quinta-feira, 19 de junho de 2025

Um passeio pela Antrim Coast

 

A costa perto de Portrush

A Antrim Coast é a continuação da costa atlântica irlandesa, já do lado do Reino Unido, mas é bastante diferente da Wild Atlantic Way, do lado irlandês. Deixamos para trás as costas recortadas, batidas pelo vento e pela chuva, e entramos nas costas mais amenas e luminosas do chamado Mar da Irlanda. Uma espécie de Oceano Atlântico domesticado...

A pequena cidade de Portrush

Gostaríamos de ter metido o nariz em todas as falésias, enseadas e terreolas da costa irlandesa, mas não é possível. Uma das coisas mais difíceis no planeamento de uma viagem é aprender a fazer opções. Nunca se consegue visitar tudo, abranger tudo o que pode valer a pena visitar. Há que decidir por uns locais em desfavor de outros, aprender a deixar cair pontos de passagem e alterar planos iniciais, fazer e refazer os itinerários. E depois, cumprir o percurso sem dores de alma. Ficam sempre coisas por fazer e lugares por visitar; talvez numa próxima vida...

Pela costa...

Seguimos então novamente para a costa, a partir de Derry (ou Londonderry...). O nosso primeiro ponto de paragem previsto era a obra de um excêntrico bispo do século XVIII, Frederick Hervey, conde de Bristol e bispo de Derry, um homem culto e viajado mas bastante peculiar. Resolveu construir uma residência no seu domínio de Downhill, junto ao atlântico, que junta umas muralhas de aparência medieval aos edifícios de clara influência italiana. Hoje, a residência do bispo está em ruínas, depois de um incêndio no século XIX e da sua utilização pela RAF na Segunda Guerra Mundial. Mas ainda vale um passeio pelas ruínas e pelo domínio circundante.

O domínio de Downhill, entre torres medievais...

... e influências italianas
No entanto, o ponto mais atraente é o pequeno templo, chamado Mussenden Temple, construído mesmo à beira da falésia e que se destinava a abrigar a biblioteca do conde bispo. Construído à imagem do templo de Vesta, em Roma, é uma imagem inesperada e de grande beleza cénica na costa norte atlântica. Hoje, todo o conjunto faz parte do National Trust.

Mussenden Temple...

... mesmo à beira da falésia

Seguimos para Portrush e depois uma paragem imprescindível: a destilaria da Bushmills. Há quem diga que é o melhor whisky do mundo, não sei, não me atrevo a essas apreciações, mas a destilaria é impressionante.

Entrada da destilaria da Bushmills

As pipas estão prontas para a entrega

O ponto mais icónico da Antrim Coast é, sem dúvida, a chamada Calçada dos Gigantes. Como tem multidões de visitantes é mesmo aconselhável comprar bilhetes com antecedência. Com os nossos bilhetes na mão, estacionámos o carro com facilidade e entrámos na hora certa. Temia que o elevado número de pessoas me diminuísse a capacidade de apreciação do local, mas como o percurso é relativamente extenso isso não aconteceu. Os visitantes vão andando e vão-se espalhando enquanto exploram aquelas formações rochosas tão peculiares.

O percurso da Giants Causeway começa aqui

A Calçada dos Gigantes é uma formação rochosa de colunas de basalto hexagonais (cerca de 40 000) que resultaram da erupção de lavas vulcânicas, há milhões de anos. Mas a imaginação popular não podia ficar satisfeita com esta vulgar explicação científica. A lenda atribui a sua construção a um gigante, Finn McCool, que queria construir um caminho até à Escócia, para lutar com o gigante escocês Benandonner. A partir desta base, há várias versões, mais ou menos elaboradas, mas todas terminam com a fuga do gigante escocês, que teria perseguido Finn de volta à Irlanda. Na sua fuga, destruiu a calçada e, por isso, o caminho de pedras que teria ligado a costa norte irlandesa à costa oeste da Escócia (hoje a caverna de Fingal, na pequena ilha de Staffa) ficou interrompido.

As estranhas formações basálticas


Todas estas histórias, assim como outras bem mais científicas, nos são contadas no magnífico Centro de Interpretação da Giants Causeway. A história dos dois gigantes é contada em desenhos animados, num écran gigante. O público alvo são as crianças mas também havia muitos adultos (como eu...) sentados nos puffs, deliciados com as histórias! Há muitas coisas interessantes para comprar, souvenirs de um local único!

Há quem veja o camelo Humphrey deitado nas formações rochosas, depois de
transportar o gigante Finn de regresso a casa ...

Apesar da multidão que calcorreia a estrada que ladeia as formações rochosas, o caminho faz-se muito bem e vamos apreciando as peculiaridades do local. Há um autocarro que faz o percurso de ida e volta mas, sinceramente, acho que se perde muito! À exceção de problemas de saúde ou um tempo particularmente inclemente, não aconselho!

Ao longo do caminho...

Continuamos pela Causeway Coastal Route até Larne. Não tendo a espetacularidade da costa atlântica irlandesa, é uma estrada muito bonita, sempre à beira mar, entre campos agrícolas e altas falésias.

