|
O rio Drina, na Bósnia |
Falar dos
Balcãs é uma abstração. Em primeiro lugar, porque a palavra denomina uma cadeia
de montanhas e foi abusivamente estendida a toda a península. Não por má
intenção ou desprezo, mas por pura ignorância. No século XVIII, era uma região
distante e estranha, dominada pelos Turcos Otomanos, que os Europeus mal
conheciam ou pensavam apenas em termos estereotipados. Em segundo lugar, porque
a palavra leva ao engano. Dar um nome significa referir uma unidade e, se há
conceito que não pode aplicar-se aos Balcãs é “unidade”. A sensação que sobra
de uma visita mais ou menos alargada é a de um conjunto de territórios,
intrincadamente enredados uns nos outros, mas com referências muito diferentes,
em termos culturais, linguísticos, religiosos. Também não há verdadeiramente
multiculturalismo, mas sim choques, mal entendidos e fraturas.
|
A grande catedral de S. Sava, em Belgrado |
Belgrado é
uma bela cidade, europeia em todos os aspetos, menos alguns pormenores que
afloram de uma história que corre, subterrânea. O passado turco parece
propositadamente esquecido, ofuscado pela independência sérvia e por uma forte
e evidente fé ortodoxa. Já em Niš, no sul da Sérvia, essa herança turca é
acarinhada e são esses espaços que se mantêm como espaços privilegiados de
convivialidade.
|
Esplanadas dentro da velha fortaleza turca, em Niš
|
Sarajevo, a
capital da Bósnia, parece ser o melhor exemplo de convivialidade
interreligiosa. No espaço de 200 metros, encontramos duas mesquitas, uma
catedral ortodoxa, outra católica e uma sinagoga. Ao longo dos séculos, estas
fés partilharam o espaço, mas as marcas dos bombardeamentos e do cerco dos anos
90 do século XX mostram-nos que o convívio pacífico não passava de uma capa que
ocultava tensões profundas.
|
A Sarajevo muçulmana |
Hoje, Sarajevo é uma cidade aberta, muito
turística, mas com uma presença muçulmana muito vincada e evidente. Acontece o
mesmo por quase toda a Bósnia, onde cada aldeia ostenta um alto minarete, como
que a tomar posse do espaço.
|
Um minarete em cada aldeia |
Há zonas de
transição religiosa, que parecem marcar toda a Bósnia. Aí, uma alta cruz no
cimo dos montes tenta sobrepor-se aos minaretes das aldeias. Não é por acaso
que Medjugorge, na transição da Bósnia muçulmana para a católica, se tornou um
enorme local de peregrinação, com um santuário a marcar o lugar das mais
recentes aparições da Nossa Senhora.
|
O Santuário mariano de Medjugorge |
O mesmo
fenómeno ocorre com a escrita. Se a língua é o servo-croata, aparentada em toda
a região, o alfabeto varia, entre o alfabeto latino e o cirílico. E não só
varia, como transmite emoções. Na Sérvia profunda, quase todas as comunicações
e informações escritas estão em cirílico, mas na maior parte dos locais
encontram-se nas duas versões. No entanto, à medida que nos vamos afastando da
Sérvia, as inscrições em cirílico vão sendo substituídas pelas latinas, por
vezes de forma ostensiva, apagando ou grafitando as anteriores. As consequências
das guerras fazem-se sentir de muitas maneiras…
|
Uma fonte, no sul da Sérvia, com as inscrições em cirílico |
Os Balcãs
são uma região composta de várias regiões, que caminham olhando em sentidos
contrários. Países como a Croácia (que já pertence à União Europeia) e o
Montenegro, olham em frente, caminham em direção ao futuro, com dinamismo e
estratégia. Apostam no turismo, mas não apenas nas praias. Há uma oferta
diversificada, que passa pelas praias, mas também pelo turismo de natureza,
montanhismo, turismo cultural. Há muita coisa interessante para descobrir e eu
tenho de confessar que o Montenegro foi a melhor descoberta; é uma jóia ainda
por desbastar, mas caminha em frente.
|
Sveti Stefan, na costa do Montenegro |
Já a Sérvia
parece caminhar arrastando os pés, sempre a olhar para o passado. Centro da
antiga Jugoslávia, parece ter parado e desistido, algures entre os anos 80 e os
anos 90. O desmembramento dessa potência regional, de que Belgrado era a
capital e o centro vital, mantém o país numa espécie de letargia e de
indefinição.
|
O Danúbio, visto da fortaleza de Petrovaradin |
Fora da capital, o turismo é pouco e de âmbito regional, mesmo nas
magníficas fortalezas que guardam o Danúbio, ou nos preciosos mosteiros
ortodoxos, ou nas chamadas Portas de Ferro.
|
As Portas de Ferro |
Há lixo (embora esse seja um
denominador comum a toda a região) e grandes estruturas industriais
abandonadas. As pessoas são simpáticas e prestáveis, mas poucas falam inglês. E
há uma nostalgia no ar…
|
Entrada do mosteiro ortodoxo de Sopocani, na Sérvia |
Na sala de
jantar do belo Hotel Majestic, em Belgrado, há um grande retrato de Lenine. O
jornal do hotel refere que muitos turistas tiram fotografias junto do retrato,
e explica que certamente as pessoas o fazem porque admiram as ideias do líder
comunista. Também tiramos umas fotos ao
lado de Lenine, embora não explique ao criado que o fazemos porque ele é um
ícone, embora totalmente anacrónico nos dias que correm.
Sem comentários:
Enviar um comentário