terça-feira, 26 de novembro de 2019

BRENOIRE 2017 - I


Sardinheiras numa rua de Burgos

Parece um nome de código, mas não é. Bre de Bretanha, No de Normandia, Oire de Vale do Loire, foi o nome que construímos para uma viagem especial, que juntava os três destinos num percurso de mota por terras de França. Há já muito tempo que tinha o desejo de conhecer aquelas regiões de França, distantes dos grandes centros, mas cheias de histórias e recantos pitorescos.
Durante quinze dias, atravessámos Espanha e rolamos por França, segundo um percurso previamente traçado e estudado. Foram 5 000 quilómetros de visitas programadas a par de descobertas totalmente inesperadas. Do todo, ficaram algumas crónicas e muita vontade de regressar a alguns daqueles lugares.


A Casa dos Condestáveis de Castela

Tetines e Danzantes - Os meninos dançarinos da tradição burgalesa,
numa escultura de Teodoro Ruiz, de 2006


A Plaza Mayor, com as torres da Catedral em fundo

Como sempre, atravessámos Espanha rapidamente, com uma paragem para pernoitar em Burgos. Ficámos a conhecer o Cid, El Campeador, assim como toda a família e amigos, que ladeiam, em grandes estátuas, a ponte sobre o rio Arlanzon, que atravessa a cidade.


Cid, El Campeador

Outra perspetiva da Plaza Mayor de Burgos

Passámos o País Basco e chegámos a França com uma chuvinha miúda, mas Bordéus já nos recebeu com uns restos de sol.



O rio Loire, em Bordéus


Uma das portas de entrada na cidade

Gosto muito de Bordéus. É, provavelmente, a cidade mais importante da costa atlântica francesa. Toda a zona central nos lembra os tempos de grande prosperidade, nos séculos XVII e XVIII, quando Bordéus liderava o tráfico atlântico e os seus armazéns abarrotavam de mercadorias africanas e das Américas. Bordéus sempre me fez lembrar Lisboa, com a sua grande praça aberta sobre o rio. Entre a praça da Bolsa e o rio, um enorme espaço encheu-se de pequenos jorros de água, onde brincam miúdos e graúdos. Que bela ideia! Adoça o calor e cria um ambiente quase irreal.


A Praça da Bolsa de dia...

... e de noite.

Saímos de Bordéus pela região das vinhas, percorrendo estradas mais do que secundárias, que nos levaram, entre vinhedos e casas senhoriais, até Le Verdon-sur-mer.


Vinhas e Chateaux

À espera do ferry, em Le Verdon-sur-Mer

A nossa ideia era apanhar o ferry para Royan e ir almoçar a La Rochelle, onde una amigos nos esperavam. O ferry estava cheio, mas as motas lá arranjaram um lugarzinho… Mais uma vantagem do motociclismo!
La Rochelle também é uma cidade muito interessante, com as duas grandes torres que fechavam com uma enorme corrente a entrada do porto.


As duas torres que fecham o porto de La Rochelle

Malabaristas nas portas da cidade
Por ali passámos algum tempo mas havia que partir novamente para norte, na direção de Nantes, onde tínhamos hotel marcado. Aí se iria iniciar a nossa descoberta da Bretanha. Já aqui escrevi sobre a Bretanha, sobre a sua natureza agreste e as suas gentes. É uma região a que pretendo seguramente voltar.


Um restaurante em Vannes

A nossa mota descansa junto a um turismo de habitação, na Bretanha

Foi na Bretanha que sucedeu o único percalço motociclístico da nossa viagem. O nosso companheiro de viagem teve um problema na roda de trás da mota: partiu-se um pipo ou válvula, ou algo assim (a mecânica não é o meu forte!) e ficámos com um dia perdido. Foi uma grande sorte tudo se ter resolvido num dia! Tínhamos previsto uma paragem de duas noites em Dol de Bretagne, por isso não tivemos de anular nenhuma etapa.
Entretanto, enquanto os rapazes andavam de um lado para o outro a tentar resolver o problema da mota, as meninas tiveram um dia inteiro para explorar Dol de Bretagne, uma pequena cidade encantadora com uma das maiores catedrais góticas de França. Ah! O norte de França, berço do gótico, com as suas catedrais repletas de vitrais e esculturas (a Bíblia dos pobres, como alguém lhes chamou), testemunhos de uma religiosidade e de um esforço coletivo que hoje já temos dificuldade em compreender!


A caminho da Catedral de Dol de Bretagne

O Museu dos Construtores de Catedrais, em Dol de Bretagne

Havia também uma exposição sobre os construtores de catedrais que, ao contrário do costume, tive tempo de explorar à minha vontade.
E, à tardinha, já estávamos de novo em cima da mota, a caminho do Mont Saint-Michel.


O Monte Saint-Michel

O Mont Saint-Michel… Ergue-se da planura dos campos regularmente inundados pelas marés como uma visão. A pequena colina, rodeada de muralhas, cheia de casas que se equilibram nas encostas, ladeando ruas estreitas e sinuosas, é coroada por uma enorme abadia, bela e imponente. O conjunto abacial é composto por várias igrejas, torres, corredores, terraços, que se sucedem numa organização um pouco confusa. Trepamos até ao topo da abadia a tempo de ver o pôr-do-sol sobre a planura.


As pequenas ruas que sobem a colina

No cimo, a grande igreja abacial

O pôr do sol sobre a planura

À noite, iluminada, a abadia não perde em beleza, antes ganha um ar misterioso e encantatório. O Mont Saint-Michel deve ser um dos monumentos franceses mais conhecidos e reproduzidos. Mas não desilude, nem um bocadinho!...


Uma instalação visual e sonora aumentava o encanto da abadia...



Na prática, o Mont Saint-Michel marca a fronteira entre a Bretanha e a Normandia. O nosso objetivo era explorar as praias do Desembarque e os outros locais ligados à história do Dia D, o início da libertação da Europa do domínio nazi. Para quem gostar do tema, há inúmeros pontos de paragem interessantes, entre memoriais, museus e os próprios locais onde aqueles eventos, trágicos e heróicos, ocorreram. Também já aqui escrevi sobre o que descobrimos na região.


A Normandia é um grande museu a céu aberto do Desembarque Aliado

O terceiro ponto alto da nossa viagem seria a região do Loire, com os seus emblemáticos castelos. Começamos então a descer em direção ao centro de França. Passámos bem perto de Paris mas, como sempre nestas viagens, evitámos as grandes cidades. Essas são para descobrir a pé, com calma, num contexto diferente. Fomos diretos a Chartres, atraídos pela sua famosa catedral. Caía uma chuvinha miúda e persistente, aborrecida para quem se desloca de mota, mas a visita compensou a molha.


A entrada da catedral de Chartres

O altar-mor da catedral


A Catedral de Chartres é muito especial. Construída num local onde já se praticava um culto ligado aos druidas, recebe no século IX uma relíquia excecional, conhecida como a “camisa” ou “túnica” da Virgem Maria. A posse desta relíquia atrai multidões e a igreja vai sofrer aumentos e reconstruções até ao século XVI. 


Aqui está a túnica da Virgem

Hoje, a catedral é famosa, principalmente, por três fatores: os seus magníficos vitrais, que cobrem uma superfície de 5000 metros quadrados; a sua estatuária, com cerca de 4000 imagens de todos os tamanhos (e lembro em especial as maravilhosas imagens da Paixão de Cristo); e a excelente acústica do lugar, devida ao lençol freático existente mais de trinta metros abaixo da Catedral!


Uma (pequena...) parte da Paixão de Cristo
 (Continua...)