terça-feira, 29 de novembro de 2022

Os mercados de Natal da Alsácia

 

Carrossel do mercado de Natal de Estrasburgo

Os mercados de Natal são essencialmente uma tradição germânica, muito presente no norte da Europa. Em épocas de frio e escuridão, apetecia trazer luz e calor. As tradições pagãs já organizavam celebrações e festas das luzes por altura do solstício de inverno, quando se aproximavam os dias mais frios e escuros, em que a noite se apropriava do calendário. As velas e bolas coloridas, o vinho quente com especiarias, as músicas cantadas em conjunto, aproximavam as pessoas e ajudavam-nas a entrar no inverno que estava à porta.


O Mercado de Natal em Colmar

Rua decorada em Estrasburgo

O Cristianismo adotou alegremente estes festejos, como muitos outros, temperando-os com anjos e presépios. Mas hoje, a sociedade laicizada afastou-se outra vez desses símbolos e encontramos nos festejos natalícios mais pinheiros do que presépios, mais duendes do que anjos, mais bolas coloridas do que estrelas.


A árvore de Natal de Estrasburgo

Ursos, bolas e neve...

A Alsácia é atualmente uma região da França mas, como já referi noutro post, passou séculos a mudar de mãos e conjuga bem a cultura latina com a cultura germânica. Nos mercados natalícios germânicos que já visitei, na Alemanha e na Suécia, o espaço está circunscrito a uma praça, umas ruas adjacentes; as barraquinhas encostam-se umas às outras, exibindo os doces e as figurinhas tradicionais, come-se, bebe-se glühwein, patina-se, canta-se.


Pinheiros decorados num passeio de Estrasburgo

Os mercados de Natal alsacianos são deslumbrantes. Os símbolos e as decorações de Natal extravasam das pracinhas onde as barracas continuam a vender estrelas, bolas coloridas e vinho quente. Inundam as outras ruas, trepam pelos prédios de habitação, saltam para os passeios, descem pelos cais, espreitam em todos os recantos. Será o espírito do sul, excessivo e barroco, a abraçar e tomar conta das tradições germânicas?


Lojas com decorações natalícias



Estrasburgo é a capital da Alsácia e do Natal alsaciano. À volta da velha catedral, o mercado organiza-se em pequenas ruas, junto a uma enorme árvore de Natal. Mas as decorações espalham-se por todas as lojas e restaurantes, tão exuberantes que me fazem temer pela segurança das fachadas...


As decorações trepam pelas frontarias dos prédios e lojas



Para sul de Estrasburgo, o Natal toma conta das aldeias. Uma das mais bonitas e tradicionais é Riquewhir. Não há casa que não exiba as suas decorações natalícias. Vendem-se produtos tradicionais. Vale a pena parar nos pequenos mercados, para apreciar e comprar os enchidos, patés e doces regionais. 

Das casas de habitação aos edifícios históricos, tudo está enfeitado


Entrada de um mercado de produtos tradicionais

Aqui, há muitas figurinhas de histórias infantis tradicionais, que estimulam a nossa memória e a nossa imaginação. Tudo é mimoso. E, já que as pessoas são responsáveis pelo espaço de terra ou passeio frente às suas casas, os pinheiros de Natal, profusamente decorados, saltam para as estradas e acompanham-nos, já fora da própria aldeia.

Enfim, um presépio...

...e outras figuras de histórias infantis

Mas a estrela do Natal alsaciano é, sem dúvida, Colmar. É sempre bonita, com certeza, mas nesta altura veste-se a preceito. 

Os símbolos de Colmar

As ruas e praças estão engalanadas. As margens dos canais exibem as decorações costumeiras mas também projeções video que trazem as imagens dos pinheiros e da neve das paragens mais a norte. Por todo o lado, ouvimos músicas de Natal e sentimos o cheiro dos fritos e do vinho com especiarias. Toda a cidade é um chamariz turístico natalício.

A fachada do Museu Hansi

Restaurante junto ao canal... não sei se é bom, mas apetece mesmo ali sentar...

