 |
Letreiro indicativo da WAW em Tralee |
Em irlandês gaélico, essa língua que nos parece tão estranha,
diz-se Slí an Atlantaigh Fhiáin. Corresponde a
uma rota que acompanha a costa atlântica da Irlanda, desde o sul, perto de
Kinsale, até ao norte, onde pára na fronteira com a Irlanda do Norte; aí
termina a rota, mas não terminam as paisagens espetaculares, simplesmente se
entra noutro país, o Reino Unido.
 |
Pela costa... |
É uma rota extensíssima. São mais
de 2.500 quilómetros de estradas que bordejam a costa, sempre diferente mas
sempre espetacular. É difícil percorrê-la em toda a sua extensão, durante um
período normal de férias. Há quem o faça, evidentemente: encontrámos em Derry
um grupo de ciclistas acabado de chegar de Innishowen Head. Tinham percorrido
toda a rota, um mês inteiro a pedalar. Aparentemente, era esse o seu sistema de
férias predileto; percebemos pela conversa que já tinham pedalado pelas rotas
mais icónicas de toda a Europa. Acho fascinante mas não me convence. Num clima
tão instável como o irlândês, é preciso ter uma espécie de heroísmo, uma
motivação inquebrável, para afrontar em cima de uma bicicleta as chuvas e os
ventos típicos daquela costa atlântica.
 |
Um banco onde apetece sentar |
 |
O pequeno cais do Shannon Breeze |
Nós não tinhamos nem essa
pretensão nem o tempo disponível. Assim, como de costume, fizemos umas
pesquisas, lemos uns livros, e traçamos um itinerário que conjugasse os pontos
mais famosos da linha costeira com a visita a algumas cidades que ficavam
próximas e que nos tinham despertado interesse.
 |
A pequena cidade de Westport |
 |
Ao longo da WAW... |
Começamos então a nossa WAW (Wild
Atlantic Way) rumando para sul, a partir de Cork. O dia parecia pouco
promissor, com uma chuvinha miúda que foi rareando; mas quando chegamos a
Goleen, ao Centro Interpretativo de Mizen Head, já fazia sol. Entrámos para
comprar um mapa da WAW e procurar obter algumas informações sobre o local, mas
fomos transportados no tempo até aos anos 50, talvez... Desde a senhora da
receção até à decoração do espaço tudo era simpático mas retrógrado.
Continuamos o caminho por estradas estreitas e sinuosas, pouco mais largas do
que o nosso carro. Ainda não sabíamos, mas esse ía ser o registo habitual
durante os próximos dias.
 |
A caminho do Wild West em Goleen |
 |
A ponte pedonal para Mizen Head |
Mizen Head é o ponto mais
avançado da rota, para sudoeste. Tem um farol célebre, empoleirado numa rocha
no meio do mar bravio. Hoje, o farol está modernizado, mas é possível ainda
visitar a casa do faroleiro e as restantes instalações. A passagem para a ilha
onde se situa o farol é feita pedonalmente, através de uma ponte em arco e a
partir desse ponto as vistas são fantásticas.
 |
As falésias da costa, em Mizen Head |
 |
Na casa do faroleiro |
Os faróis são uma constante,
nesta costa batida pelo vento e por ondas alterosas, onde os naufrágios eram
frequentes. São mais de oitenta, construídos ao alcance da vista uns dos
outros, e muitos ainda são visitáveis. O caminho leva-nos por costas
recortadas, entre praias e falésias. Há histórias de faróis e faroleiros,
naufrágios e roubos, mas também sereias apaixonadas. Ladeamos lagos e fiordes,
passamos pequenos portos piscatórios, onde podemos parar para comer um fishburguer.
 |
Falésias e cabos rochosos... |
 |
Parámos para comer um fishburguer em Tralee |
Um ponto de passagem obrigatório
é o chamado Ring of Kerry, uma rota circular que se pode iniciar e terminar em
Killarney. Circunda o Killarney National Park e é de uma beleza extraordinária,
sempre bordejando lagos, rodeados de verde.
 |
Killarney National Park |
Entrámos em Killarney em ambiente
de festa. A equipa de futebol feminino de Kerry County tinha ganho o campeonato
de toda a Irlanda (All Ireland) e era a loucura, que se prolongou em alegres
cânticos pela noite fora. É uma pequena cidade, agradável, com
umas ruas centrais cheias de pubs e lojas que vendem principalmente artigos de
lã, com os pontos e motivos tradicionais. Apetecia-me comprar todos... Muito
perto da cidade, encontra-se Ross Castle, em pleno Parque Natural, à beira de
um lago imenso. Há pescadores a saírem para o lago, há árvores centenárias e há
gamos a saltitarem pelos caminhos percorridos pelas carroças puxadas por póneis
de patas grossas e lanzudas.
 |
Ross Castle |
Killarney não é muito diferente
de outras pequenas cidades da costa oeste, mas está situada num local de grande
beleza natural. Apetece ficar ali por uns dias, a explorar as redondezas e, à
noite, a acompanhar a música que sai de todos os pubs.
