sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Interrail



Viajar de comboio pela Europa...

Na verdade, tudo começou em 1982. Eu estudava italiano na faculdade, como cadeira de opção, e concorri a uma bolsa para estudo da língua. Com alguma surpresa, ganhei a bolsa para um curso de verão na Universidade de Perugia. Eu nem sabia exatamente onde se situava Perugia, mas aprendi então que era a capital da Umbria, a que chamam o coração verde da Itália.


Entrada da Universidade de Perugia para estudantes estrangeiros

Numa época em que ainda não havia turismo de massas, nem telemóveis, nem internet, tudo era mais difícil e imprevisto. Surgiu a ideia de juntar a frequência do curso de língua italiana ao interrail e, nos tempos livres, viajar pela Umbria e pelas outras regiões da Itália mais acessíveis de comboio a partir daí. Surgiu também a ideia de viajar com o meu namorado, a que o meu pai anuiu porque, apesar de tudo, era melhor do que viajar sozinha por essa Europa fora.
Foi uma experiência inesquecível, como poderão comprovar todos os jovens portugueses que, por aqueles anos, conseguiam fazer o interrail.


O Castelo da família d'Este em Ferrara

Portugal ainda era um país fechado e periférico, alheio a muitas tendências e novidades que já se sentiam lá fora. Era um país conservador em termos sociais, pobre e atrasado em termos económicos. O interrail dava-nos a possibilidade de contactar com uma Europa mais rica e mais organizada, mas também com uma mentalidade mais aberta e despida de preconceitos.
Além deste confronto exterior, também nos confrontavamos connosco próprios, com as nossas capacidades e fragilidades e com a nossa possibilidade de autonomia.


Um concertinista no comboio...

Trinta e sete anos depois, resolvemos fazer outra vez o interrail. Desta vez, o pretexto foi a passagem dos sessenta anos e o desejo de fazer qualquer coisa diferente e significativa. Fazer algo que mostrasse que, por fora, somos já sexagenários mas, por dentro, temos a idade que quisermos. Pareceu lógico voltar a Itália, fazer de Perugia um objetivo central do percurso e organizar um trajeto que tocasse em alguns dos pontos percorridos em 1982. Não se trata de um regresso ao passado, mas da celebração da ligação entre o passado e o presente.


Entrada de comboio no Tirol - Alto Adige

Hoje, evidentemente, escolhemos fazer as coisas com outra comodidade. Viajamos para Itália de avião e não de comboio. Ficamos em hoteizinhos simpáticos e nem pensamos em parques de campismo. As mochilas estão há muito arrumadas numa arrecadação. Mas, no fim do dia, o gosto pela descoberta e pelo imprevisto é o mesmo. E isso é que importa!...
As crónicas possíveis desta viagem a Itália irão seguir-se, não necessariamente por ordem cronológica, mas, como sempre, seguindo a ordem um pouco aleatória das minhas impressões e da minha vontade.


De novo em Florença, junto da Ponte Vecchio

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Escrever sobre viagens porquê?


Não é necessário ir muito longe para descobrir coisas extraordinárias. E isso é o que verdadeiramente me interessa nas viagens, as coisas, pequenas ou grandes, que às vezes passam despercebidas, os pequenos olhares que nos permitem apropriar um espaço que passa a ser um pouco nosso, através do espanto ou do deslumbramento. As visitas aos espaços turísticos mais emblemáticos só me fascinam se me detiver em olhares que são só meus, pensamentos, descobertas, pequenos nadas que tornam aquele espaço, a partir daí, único, pessoal e intransmissível. E esses olhares colam-se aos espaços, aos monumentos, às ruas e praças, e eles ficam para sempre diferentes.
Depois, quando regresso a casa, alguma coisa de mim ficou lá. Não consigo largar uma viagem como quem põe de lado um casaco velho. Já passou, mas de alguma maneira permanece. José Saramago dizia, no “Ano da morte de Ricardo Reis”, que, da mesma maneira que já existimos antes de nascermos, na barriga das nossas mães, durante nove meses, continuamos a existir ainda durante nove meses depois de morrermos, nas memórias dos que nos rodeiam. Comparar a vida a uma viagem é um hábito já com barbas. E a verdade é que o processo é idêntico. A viagem começa com a preparação, a decisão do destino, a procura do alojamento, o estudo dos itinerários. E não termina com o regresso, ela continua nas fotos, nos videos, naquelas histórias que continuam a fazer-nos sorrir, nas referências a episódios que só nós entendemos e que criam cumplicidades tão particulares entre companheiros de viagem e, acima de tudo, nas emoções.

É sobre essas emoções, essas memórias, esses momentos, esses olhares, que eu gosto de escrever. Para os fixar através de palavras. Para os organizar. Para os partilhar. Porque as emoções partilhadas são as melhores.
Viajar é a minha paixão. Não viajo tanto quanto queria, viajo tanto quanto posso. Eu escrevi que não é necessário ir muito longe para descobrir coisas extraordinárias. Realmente, até numa viagem de metro em Lisboa se podem descobrir coisas extraordinárias. É preciso é manter o coração aberto e o olhar disponível.