Tenho vontade de voltar à Alsácia noutra altura do ano, talvez na primavera. Sentar-me nas mesmas praças, caminhar pelas mesmas ruas, bordejar os mesmos canais. Haverá com certeza menos luzes coloridas, mas o sol tornará ainda mais bonitas as velhas casas de enxaimel. Em vez de um copo de Glühwein, uma taça de Riesling, bem fresco. Parece-me um bom plano.


As casas de enxaimel junto ao canal


sábado, 12 de novembro de 2022

Castelos no reino da Dinamarca

 

O castelo de Frederiksborg

Talvez não seja a imagem mais imediata que nos vem à cabeça quando pensamos na Dinamarca, mas a verdade é que aí existem belos castelos, que em nada ficam atrás dos de outras regiões da Europa.

Crianças brincam na maquete do Castelo de Kronborg

Desde logo, na própria capital, Copenhaga, como já referi noutro post. Mas também fora dela... Tinhamos selecionado três: Kronborg, em Helsingor, Frederiksborg, em Hillerød, e Egeskow, na ilha de Fyn. E cada um teve a sua história!...

Entrada no Castelo de Kronborg

O Castelo de Kronborg localiza-se na ponta nordeste da Zelândia, no local onde o Estreito de Øresund é mais reduzido. Aí, apenas quatro quilómetros separam a Dinamarca da Suécia, do outro lado daquele braço de mar a que chamam Øresund. De cada margem avista-se claramente a margem oposta. E como duas irmãs gémeas separadas pelo estreito, a cidade sueca de Helsingborg olha a cidade dinamarquesa de Helsingor. Não foi por acaso que o rei Erik da Pomerânia mandou construir o castelo de Kronborg naquele local, dominando o estreito. Dali, podia defender-se de uma hipotética invasão sueca e, de caminho, controlava o movimento comercial no estreito. 

Fatos de cerimónia do rei Erik e da rainha Filipa

No castelo de Kronborg, visitamos o escritório real. Das janelas avista-se todo o estreito e eu imagino o rei, de mãos atrás das costas, olhando o mar e fazendo as contas aos direitos que iria cobrar a todos os barcos que ali passavam, no seu percurso entre o Mar do Norte e o Mar Báltico.

O Castelo à beira do estreito


O ferry boat liga as duas cidades 

Hoje em dia, um ferryboat liga as duas cidades a cada meia hora. E é assim, na proa do ferry, que nos aproximamos de Helsingor e do seu castelo. É um belo castelo, quadrangular, com torres elegantes nos cantos. Rodeado por um fosso, podem-se visitar várias salas como a grande sala de banquetes e receções, ainda hoje esporadicamente utilizada pela rainha para receber convidados especiais. O pátio central é muito bonito e a pequena igreja com decorações de madeira policromada merece também uma visita.

A elegante torre do pátio interior

A decoração em madeira policromada dos bancos da capela real

Foi Shakespeare quem fez a notoriedade do castelo de Helsingor. Nunca aqui esteve, que se saiba, mas ao situar neste local a ação de Hamlet deu-lhe uma fama imorredoira. O poeta inglês chamou-lhe Elsinore, mas é este o castelo onde o jovem príncipe discorre sobre as motivações humanas e fala com o fantasma do seu pai assassinado. E esta poderosa referência está por todo o lado. O ferryboat chama-se Hamlet. Há hotéis e restaurantes com o seu nome. E todos os anos se exibe esta peça teatral no pátio do castelo. Acho fascinante a forma como, por vezes, a literatura toma posse dos lugares e ultrapassa a própria história!

O nosso ferryboat chama-se Hamlet

Nas masmorras do castelo, no entanto, o espírito dinamarquês vela, na figura de um velho chefe viking! De braços cruzados sobre a espada e o escudo, o Holder Danske continua atento. E dizem que, se a Dinamarca estiver em perigo, o velho guerreiro se erguerá e voltará a lutar.

Holder Danske

Uns quarenta quilómetros para sul, em Hillerød, ergue-se outro castelo lindíssimo e especial: Frederiksborg. É ainda hoje o maior castelo da Escandinávia. Foi construído sobre três ilhotas pelo rei Cristiano IV, no século XVII, para realçar o seu poder entre os soberanos da Europa da época. Em 1859, sofreu um incêndio devastador, que levou a família real a instalar-se definitivamente em Copenhaga.

