quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

De mota pelas Serras de Almanzor - La Alberca e Mogarraz

 

Entrada na aldeia de La Alberca

Este ano, o passeio de mota foi reduzido pela pandemia. Na impossibilidade de projetos mais ambiciosos, decidimos explorar o maciço montanhoso que se inicia na Peña de Francia, muito perto da fronteira portuguesa, e que se estende até à Serra de Guadarrama, a norte de Madrid. Compreende várias serras e picos rochosos, dos quais o mais alto é o Pico de Almanzor, que se eleva a mais de 2500 metros, em plena serra de Gredos. Ao passar Ciudad Rodrigo, começa a vislumbrar-se toda a serrania que vamos percorrer. Mas não temos pressa.

Vista da Peña de Francia

A Peña de Francia é um pico escalvado, no cimo do qual foi construído o Monasterio da Virgen de la Peña, alegadamente por aí ter sido encontrada uma imagem escondida da Virgem. Hoje, aí funciona também um albergue e, do alto dos seus 1700 metros, garante umas vistas magníficas sobre as redondezas. Mesmo aos pés da Peña de Francia, vale a pena parar e passar tempo na pequena aldeia de La Alberca.

A pequena Plaza Mayor de La Alberca

La Alberca é uma pérola, entre as aldeias da Estremadura espanhola. Ruas estreitas, ladeadas de casas de pedra e entrançados em enxaimel, janelas e balcões cheios de flores, a desembocarem numa Plaza Mayor pequena mas encantadora. No centro, o velho pelourinho junto da fonte e do tanque para os animais matarem a sede. E flores, sempre flores, tufos de sardinheiras e gerânios cuidadosamente aparados em todas as varandas.


O cruzeiro e o fontanário...

De onde lhe vem este ar de povoado bretão? Nem lhe falta um pórtico de pedra, a fazer lembrar os átrios paroquiais da Bretanha. Explicam-nos que esta zona terá sido povoada por franceses, que acompanhavam D. Raimundo de Borgonha. Sim, o tio do nosso primeiro rei. 

Vestígios de um átrio paroquial?

Pelas ruas, encontramos o Marrano de Santo Antón, o porco preto que deambula livremente na aldeia entre 13 de junho e 17 de janeiro, data em que é diligentemente transformado em febras e embutidos. Talvez tenha encontrado um seu antepassado na lasquinha de bacon que coroava a truta grelhada que comi ao almoço...

Flores por todo o lado

A seguir a La Alberca, entramos no Parque Natural de las Batuecas. Depois do Mirador del Portillo, as escarpas sucedem-se em belas estradas de montanha. Do outro lado da serra, passamos em Las Hurdes. Hoje, todas estas terreolas parecem pitorescas, mas não o eram tanto quando, em meados do século passado, Luis Buñuel aqui esteve a filmar e documentar a vida miserável dos que aqui viviam. Ficou a memória, no seu filme Terra sem Pão.


Vista do Mirador del Portillo

Chegada a Mogarraz. Dentro da povoação não se pode andar de carro nem de mota, torna-se até difícil chegar ao hotel rural "El Balcón de Mogarraz", mesmo com as nossas poucas bagagens. Mas vale a pena. É uma casa antiga e alcantilada, a um canto da Plaza Mayor. Cada quarto tem um quadrozinho em ponto de cruz que o identifica. O nosso tem uma planta com flores e um nome em latim.

Um recanto da Plaza Mayor de Mogarraz

Mogarraz ainda é habitada pelos que aqui viveram no século passado, na época em que Buñuel fez o seu filme. Olham-nos sérios ou sorridentes das paredes das casas, em grandes retratos. Como surgiram estes retratos? Em 1967, um fotógrafo tirou uma fotografia a todos os habitantes de Mogarraz, para o Registo de Identificação. No início do século XXI, um artista descobriu esses registos fotográficos e gravou-os em placas metálicas. E assim todas estas pessoas tiveram uma nova vida, e acompanham-nos enquanto passeamos pelas ruas da vila.

Os antigos habitantes acompanham o nosso passeio

Além das casas antigas, Mogarraz tem um Cruzeiro do século XVII a que chamam a Cruz dos Judeus. Tem também uma ermida românica, a Ermida del Humilladero, com uma original pia batismal no exterior, alimentada por uma fonte. Perto da ermida, um grupo de crianças brinca, numa festa de aniversário infantil. Parece que ainda há gente real que habita aqui e não só turistas de temporada, como eu!...

A Cruz dos Judeus, frente à Ermida

Surpresa do pequeno almoço: afinal, a artista do ponto de cruz é a esposa do dono do hotel. A sala de refeições está cheia de recordações e pequenas obras feitas por eles. É um hotel com alma.