no coração da Europa.

As instituições europeias, vistas do barco