sábado, 12 de março de 2022

De mota pelas serras de Almanzor - As estradas encantadas de Guadarrama


Ermida de Nossa Senhora de Las Vegas

 A saída de Segóvia faz-se por uma planicie dourada, onde nos aparece uma ermida românica com o nome inesperado de Nossa Senhora de las Vegas. Construída sobre um mausoléu anterior, paleo-cristão, sobressai na planície de que toma o nome, elegante como uma jóia rara.

Entrada da ermida

Mas o nosso objetivo para o dia é a Serra de Guadarrama. É um dos paraísos dos motociclistas, mas também pode ser um inferno. É um extenso maciço montanhoso, com estradas maravilhosas, mas também com zonas inóspitas e pouco acessíveis. Algumas apenas aparecem nos mapas como estradas rurais, outras nem isso. Em todo o caso, o calor aperta e apetece-nos subir para a montanha e apanhar um ar um pouco mais fresco.

No Parque Natural da Serra de Guadarrama

Começamos a subir para a serra de Guadarrama. Primeira etapa, a pequena cidade de Pedraza, já acima dos mil metros de altitude, em pleno Parque Natural da Serra de Guadarrama. Hoje, é um local eminentemente turístico, mas tem muita história e muita alma. Tem uma bela entrada muralhada, um castelo e uma Plaza Mayor surpreendente: de formato um pouco irregular, está rodeada de casas escudadas, assim como as duas ruas principais. Parece-nos que poderia ser um refúgio de verão para as famílias nobres da região, nos tempos medievais. Bem preservada, conserva uma dignidade altiva, que nos dá vontade de regressar, talvez para a "Festa das Luzes"...

Castelo de Pedraza

Na Plaza Mayor de Pedraza

A entrada nas muralhas

A paragem seguinte é em Sepúlveda. Trepamos até à igreja da Senhora da Peña, para ver as vistas sobre a região. Daí, avistam-se bem os canyons do rio Duratón, que se prolongam por vários quilómetros. Mesmo de longe, são impressionantes! De Riaza, só ficámos com uma impressão passageira das galerias porticadas da Plaza Mayor, onde parámos para beber água.

Sepúlveda...

... e Riaza

Viramos para Rio Frio de Riaza e começamos a subir para o maciço do Pico del Lobo Cebollera. Na barragem do Rio Frio ainda se encontra gente, principalmente pescadores. Daí para cima, na direção do Puerto de la Quesera, não se vê vivalma. Somos só nós e a mota. De vez em quando, um ou dois madeireiros, que nos olham com estranheza. 

No Puerto de la Quesera


Tinhamos feito um roteiro e procurámos segui-lo mas, como tantas vezes acontece, a certo ponto do percurso um pequeno engano leva-nos a enfrentar as maiores surpresas e os maiores desafios. 

Depois do pico, a estrada muda de referência e de aspeto. Os arbustos e o mato invadem a estrada, que se torna cada vez mais estreita, até se transformar num troço de terra batida. Há uma estrada alcatroada que corre ao longo do rio de las Veguillas e seguimos por ela, atravessando uma paisagem fantástica, onde os penhascos de las Veguillas se assemelham a velhos castelos e muralhas em ruínas. De barranco em barranco, no meio daquela paisagem surreal, chegamos ao vale. Objetivamente, estavamos afastados da nossa rota. Realinhámos pela estrada GU194, um caminho rural, com aviso de perigos diversos, como aluimentos de terras, o que me deixou muito tranquila, como se pode calcular. Coloco aqui a referência da estrada porque, apesar do aspeto pouco tranquilizador, a estrada conduz a uma passagem icónica e desafiadora, a Muralla China.

O difícil troço da Muralla China
Foto tirada do site https://santymozos.wordpress.com/tag/muralla-china/


A Muralla China ou, como alguns também a chamam, a Tortura China, é uma estrada que faz a passagem do rio Jaramillo. A descida para o rio, assim como a subida, do lado oposto, apresenta um declive acentuadíssimo, com curvas apertadas e rampas com um desnível que chega a atingir os 19%. Para permitir a passagem dos automóveis, ou máquinas agrícolas, em épocas de chuva e gelo, a estrada não é de alcatrão, mas sim de cimento arranhado; este piso garante uma maior adesão dos pneus mas faz um barulho que, associado à própria dificuldade da estrada, dá cabo do sistema nervoso. Confesso que achei várias vezes que a mota se ía desfazer em bocadinhos. Mas lá vencemos a Muralha China! Já fizemos estradas e passos de montanha icónicos mas, para mim, este foi o mais desafiador! A preocupação fez-me esquecer as fotos e por isso, ao contrário do que costumo fazer neste blogue, a fotografia que aqui incluí foi retirada da internet e coloco-a com os respetivos créditos.

Montejo de la Sierra

Vencido o rio Jaramillo e chegados ao Mirador de Corralejo, tudo começou a melhorar. Rolamos por entre altos bosques de pinheiros, pelo meio da Reserva da Biosfera de Montejo de la Sierra. A chegada a Buitrago del Lozoya pareceu-nos uma conquista e festejámos com um bom almoço e umas belas cañas.

O almoço em Buitrago e o calor tornam-nos preguiçosos. Ao lado das muralhas do castelo, o rio Lozoya espraia-se numa albufeira. As margens pedregosas, mas com sombra, convidam ao descanso. E ali ficamos, com os pés na água, à espera que o calor passe, para grande animação de alguns lagostins do rio que vêm confraternizar connosco.

O rio Lozoya

A albufeira do rio Lozoya

A última jornada do dia leva-nos ainda à travessia do Puerto de Navafria (M637 e SG612). Foram quilómetros de bosques magníficos, de altos pinheiros de troncos esguios, numa paisagem encantada. 

No dia seguinte, fizemos as nossas despedidas da Serra de Guadarrama. A primeira paragem foi no Palácio Real da Granja de Santo Ildefonso, que o rei Filipe V mandou construir para ser o "seu" Versalhes... Ter uma imitação do Palácio de Versalhes tornou-se uma espécie de obsessão dos reis absolutistas por esta Europa fora...

Palácio Real da Granja de Santo Ildefonso

Depois, o dia foi passado a rodar pelas estradas da Serra de Guadarrama, estradas lindas, bem lançadas, com bom piso, no meio de bosques e prados. A estrada M601, que passa pelo alto de Navacerrada, é das mais icónicas. É uma bela estrada de montanha, que passa ao lado de alguns dos picos mais altos da serra, como o Pico de Peñalara. Roda-se bem, estas estradas não têm comparação com as do outro lado da serra, o lado pobre, o lado inóspito. O lado desafiador.

A última paragem é no Puerto de la Cruz Verde, no Mirador de Angel Nieto. Aí se presta homenagem aos motociclistas que cruzam as estradas da Serra de Guadarrama, através do nome de um grande corredor, Angel Nieto, vencedor de 13 prémios em provas de motociclismo... Ou de 12+1, como ele próprio, supersticioso, gostava de dizer.

No Mirador Angel Nieto...

... a homenagem aos motociclistas

Voltamos a subir para a mota e viramos as costas a estas estradas encantadas. A próxima paragem é a nossa casa.



 

1 comentário:

  1. Mais uma etapa conseguida. Qualquer dia vamos confirmar se tudo o que dizes é verdade. 😉😃

    ResponderEliminar