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São Jorge no Castelo de Malbork, na Polónia |
Este ano, quando visitava o Castelo de Malbork, no norte da Polónia, deparei-me com uma belíssima imagem de São Jorge, envolvido na sua eterna luta contra o dragão. É um santo omnipresente no universo cristão e recordei-me de várias outras ocasiões em que encontrei imagens semelhantes, desde a Catedral de Chartres à cidade de Belém, na Palestina, passando pelas igrejas de Göreme, na Capadócia. Em Lisboa, S. Jorge preside ao castelo, tomado aos mouros pelo nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, em 1147.
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São Jorge à entrada do Castelo, em Lisboa: sem dragão mas com lança |
Quem é afinal este
herói, protagonista de um mundo fantástico e, ao mesmo tempo, tão próximo?
A personagem tem
origem num cidadão romano, nascido cerca de 280 na Capadócia, em Mitilene. Foi
um militar brilhante e um tribuno respeitado, até ser apanhado nas malhas das
perseguições aos cristãos decretadas pelo imperador Diocleciano, a partir de
303. Não tendo abjurado da sua fé cristã, Jorge foi submetido a torturas e
morreu como um mártir. Foi sepultado na cidade de Lydda, hoje Lod, em Israel.
Com o correr do tempo, o seu martírio foi sendo narrado e ampliado por todo o
médio oriente e aparece recorrentemente na arte bizantina como um Santo
Guerreiro.
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São Jorge dominando o Dragão - Pintura a fresco séc. XII / XIII (Novgorod - Rússia) |
A popularidade do Santo Guerreiro no Ocidente iniciou-se com a chegada dos Cruzados à Terra Santa, em finais do século XI. Os cavaleiros cristãos descobriram o sepulcro do santo, em Lydda, e escutaram as lendas que se tinham criado em torno da sua figura. No regresso à Europa, trouxeram essas histórias, tornando S. Jorge o modelo do cavaleiro cristão. O santo encarnava as virtudes dos cruzados que tinham posto a sua vida ao serviço da conquista da Terra Santa.
E assim a lenda vai
crescendo, colocando a figura de S. Jorge como auxiliar dos exércitos cristãos
que combatiam os infiéis, não só na Terra Santa, mas também na Península
Ibérica.
É Jacopo da Varazze,
bispo de Génova, na sua “Legenda Áurea”, quem descreve S. Jorge como o
cavaleiro que mata um dragão, libertando uma princesa. Decorria o século XIII e
a lenda de S. Jorge iria popularizar-se em toda a Europa.
Segundo a lenda, numa
cidade da Líbia chamada Silca, havia “um lago tão grande que parecia um mar”,
onde se ocultava um dragão “de descomunal tamanho”. O monstro aterrorizava os
habitantes da região que, para o apaziguar, lhe ofereciam ovelhas. Quando elas
se acabaram, começaram a oferecer ao dragão pessoas, escolhidas por sorteio.
Assim, chegou a vez da filha do rei. Dirigia-se para o lago, resignada à sua
sorte, quando apareceu um cavaleiro que atacou o dragão com a sua lança. Falou
às gentes atemorizadas, dizendo: “Não tenhais medo! Deus trouxe-me a esta
cidade para vos livrar deste monstro! Batizai-vos, crede em Cristo, e eu mato
este dragão!” E assim aconteceu…
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O Arcanjo S. Miguel luta com o dragão (Abadia do Monte St. Michel - França) |
O combate com o dragão fixa-se na iconografia do santo e surge-nos em pinturas e esculturas, desde a Europa Ocidental até ao Médio Oriente cristão. Terá sido influenciada pela figura do Arcanjo São Miguel? Ou de outras figuras da mitologia do Mediterrâneo oriental, como o deus egípcio Hórus, ou o semideus grego Perseu, que também lutam com monstros? Seja como for, a luta de S. Jorge contra o dragão fixou-se como a imagem da eterna luta do bem contra o mal, e a figura de S. Jorge firmou-se como o “soldado de Cristo”.
S. Jorge converteu-se
em Santo Protetor de várias nações cristãs, como Aragão, ou Portugal, onde
destronou Santiago e alegadamente ajudou os Portugueses na batalha de
Aljubarrota. Em Inglaterra, o rei Eduardo III fundou em 1348 a Ordem da
Jarreteira em honra de S. Jorge, tornando-o padroeiro de Inglaterra, e
estabelece a data de 23 de abril como o dia da festa do Santo.
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Feast of St. George - Trafalgar Square, Londres |
Há dois anos, por
razões profissionais, estava em Londres no dia 23 de abril e fui passear até
Trafalgar Square, onde me deparei com as festas em honra de São Jorge.
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Barraquinhas variadas |
Uma multidão enchia a
praça, havia música e muitas barraquinhas de comes e bebes. Pelo meio, havia
pessoas mascaradas que, com o tradicional humor britânico, faziam referência às
histórias do santo. Havia danças e jogos tradicionais.
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Mascaradas e música tradicional |
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Quem quer ser armado cavaleiro? |
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Brincando com o dragão |
Não encontrei o São
Jorge, devia andar por ali disfarçado! Mas quanto a dragões, havia muitos e as
crianças faziam questão de se fazer fotografar dominando o dragão.
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Uma foto com o dragão! |
Assim as histórias se
perpetuam. Cerca de dois milénios depois, as crianças londrinas continuam a
enfrentar os seus dragões. Como cada um de nós!