sexta-feira, 4 de julho de 2025

Pelas ruas de Praga

 

Vista panorâmica de Praga, a partir da Ilha de Kempa

Praga é uma cidade belíssima, com um encanto muito particular. Tem um charme próprio, um pouco nostálgico. Chamam-lhe a cidade das cem cúpulas, devido às torres das igrejas e das muralhas que pontuam a paisagem urbana. Desenvolveu-se muito no final da Idade Média e, depois da destruição durante a Guerra dos Trinta Anos, renasceu mais bela do que nunca sob os Habsburgos. Teve a sorte de não sofrer grandes danos com a Segunda Guerra Mundial e hoje surge-nos com o seu encanto gótico ou barroco ou Arte Nova, fresco e genuíno.

A Catedral de São Vito, vista da entrada do Castelo


A Torre da Pólvora

Velhos frescos nas paredes do moderno Hard Rock Café

O que vemos e experienciamos não é fruto de uma reconstituição revivalista, é o original. Caminhamos nas mesmas calçadas que Frank Kafka calcorreou; subimos as mesmas íngremes escadas de madeira que Tycho Brahé subiu; sentamo-nos nos bancos da mesma praça onde Jan Huss pregou. Para mim, isto é emocionante. É como se sentisse o correr dos séculos nas minhas veias.

Caminhando com Kafka


Capela onde Mozart tocou, no Clementinum

Não é necessário visitar todos os palácios e igrejas para sentir o encanto de Praga. A beleza transbordou do interior para os exteriores. Ao passearmos pelas ruas da cidade ou ao atravessarmos as suas pontes, o nosso olhar é irresistivelmente atraído para os frescos nas paredes das casas, os relevos, as esculturas que enfeitam as frontarias ou se espalham pelo espaço urbano.

São Venceslau num edifício da Praça Velha

Relevos pelas ruas do Bairro Antigo

Estátua do Comendador, personagem da ópera Don Giovanni, de Mozart

Praga espalha-se pelas duas margens do rio Vltava, pouco antes da sua confluência com o Elba. O rio segue um percurso sinuoso pela cidade, pontuado por belas e antigas pontes. A mais conhecida é a Ponte Carlos. Reza a lenda que o Imperador Carlos IV pediu aos astrólogos para indicarem a melhor hora e dia para se iniciarem as obras e eles concluiram que o dia 9 de julho de 1357, às 5 horas e 31 minutos, seria o momento ideal, pois esse horário criaria uma sequência ascendente e descendente de números ímpares (1-3-5-7-9-7-5-3-1). E assim foi...

Torre de entrada na Ponte Carlos

Estátuas ladeiam a Ponte Carlos

Uma represa no rio Vltava

É uma ponte belíssima, ladeada por duas torres e pontuada por estátuas de reis e santos, que abençoavam aquela ligação entre o castelo e os bairros da outra margem, mais comerciais e profanos. O turismo de massas tomou conta da ponte e hoje é dificil encontrar um momento em que não esteja carregada de turistas e cheia de barraquinhas a vender todo o tipo de serviços e souvenirs.

A Ponte Carlos numa manhã de chuva


A grande roda de azenha na Ilha de Kempa

Mas há outras pontes que vale a pena atravessar e explorar com calma. Há muitos pormenores decorativos a não perder. Também vale a pena passear pelas pequenas ilhas, como a Ilha Kempa. Ainda se podem ver as grandes rodas dos moinhos de água e, ao percorrer os parques e relvados, têm-se belas vistas panorâmicas da cidade, do rio Vltava e das represas que mantinham o rio navegável.

A Ponte Svatopluk Cech tem belos pormenores arte nova

A base dos candeeiros da Ponte Svatopluk Cech

Na Ponte Legií, os candeeiros mostram trabalhos relacionados com o rio

O Imperador Carlos IV, do Sacro Império Romano Germânico, é uma figura importante da cidade e da Boémia. Além da ponte que leva o seu nome, fundou a Universidade, reconstruiu o Castelo, fundou ou reconstruiu vários mosteiros e igrejas, criou a Cidade Nova de Nové Mesto. A rua Carlos, ou Karlova, é das mais belas da cidade; cada edifício competindo pela decoração mais bela. Confesso que a minha favorita é a estátua arte nova da princesa Libuse, a lendária fundadora de Praga, rodeada de rosas.