O belo Castelo de Frederiksborg



É aí que a história deste castelo se torna verdadeiramente original. Em 1878, foi adquirido pelo mestre cervejeiro J. C. Jacobsen, fundador da Carlsberg, e totalmente reconstruído, restaurado e transformado no Museu de História Nacional da Dinamarca. A Fundação Carlsberg gere o Museu e garante o seu funcionamento.

Os jardins que rodeiam o castelo

O pátio interior de Frederiksborg

Algumas salas são magníficas, como a Sala de Audiências ou a Grande Sala que recria o ambiente do palácio no tempo de Cristiano IV. Mas a pérola do palácio é a Capela Real. É um dos poucos espaços do palácio que escapou ao fogo e ergue-se, no seu esplendor barroco, atraindo o nosso olhar para mil pormenores decorativos. A visita a esta Capela Real  justifica a visita ao Palácio, se não houvesse outras razões.

A Capela Real

Pormenor do orgão da Capela Real

Mas essas outras razões existem. O Palácio possui a mais importante coleção de retratos e pinturas históricas da Dinamarca. Recria também o vestuário e outros aspetos da vida de todos os soberanos do país, desde o rei Haroldo Dente Azul. E os pormenores decorativos, numa parede, no teto, atraem a nossa atenção a cada passo. Saímos de Frederiksborg com o olhar pleno e inebriado, cumprindo o objetivo de um palácio barroco de nos preencher os sentidos!...

Pormenores decorativos dos tetos das salas do castelo




O terceiro castelo que estava nos nossos planos era o Castelo de Egeskow, uns trinta quilómetros a sul de Odense, na Ilha de Fyn. Construído no meio de um lago que se transformou no fosso do castelo, é um dos palácios renascentistas mais bem preservados no norte da Europa. Merecia uma visita! Mas o nosso “TomTom”, o sistema de orientação onde tinhamos definido as nossas rotas, não foi da mesma opinião! Por razões que não conseguimos perceber, desorientou-se completamente e levou-nos a rodar em círculos, por pequenos caminhos rurais, durante horas! Quando finalmente chegámos ao parque de estacionamento do castelo, corremos para a entrada mesmo a tempo de ver os grandes portões de acesso cerrarem-se à nossa frente!

No centro histórico de Odense, há casinhas que parecem saídas de contos de encantar...

Engolimos em seco e tentamos esquecer a frustração. Odense é a terra natal de Hans Christian Andersen e talvez a sua magia nos consiga confortar!

A casa onde nasceu Hans Christian Andersen

A propósito: encontrámos em Helsingor o par da Pequena Sereia. Chama-se Han, que significa ele em dinamarquês, e contempla o mar na mesma posição da sereiazinha, a partir de uma doca no velho porto de Helsingor. Foi aí colocado em 2012, no centenário da sua congénere de Copenhaga.


Han

Mas Han não é feito de bronze, é feito de uma liga de metais polidos. Reflete o mar enquanto o contempla. E também nos reflete a nós, que assim nos fundimos com a sua meditação contemplativa. 

sábado, 22 de outubro de 2022

Roskilde – A herança Viking

 

Um barco viking em Roskilde


A pequena cidade de Roskilde, aninhada no fundo do fiorde com o mesmo nome, foi a primeira capital da Dinamarca. Era o tempo dos reinos vikings, há mais de mil anos, e, se há lugar onde essa herança viking esteja presente e seja celebrada, é em Roskilde.

Na praça principal, junto à catedral

Foi nesse local que se instalou o rei Haroldo Dente Azul, ou Haroldo I, celebrado como o unificador da Dinamarca e da Suécia. Sim, não é por acaso que a tecnologia Bluetooth tem esse nome!