Pela Causeway Coastal Route...



Em Larne deixamos a costa e rumamos a Belfast. Aí as histórias são outras e bem mais violentas, mas já contei algumas delas noutro post, aqui.



quinta-feira, 12 de junho de 2025

Wild Atlantic Way

Letreiro indicativo da WAW em Tralee

Em irlandês gaélico, essa língua que nos parece tão estranha, diz-se Slí an Atlantaigh Fhiáin. Corresponde a uma rota que acompanha a costa atlântica da Irlanda, desde o sul, perto de Kinsale, até ao norte, onde pára na fronteira com a Irlanda do Norte; aí termina a rota, mas não terminam as paisagens espetaculares, simplesmente se entra noutro país, o Reino Unido.

Pela costa...


É uma rota extensíssima. São mais de 2.500 quilómetros de estradas que bordejam a costa, sempre diferente mas sempre espetacular. É difícil percorrê-la em toda a sua extensão, durante um período normal de férias. Há quem o faça, evidentemente: encontrámos em Derry um grupo de ciclistas acabado de chegar de Innishowen Head. Tinham percorrido toda a rota, um mês inteiro a pedalar. Aparentemente, era esse o seu sistema de férias predileto; percebemos pela conversa que já tinham pedalado pelas rotas mais icónicas de toda a Europa. Acho fascinante mas não me convence. Num clima tão instável como o irlândês, é preciso ter uma espécie de heroísmo, uma motivação inquebrável, para afrontar em cima de uma bicicleta as chuvas e os ventos típicos daquela costa atlântica.

Um banco onde apetece sentar

O pequeno cais do Shannon Breeze

Nós não tinhamos nem essa pretensão nem o tempo disponível. Assim, como de costume, fizemos umas pesquisas, lemos uns livros, e traçamos um itinerário que conjugasse os pontos mais famosos da linha costeira com a visita a algumas cidades que ficavam próximas e que nos tinham despertado interesse.


A pequena cidade de Westport

Ao longo da WAW...

Começamos então a nossa WAW (Wild Atlantic Way) rumando para sul, a partir de Cork. O dia parecia pouco promissor, com uma chuvinha miúda que foi rareando; mas quando chegamos a Goleen, ao Centro Interpretativo de Mizen Head, já fazia sol. Entrámos para comprar um mapa da WAW e procurar obter algumas informações sobre o local, mas fomos transportados no tempo até aos anos 50, talvez... Desde a senhora da receção até à decoração do espaço tudo era simpático mas retrógrado. Continuamos o caminho por estradas estreitas e sinuosas, pouco mais largas do que o nosso carro. Ainda não sabíamos, mas esse ía ser o registo habitual durante os próximos dias.

A caminho do Wild West em Goleen

A ponte pedonal para Mizen Head

Mizen Head é o ponto mais avançado da rota, para sudoeste. Tem um farol célebre, empoleirado numa rocha no meio do mar bravio. Hoje, o farol está modernizado, mas é possível ainda visitar a casa do faroleiro e as restantes instalações. A passagem para a ilha onde se situa o farol é feita pedonalmente, através de uma ponte em arco e a partir desse ponto as vistas são fantásticas.

As falésias da costa, em Mizen Head

Na casa do faroleiro

Os faróis são uma constante, nesta costa batida pelo vento e por ondas alterosas, onde os naufrágios eram frequentes. São mais de oitenta, construídos ao alcance da vista uns dos outros, e muitos ainda são visitáveis. O caminho leva-nos por costas recortadas, entre praias e falésias. Há histórias de faróis e faroleiros, naufrágios e roubos, mas também sereias apaixonadas. Ladeamos lagos e fiordes, passamos pequenos portos piscatórios, onde podemos parar para comer um fishburguer.

Falésias e cabos rochosos...

Parámos para comer um fishburguer em Tralee

Um ponto de passagem obrigatório é o chamado Ring of Kerry, uma rota circular que se pode iniciar e terminar em Killarney. Circunda o Killarney National Park e é de uma beleza extraordinária, sempre bordejando lagos, rodeados de verde.

Killarney National Park 


Entrámos em Killarney em ambiente de festa. A equipa de futebol feminino de Kerry County tinha ganho o campeonato de toda a Irlanda (All Ireland) e era a loucura, que se prolongou em alegres cânticos pela noite fora. É uma pequena cidade, agradável, com umas ruas centrais cheias de pubs e lojas que vendem principalmente artigos de lã, com os pontos e motivos tradicionais. Apetecia-me comprar todos... Muito perto da cidade, encontra-se Ross Castle, em pleno Parque Natural, à beira de um lago imenso. Há pescadores a saírem para o lago, há árvores centenárias e há gamos a saltitarem pelos caminhos percorridos pelas carroças puxadas por póneis de patas grossas e lanzudas.

Ross Castle



Killarney não é muito diferente de outras pequenas cidades da costa oeste, mas está situada num local de grande beleza natural. Apetece ficar ali por uns dias, a explorar as redondezas e, à noite, a acompanhar a música que sai de todos os pubs.

