sexta-feira, 6 de agosto de 2021

A fortaleza de Juromenha

 

A fortaleza de Juromenha, de atalaia sobre o rio Guadiana

Este ano, pelos acasos de um passeio de mota que nos levava pelos interiores do Alentejo, fui visitar a fortaleza de Juromenha. O nome era-me familiar, como a qualquer pessoa com um conhecimento mediano da História medieval de Portugal. Juromenha, lugar de fronteira, lugar de confrontos. Nos séculos XII e XIII, por ali se jogava a fronteira do recente reino de Portugal, face aos vizinhos mouros a sul e aos vizinhos castelhanos a leste. Como sabemos, essa linha de fronteira avançou e recuou ao sabor da sorte militar de uns ou de outros, e por isso o norte do Alentejo está semeado de castelos, uns mais bem conservados do que outros, mas todos a merecerem uma visita. O distrito de Évora mereceria, só por si, uma Rota dos Castelos. É uma boa sugestão para um passeio de fim de semana!

O pequeno castelo de Valongo

A necessidade de afirmação e proteção da Cristandade face ao Islão, que marcou toda essa época, levou também à construção de autênticas pérolas, como o Santuário de Nossa Senhora da Boa-Nova, na freguesia do Alandroal, uma pequena igreja-fortaleza debruada de ameias. A construção do templo é do século XIV, mas as pinturas do interior são do século XIX e representam santos da devoção popular alentejana. Ainda hoje se realiza uma romaria a Santa Maria do Alandroal mas, se alguém quiser fazer uma visita ao templo fora dos dias da romaria, tem de contactar com a dona do pequeno café fronteiro, que detém a chave... Coisas do Alentejo profundo!...

A igreja-fortaleza de Nossa Senhora da Boa-Nova


As pinturas do altar-mor

Mas voltemos a Juromenha! História não lhe falta! Há vestígios de povoamento humano desde os celtas e os romanos e, a partir da invasão muçulmana, pertence ao califado de Córdova. Constituía um ponto-chave da travessia do rio Guadiana, por isso foi um ponto disputado entre cristãos e muçulmanos. D. Afonso Henriques conquistou-a, depois Almansor reconquistou-a. D. Dinis fixa-a definitivamente no território português, dá-lhe Carta de Foral e reforça as muralhas do castelo, mandando construir as suas dezasseis torres além da Torre de Menagem.

Foram aqui celebradas as bodas de D. Afonso IV com D. Beatriz de Castela, em 1309. Também há quem afirme que se celebraram aqui as bodas de Afonso XI de Castela com D. Maria de Portugal, a fermosíssima Maria dos Lusíadas, mas não é certo, outras fontes afirmam que o casamento se realizou no Sabugal.

Entre muralhas, o caminho de acesso à fortaleza

Foi reforçado e ampliado na Guerra da Restauração, mas a partir daí o seu destino foi incerto, à mercê de traições e desgovernos. O arquiteto francês que liderou os trabalhos de reforço passou o seu apoio para o lado espanhol, chefiando um ataque à fortaleza que ele tão bem conhecia.

Sofreu danos com o Terramoto de 1755 e, na Guerra Peninsular, durante o episódio da Guerra das Laranjas que ditou também a perda de Olivença, foi entregue sem luta aos espanhóis e só foi retomada em 1808. Entrou em decadência, e foi abandonada, por já não ter funções defensivas, em 1920.

No interior, ruínas

O que resta da Igreja da Misericórdia

Hoje, nota-se bem essa decadência. O caminho que leva à grande e ainda imponente porta de entrada está pedregoso e cheio de ervas daninhas. De resto, as ervas daninhas parecem ser as grandes ocupantes de todos os espaços. Ainda se podem visitar as ruínas de duas igrejas, a Matriz e a pequena Igreja da Misericórdia. Notam-se vestígios da aplicação de cimento, para suporte dos muros exteriores, já que os interiores estão vazios, despojados de tudo quanto pudesse ter algum valor. Olho para a igreja esventrada e penso que seria interessante saber onde foram parar as lajes e a estatuária!



A porta de entrada da igreja matriz


O interior esvaziado da velha igreja

Também em ruínas, a antiga cadeia, os antigos Paços do Concelho e muitas secções das muralhas. Segundo sei, é a única fortificação em que se podem ainda ver os três tipos de muralha, a muralha de taipa árabe, a muralha medieval e a muralha setecentista, em forma de estrela.

Houve obras de consolidação em 1950, que continuaram episodicamente até 1996. Embora classificada como Imóvel de Interesse Público em 1957, os poderes públicos não parecem ter-se interessado muito por este imóvel, até hoje... Não posso impedir-me de pensar que, noutro país que não este, a Fortaleza de Juromenha já teria sido restaurada e valorizada, quanto mais não fosse pela maravilhosa vista do Guadiana que dali se avista até ao Alqueva. Mas também pela sua história, que espelha as vicissitudes do próprio país.

Até onde a vista alcança...

Da forma como está, só nos resta olhar pelas janelas que ainda restam e contemplar as águas azuis e tranquilas do rio. Na outra margem, já é Espanha, e os campos cultivados e fertéis fazem um contraste ainda mais triste com a pobreza e a decadência desta margem.

Pela janela, a outra margem do rio

Um cartaz de grandes dimensões à entrada da Fortaleza anuncia um projeto de consolidação e restauro das muralhas, com fundos europeus. No interior da fortaleza poderá ser desenvolvido um projeto privado de hotelaria. Nada tenho contra o turismo e ainda menos contra os projetos privados, mas esta fortaleza não poderia valer pelo objeto histórico que é?