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O Mausoléu de Gala Placídia |
Ravena é uma pequena cidade do norte de Itália. Situada perto da costa do
mar Adriático, a menos de uma hora de comboio de Veneza, é atualmente utilizada
por milhões de turistas como base para visitar a cidade dos doges. Dormem em
Ravena, que é muito mais económico, e deslocam-se de comboio para Veneza que,
infelizmente, se transformou numa espécie de Disneyland turística.
Nas suas deslocações por Ravena, talvez avistem umas igrejas antigas, que
provavelmente não lhes despertarão muita curiosidade. Mas fazem mal e não sabem
o que perdem!
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O exterior do Batistério Neoniano |
A cidade de Ravena cresceu no meio de pântanos e foi o vizinho porto de
Classe que lhe garantiu alguma proeminência. É no século V que o imperador do
Império Romano do Ocidente transfere para Ravena a sua capital e a cidade
transforma-se no símbolo dessa época de confusão e decadência. Tal como o resto
da Europa, a Itália sofria ataques e invasões dos povos germânicos, a que os
Romanos chamavam bárbaros.
Uma mulher simbolizou bem esse choque entre o norte bárbaro e o sul
romano, um choque violento e gradual do qual haveria de emergir outra Europa, a
dos tempos medievais. Essa mulher foi Gala Placídia. Era filha do imperador
Teodósio o Grande e foi capturada por Alarico, rei dos Visigodos, quando estes
invadiram Itália. Gala Placídia foi obrigada a casar com Ataulfo, o filho de
Alarico. Depois da morte deste, a princesa foge para Constantinopla e é casada
com o general Constante, do qual tem um filho que será, ele próprio, imperador
do Império Romano do Ocidente, Valentiniano III. Esta mulher de destino incerto
mas caráter enérgico, de rosto tranquilo mas espírito forte, fascina-me e é com
emoção que visito o seu Mausoléu, um dos monumentos mais belos de Ravena.
Gala Placídia faleceu em Roma e não está no Mausoléu que lhe foi
consagrado. Mas lá está o grande sarcófago que lhe estava destinado, tal como os
do seu marido Constante e do seu filho Valentiniano III.
A tradição dos mosaicos romanos nunca se tinha perdido e refinava-se, no
século V, sob o efeito da espiritualidade cristã. Os tetos e as paredes do
Mausoléu de Gala Placídia retratam cenas do Antigo e do Novo Testamento,
debaixo de uma abóbada celeste de um azul esplendoroso.
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O céu estrelado no teto do mausoléu de Gala Placídia |
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A maravilhosa decoração das capelas laterais |
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A cena do Bom Pastor encima a porta de entrada |
É da mesma época o Batistério Neoniano ou Ortodoxo. Visito-o fascinada.
As figuras dos apóstolos e dos evangelistas rodeiam a cena do próprio Batismo
de Cristo. As expressões sérias e vividas das figuras são adoçadas pelas cores
dos milhares de pequenos mosaicos que os compõem Os brancos e os dourados, os
verdes, azuis e vermelhos, entrelaçam-se em motivos florais, geométricos e
figurativos, e atraem o nosso olhar para cima, abrindo-o ao mundo celeste.
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Os doze apóstolos povoam a cúpula do Batistério Neoniano |
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Os profetas preenchem os arcos |
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No centro da cúpula, o Batismo de Cristo |
Sento-me com o olhar perdido nas figuras que me observam do teto e
imagino a emoção e o deslumbramento daqueles que ali entravam, há mil e
quinhentos anos atrás. Como o mundo celeste lhes devia parecer brilhante e atrativo,
em comparação com o seu mundo de inseguranças e terrores!...
Entretanto, a Itália continuava a ferro e fogo. O Império Romano do
Ocidente cai em 476 e as invasões sucedem-se. Teodorico, rei dos Ostrogodos,
instala-se em Ravena e aí constrói o seu palácio, o Batistério Ariano, a capela
episcopal e a maravilhosa igreja de Santo Apolinario Nuovo.
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A representação dos Reis Magos na parede de Sant' Apollinare Nuovo |
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O cortejo das santas e virgens... |
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No topo, as cenas da vida de Cristo |
Os mosaicos cobrem as paredes, desenhando longas procissões de virgens e
santos, de um lado os homens e do outro as mulheres. Acima, a vida de Cristo
desdobra-se frente aos nossos olhos, naquela que é a primeira representação
sequencial conhecida.
Ao fundo da igreja, no entanto, já nos aparece a figura de Justiniano,
imperador do Império Romano do Oriente e último grande governante de Ravena. É
dessa época de domínio bizantino que data a magnífica catedral de S. Vitale.
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A Catedral de S. Vitale |
Em S. Vitale, o imperador Justiniano e a imperatriz Teodora ocupam o
lugar de honra, no altar-mor, ao lado do representante do poder religioso. Mas
essa afirmação do poder terreno deixa muito espaço para as representações
religiosas ou simplesmente decorativas que cobrem o espaço.
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O magnífico interior de S. Vitale |
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O Imperador e o Bispo partilham o altar-mor |
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As cenas religiosas construídas com os minúsculos mosaicos preenchem as paredes |
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Teodora e o seu séquito |
Os interiores destes monumentos, com toda esta riqueza decorativa, esta
mestria figurativa e simbólica, este esplendor cromático, contrastam com os
exteriores simples, escuros, de tijolo queimado pelos séculos, enganando os
mais incautos.
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Há 97 aves diferentes no teto da Capela Episcopal de Sant'Andrea |
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Aqui, os mosaicos criam as figuras dos quatro evangelistas e dos seus símbolos |
Quando saía de S. Vitale, um casal de meia-idade avaliava a entrada: oito
euros pelo bilhete? Será que vale a pena? Ah! Se calhar não, vamos só tirar uma
foto exterior ao monumento! Apeteceu-me correr atrás deles e gritar: “Não façam
isso! Entrem! Vão perder um tesouro, uma maravilha!...” Mas fiquei quieta e
deixei-os ir embora. É o que acontece a quem vai visitar um lugar sem se
informar do que de mais belo ali pode encontrar!
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A toponímia das ruas de Ravena continua a ter como referência os mosaicos maravilhosos dos seus monumentos |