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A viagem para o além (túmulo de Ramsés IX) |
Se
virarmos as costas a Amon e à sua festa de renovação da vida e cruzarmos o
Nilo, entramos na zona da morte e dos túmulos, no Vale dos Reis.
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Sala do sarcófago, de Ramsés I |
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O tecto de uma das salas do túmulo de Seti I |
Cruzemos
então o Nilo para a sua margem ocidental. Passada a estreita faixa verdejante
entramos no deserto. O calor é tórrido. Estamos a meio da manhã e já passamos
os 40 graus centígrados quando chegamos ao Vale dos Reis.
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A paisagem desértica |
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A entrada no Vale dos Reis |
O
panorama não é muito animador. Na encosta branca, faiscante de sol e calor,
abrem-se uns portões retangulares: são as entradas para os túmulos reais. Estão
cobertas por uma espécie de toldos e todas exibem um cartaz à entrada que
identifica o faraó que aí está sepultado e dá algumas informações sobre a
organização interna do túmulo. Foram aqui sepultados quase todos os faraós do
Império Novo, a partir de Tutmósis I, mas pensa-se que nem todos os túmulos
foram já descobertos.
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Os cartazes explicativos |
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Pilares na entrada do túmulo de Ramsés III |
Estes
túmulos não eram para ser visitados, portanto as entradas eram tapadas depois
da procissão funerária. Sabe-se que, nos séculos IV e V, alguns túmulos
serviram de habitação aos eremitas cristãos. Depois, com a islamização do Egito
no século VII, o Vale dos Reis caiu no esquecimento, até às expedições
científicas europeias no século XIX.
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Decoração das paredes (túmulo de Ramsés III) |
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Decoração das paredes (túmulo de Seti I) |
O
fascínio com a civilização faraónica estava então no auge e todos conhecemos as
histórias ligadas à descoberta do túmulo de Tutankhamon pelo egiptólogo
britânico Howard Carter, em 1922. O túmulo estava intacto e, pela primeira vez,
apreciavam-se as riquezas que rodeavam um túmulo real. Tutankhamon tornou-se
uma espécie de superstar mas, na verdade, foi um faraó menor que morreu muito
novo, e o seu túmulo foi feito apressadamente. Quanto aos ricos artefactos
encontrados foram transferidos para o Museu do Cairo, principalmente.
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A entrada para o túmulo de Tutankhamun, o célebre KV62 |
Assim,
eu sabia que era um dos túmulos menos interessantes do vale e, como o bilhete
nos dava entrada apenas a três túmulos, descartei logo o do faraó famoso. Fiz
bem, era o que tinha uma fila maior para entrar...
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Inscrições nas paredes (túmulo de Ramsés III) |
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Gravura representando um sacrifício ritual (túmulo de Seti I) |
Optámos
então pelos três Ramsés disponíveis: Ramsés I, Ramsés III e Ramsés IX. Mesmo
nos túmulos menos concorridos, o calor era sufocante. Mal começamos a descer a
rampa que dá acesso às câmaras funerárias, o suor cobre-nos e saímos
encharcados. Mas o esforço compensa: as paredes cobertas de textos e imagens
que auxiliam a passagem do faraó para o mundo do além, são espantosas e
fascinantes. Emerjo para o mundo exterior, no entanto, com a sensação de que
todo o vapor de água que libertamos não pode ser saudável para aquelas imagens
maravilhosas, realizadas e mantidas na obscuridade de uma atmosfera protegida
durante tantos séculos.
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Homem com pele de leopardo (túmulo de Seti I) |
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O faraó Ramsés III é conduzido pelos deuses Tot e Hórus |
Enquanto
observo as imagens de Ramsés III sendo conduzido pelos deuses, não posso deixar
de me recordar das imagens do mesmo faraó no templo de Medinet-Habu, que lhe é
dedicado. Aí se lembram as vitórias de Ramsés III sobre os líbios e os “povos
do mar” e estão representadas cestas cheias das mãozinhas decepadas dos seus inimigos. O faraó tem muito
que confessar no tribunal de Osíris...
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Entrada no templo de Medinet-Habu, dedicado a Ramsés III |
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Ramsés III recebe os tributos dos vencidos, entre os quais os montes de mãos decepadas |
Por
uma pequena quantia extra, era possível visitar também o túmulo de Seti I, um
dos mais ricos do Vale. Tinha pouca gente, por isso não estava tão quente e húmido
e podíamos ver tudo mais à vontade. Os deuses e faraós rodeavam-nos. As paredes
estavam cobertas de pinturas lindíssimas, de cores vivas, rememorando tudo o
que era necessário para auxiliar o faraó na sua viagem. Todo o ambiente era de
recolhimento, beleza e delicadeza, imerso numa semi-obscuridade que me fez
viajar no tempo. Confesso que me senti à beira das lágrimas. Foi das
experiências mais intensas desta minha viagem ao Egito.
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O faraó é guiado por Tot (túmulo de Seti I) |
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As belas imagens da viagem para o além (túmulo de Seti I)
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Além
do Vale dos Reis, existem outras necrópoles no lado ocidental, nas quais foram
enterrados outros reis, rainhas, familiares, altos funcionários; é o caso do
Vale das Rainhas. Não o visitamos. Não é possível visitar todos os templos,
túmulos, escavações arqueológicas.
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Procissão ritual (túmulo de Seti I)
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O faraó com os seus atributos (túmulo de Seti I)
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Seguimos
para o grandioso templo funerário de Hatshepsut. É imperdível! Já não estamos a
falar de pirâmides ou de túmulos escavados no deserto. O local de repouso da
rainha Hatshepsut, que governou com o título legítimo de faraó, é um enorme
hipogeu ao qual se acede por uma ampla escadaria ladeada de esfinges. Difícil
de subir devido ao calor inclemente, o esforço tem pleno retorno nas decorações
naturalistas do seu interior, sombrio e fresco.
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O grandioso hipogeu da rainha Hatshepsut |
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Uma das esfinges que ladeiam a escadaria |
Hatshepsut
foi uma boa governante, de acordo com os registos. Ainda governou em
co-regência com o seu filho Tutmósis III, que teve a falta de delicadeza de
apagar o nome da mãe das suas estátuas, quando subiu ao trono. Mas ela lá
continua, com um meio sorriso nos lábios de pedra, a olhar orgulhosamente em frente.
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Decorações naturalistas do interior do templo funerário |
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As estátuas da rainha |
Hatshepsut,
tu que foste rainha, como avalias a evolução do mundo nos últimos três mil anos? Desculpa
tratar-te com esta informalidade mas, aqui entre nós, o que achas da situação da mulher no Egito atual?