O porto velho, no fundo do fiorde de Roskilde

Chegámos a Roskilde a meio da tarde e dirigimo-nos logo para o Museu Viking, com receio de que fechasse as portas e já não conseguissemos entrar. É um museu único, construído à volta de um conjunto de cinco barcos do século X que foram descobertos à entrada do fiorde e recuperados. A história é interessante: no século X, Roskilde foi ameaçada por barcos noruegueses, que se dirigiam para a cidade. Os cinco barcos foram propositadamente afundados à entrada do fiorde para impedir o ataque dos noruegueses. Parece que o estratagema funcionou, mas os barcos lá ficaram até ao século XX.

Barcos vikings recuperados do fiorde

Hoje, esses longos barcos vikingues servem de pretexto ao Museu. Além dos barcos, com o seu típico perfil alongado e alta proa, o museu inclui exposições sobre vários aspetos da civilização viking, desde a sua alimentação e vestuário até à sua conversão ao cristianismo e gradual normalização das relações com os seus vizinhos cristãos.

Um dos barcos reconstituídos

O museu desvenda um pouco do mundo viking

A animação continua fora do museu. Há um espaço para jogos e atividades da época viking, dirigido aos mais pequenos. Podemos aprender sobre as técnicas de construção e até navegar a sério num barco viking. O anúncio afirma que se destina a todos os que têm nem que seja apenas uma gota de sangue viking nas veias! Eu acho que não tenho, mas também me encantou!

A zona dos jogos

Nem só de História vive o Homem e Roskilde tem também propostas mais prosaicas e atuais. Se estiver bom tempo, os motociclistas da região reunem-se junto ao porto velho todas as quintas-feira. Também lá fomos, pois claro!... E descobrimos aí um restaurante com uma bela esplanada, onde experimentámos o peixe da região. E comemos como uns verdadeiros vikings...

A concentração de motas de Roskilde

Foi também Haroldo o primeiro rei dinamarquês a converter-se ao cristianismo e a construir uma igreja, depois substituída pela imponente catedral, panteão da monarquia dinamarquesa até aos dias de hoje. As crónicas da época afirmam que Haroldo foi sepultado nessa igreja, construída em madeira. Mas nada sobrou dessa igreja original, substituída por uma igreja em pedra no século XI e depois, já no século XII, pela bela catedral que hoje vemos, influenciada pelo gótico francês mas construída em tijolo. Dizem que o rei Haroldo ainda por lá está, dentro de uma das colunas da nave central. Será?

As elegantes torres da catedral de Roskilde

Quanto ao rei Haroldo não podemos garantir mas, entre a nave principal e as capelas laterais, encontramos os sarcófagos e monumentos sepulcrais de vinte e dois reis e rainhas da Dinamarca, numa linha quase ininterrupta desde o século X até ao século XX. São acompanhados por inúmeros outros sarcófagos, de familiares, membros da nobreza, altos funcionários.

A capela funerária de Cristiano IV

Destaca-se o sarcófago da Rainha Margarete, a rainha que uniu a Escandinávia no século XIV, chamada a Rainha do Norte.

O sarcófago da rainha Margarete

Algumas capelas mortuárias são magníficas, com túmulos grandiosos e uma decoração esmerada. Outras são mais simples, respondendo a um gosto mais contido e introspetivo. Mas, no seu conjunto, mostram-nos a evolução do gosto e dos conceitos religiosos ao longo de mil anos.

Os sarcófagos do rei Frederico VIII e da rainha Louise

Sarcófago do rei Cristiano IX

Túmulo de Cristiano I na Capela dos Reis Magos, construída no século XV

Para além do seu simbolismo enquanto panteão da monarquia dinamarquesa, a catedral mostra outros pormenores deliciosos, como o relógio do século XV, em que S. Jorge mata o dragão a cada hora... 

S. Jorge mata o dragão de hora a hora...

Retábulo no altar-mor da catedral

E, por entre outros tesouros, a caixa privada mandada construir pelo rei Cristiano IV como um enorme relicário, onde ele gostava de se recolher para assistir à missa...

A caixa privada de Cristiano IV

Entrada da capela da família Trolle

A catedral de Roskilde está inscrita na lista de Património Mundial da UNESCO e a própria cidade está embebida da História da Dinamarca, numa linha contínua que nos traz a herança viking até aos dias de hoje.