 |
O pequeno porto de Dingle |
Continuamos pela Wild Atlantic
Way para a península de Dingle. Tinhamos decidido passar por Tralee levados
pela canção The Rose of Tralee. Comemos o fishburger da ordem e
continuamos. Infletimos para o interior, para passar o rio Shannon de barco. O
ferry chamava-se Shannon Breeze mas o nome era enganador: em vez de uma
brisa, soprou um vento forte a empurrar uma chuva miúda. Tememos o pior para o
dia seguinte, em que íamos a um dos pontos mais icónicos desta rota: os
célebres Cliffs of Moher.
 |
Os Cliffs of Moher |
O dia começou nublado e frio, mas
lá foi melhorando. O vento gelado ameaçava atirar-nos dos penhascos abaixo, mas
eu olhava para as vacas tão tranquilas e pachorrentas naquela ventania e lá ía
subindo. O passeio vale muito a pena. As falésias são muito cénicas e, se não
houver nevoeiro, dão umas belas fotografias. Igualmente imperdível é o Centro
de Interpretação. Além da informação variada, disponibiliza um filme magnífico
em 4D: sentimo-nos gaivotas a sobrevoar as falésias, com direito a borrifos de
água salgada e tudo! Enviámos um postal com a nossa foto para nós próprios...
para mais tarde recordar!...
 |
As vacas pastam no topo das falésias |
 |
As imponentes falésias de Moher |
Seguimos para Galway. Gostei
muito. É uma cidade com muita alma, com um passado que nos salta ao caminho a
cada esquina. O Latin Quarter é o bairro mais animado e também o melhor para
almoçar. Aqui impera o gaélico e muitos restaurantes têm nomes incompreensíveis. O
melhor é perguntar, os irlandeses gostam de explicar as suas tradições e as
suas particularidades.
 |
Mural à entrada do Latin Quarter |
 |
As ruas animadas de Galway |
A etapa seguinte é Cong. Que boa
surpresa, que lugar delicioso! À entrada de Cong, encontramos o imponente
Ashford Castle, hoje um hotel de luxo. Mas, mesmo sem pernoitar no hotel,
podemos passear pelo parque e pelas margens do lago. São as mesmas águas que
vão banhar o antigo mosteiro de Cong e correm pelo centro da pequena cidade. Estamos
rodeados pela floresta de Cong, bela e silenciosa.
 |
Ashford Castle |
 |
A casa do acolhimento ao público, em Ashford Park |
 |
A bucólica floresta de Cong |
A coisa mais extraordinária que
aconteceu em Cong foi, provavelmente, a rodagem do célebre filme de John Ford
“O Homem Tranquilo”, com John Wayne e Maureen O’Hara. Há referências ao filme
por todo o lado. O museu do “Quiet Man” estava fechado, mas podem-se visitar os
locais da rodagem do filme e alguns dos figurantes ainda por lá vivem, com
certeza. No nosso hotel, há fotogramas do filme em todos os espaços e o nosso
quarto chama-se Pat Cohan...
 |
A velha abadia de Cong |
 |
Ruínas da cabana onde os monges pescavam |
 |
O museu do "Quiet Man" |
 |
John Wayne e Maureen O’Hara imortalizados no centro de Cong |
Continuamos para norte, com um
tempo de chuva a lembrar-nos que estamos na Irlanda. Vamos fazendo algumas
paragens (poucas...), tentando vislumbrar alguma coisa. Da Ilha de Achill só
recordo duas coisas: um bar onde parámos para beber um chá e que se gabava de
ser o bar mais ocidental da Europa; e um grupo de adolescentes que se preparava
para uns passeios de barco, totalmente indiferentes à chuva!
 |
Na Ilha de Achill... |
 |
...indiferentes à chuva... |
O nosso próximo objetivo era
Sligo, a cidade de William Butler Yeats, o mais célebre poeta irlandês. A chuva
deu-nos tréguas e conseguimos passear pela cidade, onde tudo lembra o poeta. No
centro da cidade, junto à Hyde Bridge, situa-se a Yeats Society, com
exibições e atividades não apenas sobre o Poeta mas também sobre outros temas
da cultura irlandesa.
 |
Uma estátua de Yeats |
 |
Junto à Hyde Bridge |
Não podíamos deixar de passar por
Rosses Point, onde se situa a casa onde viveu Yeats, assim como pelo cemitério
de Drumcliff, onde está a sua campa, simples e sóbria, mais um local de
memória.
 |
Memorial a Yeats no cemitério de Drumcliff |
 |
Barcos em Rosses Point |
O tempo continuava incerto, entre
chuviscos e aguaceiros. Rumámos a Donegal, uma cidade interessante, junto ao
rio Eske. Tem mais coisas interessantes para explorar do que eu tinha de tempo
disponível! Assim, infletimos para a Irlanda do Norte, erradamente chamada
Ulster já que este é também o nome da zona de que estamos a sair. Enfim,
rumamos a Derry, já no Reino Unido.
 |
O rio Eske em Donegal |
Em Donegal abandonamos a Wild
Atlantic Way, que é uma rota exclusivamente irlandesa. Porém, vamos explorar também
a Antrim Coast, que é a sua continuação, já no lado britânico. A Terra e os
mares e as costas não querem saber de divisões políticas para nada, mas nós
temos de obedecer às formalidades e por isso a Antrim Coast já estará num outro
post.