Estátua do rei Carlos IV

Uma esquina na rua Karlova


Combate de gigantes na entrada do Palácio Real

Um dos aspetos que me fascinou em Praga foi este cuidado com o embelezamento das ruas e das frontarias dos prédios. São incontáveis os edifícios que ostentam frescos maravilhosos ou estátuas imponentes. Por vezes, são apenas percorridos por frisos florais e sinuosos, numa afirmação da Arte Nova que aqui floresceu – ou não tivesse aqui trabalhado Alfons Mucha. A Casa Municipal é o mais destacado dos edifícios Arte Nova da cidade. O interior foi decorado por Mucha mas, na fachada, destaca-se o mural de mosaico “Homenagem a Praga”, de Karel Spillar.

A fachada da Casa Municipal


Homenagem à Princesa Libuse

Prédio com ornamentação arte nova

Esta tradição do embelezamento do espaço urbano continua até aos dias de hoje. Há inúmeras estátuas que nos confrontam e nos fazem pensar sobre o seu significado. O conhecido escultor checo David Cerny tem três trabalhos expostos na cidade, todos fascinantes: o busto de Franz Kafka, de 42 camadas em movimento; o homem pendurado, que representa Sigmund Freud e é tão realista que levou transeuntes a ligar para a polícia; e o mais enigmático de todos, dois homens urinando para o mapa da Chéquia, no pequeno largo fronteiro ao Museu Kafka.

O busto de Kafka

O homem pendurado

Dois homens urinando para a Chéquia

Todos os passeios pelas ruas de Praga vão certamente confluir na Praça da Cidade Velha. Antiga praça do mercado, hoje o centro da cidade de Praga, tem uma tal densidade de edifícios extraordinários, da época medieval ao barroco, que se torna até difícil de abarcar. Quando ali estivemos, um mercadinho de Páscoa, cheio de ovos, coelhos e flores, ainda dificultava mais a visualização da praça no seu conjunto mas, seja qual for a perspetiva, é sempre magnífica.

A Torre da antiga Câmara Municipal

O Palácio Kinsky

Duas igrejas icónicas enquadram a praça: a Igreja de S. Nicolau, hoje dedicada a concertos, e a Igreja de Nossa Senhora de Týn, cujo interior é um pouco sombrio mas exibe os dois extraordinários campanários que, de algum modo, definem a ideia que temos da velha cidade de Praga. A igreja gótica quase desaparece atrás de uma colunata românica, o que torna a entrada um pouco difícil de encontrar.

O perfil inconfundível de Nossa Senhora de Tyn

Dentro da Igreja de S. Nicolau

À volta da praça, alinham-se os palácios barrocos, com belas fachadas adornadas por baixos relevos, frescos e estuques elaborados, como o Palácio Golz-Kinsky. Vale a pena percorrer a praça com calma e perder os olhos pelos pormenores decorativos. No meio da praça ergue-se o enorme monumento a Jan Huss, o reformador religioso acusado de heresia e morto em 1415. Este memorial foi inaugurado em 1915, no 500.º aniversário da sua morte.

Monumento a Jan Huss. À esquerda vê-se a Igreja de S. Nicolau

A estrela da Praça Velha, porém, é o Relógio Astronómico colocado na parede exterior da antiga Câmara Municipal. Data do século XV e, portanto, ainda encontramos a Terra firmemente fixada no centro do sistema solar. Está dividido em três patamares: o de baixo, é o calendário; o do centro representa as órbitas do Sol e da Lua ao redor da Terra assim como os signos do zodíaco; e a parte de cima apresenta a procissão dos apóstolos, que rodam por uma portinhola de cada vez que o relógio bate as horas. Há sempre uma multidão na praça fronteira, ansiosa por filmar ou fotografar a procissão dos apóstolos. Pessoalmente, acho mais interessante o relógio astronómico propriamente dito. Através dos seus belos desenhos e cores, mostra-nos como era a visão do mundo no século XV e isso já não é pouca coisa.

O relógio astronómico da Praça Velha


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