Como todos os locais onde se cruzam culturas diferentes, encontramos na Sícilia vestígios culturais muito interessantes e originais, que trazem para o presente influências de tempos antigos, às vezes já tão adulterados que custam a reconhecer. E assim se tornam um património diferenciado e original. É o caso da Opera dei Pupi, ou, traduzindo, a Ópera das Marionetas.
Todos nos lembramos das marionetas, ou Robertos, do tempo da
nossa infância. Mal ouvíamos o anúncio, corríamos pela praia ou pelo jardim
fora, para, sentados no chão, em semicírculo à volta da barraquinha, nos
deliciarmos e rirmos a bandeiras despregadas com as aventuras dos bonecos.
Havia sempre um casal que se zangava, um ladrão, e um polícia que acabava a bater
em toda a gente…
Experimentamos o mesmo encantamento quase infantil em
Palermo, na célebre Opera dei Pupi. Não estamos num jardim, mas dentro de casas
preparadas especialmente para o espetáculo. Há bancadas corridas, de madeira,
onde os espectadores se sentam. Somos recebidos pelos donos, que também são os
construtores e manipuladores dos bonecos. Percebo que eles gostam de falar da
sua arte. Há cartazes mostrando as fases de construção de um boneco, e os donos
respondem, satisfeitos, a todas as nossas dúvidas e curiosidades. Hoje, é uma
arte familiar: são três ou quatro famílias que repartem entre si o “know how” e
a produção dos espectáculos. Aqui, temos os avós, os filhos, um neto…
O espectáculo começa e prende-nos durante uma hora. A
história vem de tempos quase imemoriais, da época em que Carlos Magno combatia
os sarracenos no norte do Mediterrânio. Percebe-se que é uma adaptação popular do
“Orlando Furioso”, a obra de Ariosto, depois popularizada em algumas óperas. Os
bonecos são fantásticos, de grandes dimensões, vestidos a rigor, com cores
vivas. Lá aparece Carlos Magno, os cavaleiros Orlando e Ruggiero, a bela
Angélica, os guerreiros sarracenos. Tal como com os Robertos da nossa infância,
damos por nós a rir com os beijos repenicados de Angélica, ou com o dragão que
bate os dentes de medo.
Batemos palmas, bebemos um cálice de Marsala com os donos do
teatrinho. E percebemos porque é que a Opera dei Pupi foi classificada pela
Unesco como “Obra-prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade”. Quando
saímos, o encantamento é o mesmo da nossa infância.
(Fotografias de Teresa Diniz)
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