quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A Rota dos Faróis da Costa da Morte




Junto ao farol do Cabo Prior

O nome Costa da Morte define um território que vai, aproximadamente, de Finisterra - ou Fisterra, como por aqui se chama - a Malpica de Bergantiños. Recorta a ponta noroeste da Península Ibérica, fazendo a passagem do Oceano Atlântico para o Mar do Norte, uma passagem temida através dos séculos e que lhe deu o nome.

A costa, junto ao Cabo Touriñan


O início é o Cabo Fisterra. Ali terminava realmente o Caminho de Santiago, ali era o Quilómetro Zero. Este último troço do Caminho, semeado de pequenas capelas e lugares sagrados, levava ao fim do mundo conhecido. Ali, os peregrinos sentavam-se a assistir ao pôr do sol no oceano, como nós próprios fizemos também, cruzando o misticismo do caminho já percorrido com os cultos místicos do Sol Invictus, vindos de tempos imemoriais.

O farol do Cabo Fisterra

Para norte, estende-se a Costa da Morte, cheia de cabos e espigões rochosos que avançam pelo mar dentro, como outras tantas armadilhas. Os faróis são dezenas, encavalitados nas pontas rochosas, numa tentativa, tantas vezes vã, de alertar as tripulações dos barcos que rodeavam a perigosa costa.

A costa, bela e perigosa

Mesmo em dias de calmaria, como os que ali apanhámos, percebemos que a costa é traiçoeira, eriçada de rochas inesperadas, por onde o mar se esgueira e rebenta. A atestá-lo estão as inúmeras cruzes erguidas nas falésias. Cada uma representa um naufrágio, ou uma vida perdida.


As cruzes, nos penhascos, recordam as vidas ali perdidas

Um dos naufrágios mais célebres foi o do navio britânico HMS Serpent, que naufragou perto do Cabo Villán no dia 10 de novembro de 1890. Dos quase 200 tripulantes do navio, apenas se salvaram três homens, que conseguiram chegar à costa e pedir socorro. Os outros foram cuspidos pelo mar, ao longo das semanas seguintes. 

O farol do Cabo Villán

Foram sendo enterrados no lugar hoje conhecido como Cemitério dos Ingleses, um largo quadrilátero de terreno pedregoso junto ao mar,cercado por um muro de pedra, com um cubículo, também de pedra, no centro. Na vida como na morte, mantém-se a diferenciação social: o comandante do navio e os oficiais foram inumados no cubículo central, enquanto os restantes marinheiros foram colocados no espaço exterior. Ainda por lá se vêem flores. Quem as põe ali?


O Cemitério dos Ingleses

Este cemitério faz parte da European Cemeteries Route criada pelo Institute of Cultural Routes of Europe.

Há outros naufrágios, mais imaginários e simbólicos, que são também celebrados ali, na Costa da Morte. É o que encontramos em Muxia.

No porto de Muxia

Muxia é uma pequena localidade costeira, com casinhas tradicionais e um belo artesanato, baseado nas rendas de bilros. Segundo a lenda, ali teria naufragado Nossa Senhora na sua fuga; os grandes pedaços de rocha seriam os restos despedaçados da sua barca.  Em memória desse naufrágio simbólico, foi erigida uma igreja junto ao mar, a Virgen de la Barca, um dos monumentos mais icónicos desta costa.

O Santuário da Virgen de la Barca

Pedaços de rocha ou pedaços do barco sagrado, arremessados à costa

Os faróis, como já disse, são muitos, e seriam precisos muitos dias para os visitarmos a todos, embora fosse um projeto interessante! Cada um tem as suas características e conta as suas histórias... Por exemplo, o farol da Illa Pancha foi construído numa ilha, ligada à terra firme por uma ponte. Hoje, está transformado num equipamento turístico. 

O farol da Illa Pancha

O Cabo Touriñan, com o seu farol, é um dos mais famosos. Duas vezes por ano, por altura dos equinócios, o Cabo Touriñan é o lugar onde o sol se põe mais tarde, na Europa Continental. Por isso lhe chamam o último sol.

O farol do Cabo Touriñan

O farol mais antigo é a Torre de Hércules, ainda erigido nos tempos romanos, embora remodelado ao longo dos séculos. É a imagem que mais recordo da cidade de La Coruña, isto é, já de saída da Costa da Morte.

A Torre de Hércules

O mais recente, o irmão mais novo desta grande família, é o Farol de Punta Frouxeira, inaugurado em 1992.   

O farol de Punta Frouxeira

Os faróis marcam a costa e a paisagem, recordando-nos, a cada volta do caminho, como a vida ali era difícil. O mar não era traiçoeiro apenas para os navios que passavam junto à costa, era igualmente traiçoeiro para os pescadores que nele tinham o seu ganha pão diário.

O porto de Muros

Junto ao farol de Laxe, há uma estátua intitulada A Espera, obra da escultora  Iris Rodriguez. Representa uma mulher com o filho ao colo, olhando o mar, numa espera eterna. Simboliza bem a valentia dos que afrontavam este mar da Costa da Morte para dali trazer o peixe e o marisco que garantiam a sobrevivência, mas simboliza também a força e a resiliência dos que ficavam à espera. Às vezes, para sempre.

A Espera