O pequeno porto de Dingle

Continuamos pela Wild Atlantic Way para a península de Dingle. Tinhamos decidido passar por Tralee levados pela canção The Rose of Tralee. Comemos o fishburger da ordem e continuamos. Infletimos para o interior, para passar o rio Shannon de barco. O ferry chamava-se Shannon Breeze mas o nome era enganador: em vez de uma brisa, soprou um vento forte a empurrar uma chuva miúda. Tememos o pior para o dia seguinte, em que íamos a um dos pontos mais icónicos desta rota: os célebres Cliffs of Moher.

Os Cliffs of Moher

O dia começou nublado e frio, mas lá foi melhorando. O vento gelado ameaçava atirar-nos dos penhascos abaixo, mas eu olhava para as vacas tão tranquilas e pachorrentas naquela ventania e lá ía subindo. O passeio vale muito a pena. As falésias são muito cénicas e, se não houver nevoeiro, dão umas belas fotografias. Igualmente imperdível é o Centro de Interpretação. Além da informação variada, disponibiliza um filme magnífico em 4D: sentimo-nos gaivotas a sobrevoar as falésias, com direito a borrifos de água salgada e tudo! Enviámos um postal com a nossa foto para nós próprios... para mais tarde recordar!...

As vacas pastam no topo das falésias

As imponentes falésias de Moher

Seguimos para Galway. Gostei muito. É uma cidade com muita alma, com um passado que nos salta ao caminho a cada esquina. O Latin Quarter é o bairro mais animado e também o melhor para almoçar. Aqui impera o gaélico e muitos restaurantes têm nomes incompreensíveis. O melhor é perguntar, os irlandeses gostam de explicar as suas tradições e as suas particularidades.

Mural à entrada do Latin Quarter


As ruas animadas de Galway

A etapa seguinte é Cong. Que boa surpresa, que lugar delicioso! À entrada de Cong, encontramos o imponente Ashford Castle, hoje um hotel de luxo. Mas, mesmo sem pernoitar no hotel, podemos passear pelo parque e pelas margens do lago. São as mesmas águas que vão banhar o antigo mosteiro de Cong e correm pelo centro da pequena cidade. Estamos rodeados pela floresta de Cong, bela e silenciosa.

Ashford Castle




A casa do acolhimento ao público, em Ashford Park


A bucólica floresta de Cong

A coisa mais extraordinária que aconteceu em Cong foi, provavelmente, a rodagem do célebre filme de John Ford “O Homem Tranquilo”, com John Wayne e Maureen O’Hara. Há referências ao filme por todo o lado. O museu do “Quiet Man” estava fechado, mas podem-se visitar os locais da rodagem do filme e alguns dos figurantes ainda por lá vivem, com certeza. No nosso hotel, há fotogramas do filme em todos os espaços e o nosso quarto chama-se Pat Cohan...

A velha abadia de Cong

Ruínas da cabana onde os monges pescavam

O museu do "Quiet Man"

John Wayne e Maureen O’Hara imortalizados no centro de Cong

Continuamos para norte, com um tempo de chuva a lembrar-nos que estamos na Irlanda. Vamos fazendo algumas paragens (poucas...), tentando vislumbrar alguma coisa. Da Ilha de Achill só recordo duas coisas: um bar onde parámos para beber um chá e que se gabava de ser o bar mais ocidental da Europa; e um grupo de adolescentes que se preparava para uns passeios de barco, totalmente indiferentes à chuva!

Na Ilha de Achill...

...indiferentes à chuva...

O nosso próximo objetivo era Sligo, a cidade de William Butler Yeats, o mais célebre poeta irlandês. A chuva deu-nos tréguas e conseguimos passear pela cidade, onde tudo lembra o poeta. No centro da cidade, junto à Hyde Bridge, situa-se a Yeats Society, com exibições e atividades não apenas sobre o Poeta mas também sobre outros temas da cultura irlandesa.

Uma estátua de Yeats

Junto à Hyde Bridge

Não podíamos deixar de passar por Rosses Point, onde se situa a casa onde viveu Yeats, assim como pelo cemitério de Drumcliff, onde está a sua campa, simples e sóbria, mais um local de memória.

Memorial a Yeats no cemitério de Drumcliff

Barcos em Rosses Point

O tempo continuava incerto, entre chuviscos e aguaceiros. Rumámos a Donegal, uma cidade interessante, junto ao rio Eske. Tem mais coisas interessantes para explorar do que eu tinha de tempo disponível! Assim, infletimos para a Irlanda do Norte, erradamente chamada Ulster já que este é também o nome da zona de que estamos a sair. Enfim, rumamos a Derry, já no Reino Unido.

O rio Eske em Donegal

Em Donegal abandonamos a Wild Atlantic Way, que é uma rota exclusivamente irlandesa. Porém, vamos explorar também a Antrim Coast, que é a sua continuação, já no lado britânico. A Terra e os mares e as costas não querem saber de divisões políticas para nada, mas nós temos de obedecer às formalidades e por isso a Antrim Coast já estará num outro post.