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Passando o Lago Como, nos Alpes Italianos |
Já não sei como surgiu
a ideia de darmos uma volta de mota pelos Alpes. Eu creio que foi a ver umas
filmagens da Volta à França em bicicleta, que apresenta sempre umas imagens
magníficas dos locais de passagem de cada etapa. Mas há outras versões e, na realidade,
foi uma espécie de prolongamento lógico das nossas viagens de mota anteriores,
pela Galiza e Cantábria, pelos Pueblos Blancos e Gibraltar e, mais
recentemente, pelos Pirinéus.
A ideia foi ganhando
espaço e consistência. Entusiasmamos um casal amigo e os planos começaram a
surgir. A fase do planeamento de uma viagem é uma fase fantástica, que eu
aconselho toda a gente a cumprir. Não é uma chatice necessária, pelo contrário,
é já uma construção da própria viagem e, como tal, um prazer.
Seguiram-se meses de
pesquisas. O meu marido intitula as nossas viagens “Rotas do Património” porque
nos preocupamos sempre em procurar tudo o que há de interessante para visitar
ou usufruir em cada região por onde passamos e não temos qualquer problema em
alterar rotas ou fazer mais uns quilómetros para visitar uma capela românica ou
comer uns petiscos num local que nos chamou a atenção. Dito de outro modo, não
queremos apenas fazer quilómetros em cima da mota, queremos usufruir de tudo o
que possa tornar a nossa experiência de viagem mais rica e agradável. Isto
implica muitas horas de pesquisa e discussão, que são uma mais-valia da própria
viagem.
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A emblemática passagem do Stelvio |
Chegou finalmente o
momento de partir. Ainda há que ultrapassar a fase difícil de enfiar toda a
bagagem e equipamento num “top-case” e duas malas laterais. Tenho amigas que me
perguntam como é que eu sou capaz, quando elas mal se conseguem organizar com
uma mala grande e inúmeros sacos quando vão de férias. Nós já estamos
habituados. A chave é perguntar: “O que é que é mesmo indispensável levar?” e
responder sinceramente…
Outro problema é que
Portugal fica num cantinho da Europa e, mesmo uma simples volta por França,
implica muitos quilómetros e muitas horas em cima da mota até ultrapassar os
Pirinéus. Não há volta a dar, por isso, o melhor é transformar o problema numa
oportunidade. Nós nunca fazemos o percurso da mesma maneira, escolhendo locais
diferentes para pernoitar e, portanto, aproveitando para visitar sempre
qualquer coisa diferente em cada viagem. E assim foi também este ano.
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Dom Quixote e Sancho Pança... |
Neste ano de 2016
cumpriram-se quatrocentos anos sobre a morte de Cervantes. Decidimos, por isso,
fazer uma paragem a meio de Espanha e dormir a primeira noite em Alcalá de
Henares, a cidade onde Cervantes nasceu, uma cidade que é Património da Humanidade,
cheia de pergaminhos universitários e onde, seguramente, a data seria
festejada. Foi uma boa escolha. Tem um centro histórico muito interessante,
testemunho de muitos encontros de culturas, e Cervantes, com os seus
personagens D. Quixote e Sancho Pança, marcava presença por todo o lado.
Seguimos para a
segunda etapa, rumo a Figueres, já na Catalunha. A ideia era dormir ainda em
Espanha e entrar em França no dia seguinte logo pela manhã, com o depósito
repleto de gasolina, já que não encontraríamos tão bons preços durante o resto
da viagem. De caminho, visitávamos o Teatro-Museu de Dali, onde o artista do
surrealismo expressou toda a sua loucura visionária. Eu já lá tinha estado há
anos, mas os meus companheiros de viagem não conheciam e era uma oportunidade a
não perder.
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O Teatro-Museu Dali |
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Interior do Museu - Pormenor do Táxi Chuvoso |
O Museu é extraordinário, como era o génio de Salvador Dali, e
extravasa para as ruas e praças, tornando todo o centro da cidade uma
experiência de modernismo e inesperado.
O dia seguinte foi
longo e muito intenso. A primeira paragem, já no Roussillon francês, foi em
Salses-le-Chateau, uma enorme obra-prima de engenharia militar. Mandada
construir pelos espanhóis, sofreu vários cercos até cair nas mãos dos
franceses. Construída para ser inexpugnável, acabou por ser vencida pela fome.
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A fortaleza de Salses |
Antes
ainda uma breve paragem em Narbonne, apenas para respirar o mesmo ar da que foi
a segunda maior colónia romana fora de Itália (depois de Cartago) e imaginar a
motivação e engenho que esteve presente na construção do Canal du Midi, que se
une ao rio Aude pelo canal de la Robine que aqui cruzamos.
Seguimos para o
litoral e chegamos a La Grande Motte no meio da confusão e do trânsito de um
domingo de verão no sul de França. Demasiado calor, demasiada gente, demasiados
carros. Felizmente, é a porta de entrada na Camargue e, mesmo no verão, o
encantamento desta região está presente, nos grandes espaços, nas manadas de
cavalos brancos, nos pássaros, nos braços de mar e rio que se entrelaçam e nos
rodeiam a cada passo. Rolamos em pequenas estradas isoladas, entre a terra e a
água. Por engano, fomos parar a Bac du Sauvage e tivemos de passar o rio de
barco, num pequeno ferry que faz os transbordos locais, o que só deu mais
encanto ao dia.
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Paragem em La Grande Motte |
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A Camargue em Bac du Sauvage |
Ainda passámos por
Aigues-Mortes, que nos remete para Luis IX e o tempo das Cruzadas, e por
Saintes-Maries de la Mer. O ambiente era muito animado, com gente nas
esplanadas e uma tourada a decorrer. Ouviam-se os acordes da “Carmen”, mas não
se viam nem vestígios das três santas Marias que ali terão aportado.
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Luis IX em Aigues Mortes |
Acabámos o percurso
diário já bem de noite, em Aix-en-Provence, no Cours Mirabeau, a comer
hambúrgueres e crepes, o que não condiz muito com o ambiente, informalmente
seleto, nem com
a “presença”de Paul Cézanne, Émile Zola e Albert Camus na esplanada do “Les
Deux Garçons”! Só umas
últimas fotos e vamos descansar, porque no dia seguinte entramos, finalmente,
nos Alpes!
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Les Deux Garçons no Cours Mirabeau |
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