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Junto à barragem de Assuão encontram-se tesouros, como Philae e Abu Simbel |
Nos anos 60, o governo egípcio decidiu construir uma grande
barragem na zona de Assuão, onde já existia uma pequena barragem construída
pelos britânicos no século XIX. O Nilo era um rio caprichoso, que aumentava ou
diminuía o seu caudal consoante as chuvas que recolhia lá muito para sul, junto
das suas nascentes. O rio era a chave da prosperidade egípcia, mas também podia
ser o seu carrasco, em anos de seca.
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No cais de embarque |
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Chegada à ilha de Philae |
Sempre houve tentativas para domesticar o Nilo. A construção
da barragem garantiu esse controlo, a par com um fornecimento de energia
elétrica quase ilimitado. E assim nasceu o grande Lago Nasser, como foi
batizado pelos egípcios.
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O Quiosque de Trajano |
E é do meio desse grande lago, equilibrado entre o azul das
águas e o azul violento do céu do deserto, que emerge o complexo de templos de
Philae. Como uma visão encantada, irreal! A ilha em que repousa é totalmente
artificial. Philae afundava-se lentamente, submergida pelas águas do lago, que
cresciam alimentadas pela grande barragem. Foi preciso construir uma ilha
idêntica à original e transportar para lá, ordenadamente, cada bloco de pedra,
cada degrau, cada coluna. Que trabalho extraordinário!
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A caminho dos grandes pilones que marcam a entrada do templo |
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Colunas com a deusa Hathor |
Agora, aí está Philae, revigorada e deslumbrante! Este
complexo de templos já foi construído em tempos romanos, por isso encontramos
lado a lado um templo dedicado a Hathor e outro dedicado a Augusto. Já para não
falar do Quiosque de Trajano... Por isso também, podemos apreciar a delicadeza
das colunas que conjugam os motivos egícios com a influência clássica. Ou assim
me pareceu...
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Os belos capitéis da colunata |
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As asas protetoras de Isis |
O templo mais imponente é dedicado à deusa Isis que, segundo
o mito, aqui se teria refugiado para reconstruir o corpo do marido, Osíris. As
salas e os pátios sucedem-se. Percorremos as colunatas. Descemos os degraus que
levam ao lago. Todo o conjunto é belíssimo e harmonioso.
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Sucedem-se as cenas simbólicas gravadas na pedra |
O Professor Luis Araújo, que nos guia nestas descobertas,
leva um saco de ração para alimentar os gatinhos de Philae. Porque há que
reverenciar o passado e cuidar do presente...
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Os gatinhos da Philae vão apreciar a lembrança |
Mas nada consegue preparar-nos para Abu Simbel. Podemos já
ter visto imagens e documentários sobre este templo, mas quando ali chegamos e
nos deparamos com aquelas figuras esmagadoramente grandes, ficamos tão
estarrecidos como um pobre camponês da Núbia, face ao poder evidenciado pelo
faraó egípcio!
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Abu Simbel ao amanhecer |
Chegámos a Abu Simbel de madrugada, quando o sol começa a
levantar-se sobre o enorme Lago Nasser. A luz doirada cresce sobre as águas e
ilumina as figuras que encaram o lago. Aí está Ramsés II, ladeado pelos três
grandes deuses do reino, Amon, Ré Horakti e Ptah. As estátuas são colossais:
têm cerca de 22 metros de altura! O que pretenderia Ramsés II com esta
representação? Claramente, pretendia afirmar a grandeza do poder egípcio, nessa
província tão a sul, tão distante do centro político do império. Mas também é
evidente que se quer apresentar como uma divindade de estatuto idêntico ao dos
deuses que o acompanham. Temos de lhe perdoar esta fraqueza, tinha pouco mais
de quinze anos quando mandou construir este extraordinário templo de Abu
Simbel.
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Deuses e faraós guardam a entrada do templo |
Ramsés II é talvez o faraó mais conhecido das longas
dinastias dos vários impérios egípcios. É um faraó singular. Morreu com mais de
90 anos, deixando também mais de 90 filhos e filhas (algumas das quais ocuparam
o cargo de “Grande Esposa Real”). Era um grande chefe militar e um grande
propagandista. Mandou gravar por todo o reino a sua imagem como grande vencedor
da batalha de Kadesh, contra os Hititas, embora ainda hoje se discuta sobre a
veracidade dessa vitória. Mas Ramsés sabia que uma imagem vale mais do que 1000
palavras...
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Ramsés enquanto faraó vitorioso... |
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... e os povos núbios subjugados. |
Em Abu Simbel, o poder da imagem também é utilizado: a imagem
do rei divinizado é repetida até à exaustão.
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Hórus, enquanto representação simbólica do faraó |
Abu Simbel é o maior templo rupestre do Egipto, avançando por
60 metros dentro da montanha. Engloba duas salas com pilares – estátuas e vai
diminuindo através de um corredor com imagens gravadas e pintadas, até uma
espécie de gruta, o santuário interior. Aí estão novamente os 4 deuses do
templo, entre os quais o próprio Ramsés II, iluminado pelos raios do sol
nascente a cada equinócio.
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O corredor ladeado de estátuas |
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O santuário interior |
Há um segundo templo mais pequeno, situado a norte, dedicado à rainha Nefertari, aqui equiparada à deusa Hathor.
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O templo da rainha Nefertari |
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Nefertari com a deusa Hathor |
Ambos os templos de Abu Simbel foram salvos das águas do Lago
Nasser entre 1964 e 1968. Num projeto internacional liderado pela UNESCO, os
dois templos foram cortados em blocos e transferidos para um local mais elevado
nas margens do lago, salvando-os da destruição. E aí continuam, como símbolos
da grandeza do Egipto faraónico, dos sonhos de Ramsés II, e do engenho e
capacidade técnica dos homens que, mais de 30 séculos depois, os continuam a
olhar com admiração.
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Barcos no Lago Nasser |