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Onde está o farol de Alexandria? |
Pela manhã, quando se vê Alexandria ao longe, refletida no
lago Mareótis, surge-nos como uma imagem quase feérica. Nada mais falso!...
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Alexandria refletida nas águas do lago Mareótis |
Quando penetramos no âmago da cidade, o que se revela é o lado caótico e degradado. Mesmo na bela “corniche”, a avenida marginal que corre ao lado do mar mediterrâneo, a maioria dos prédios mostra que os tempos do esplendor já lá vão há muito... Há ainda belas fachadas, mas todas mostram sinais de degradação.
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A corniche, a bela avenida marginal de Alexandria |
Muitos edifícios parecem abandonados. Há pedaços de
cimento a cair, bocados de janelas ou varandas que faltam e ninguém parece
preocupado com reparações. Por toda a zona central da cidade, há espaços onde
os edifícios caíram em ruínas e hoje estão apenas ocupados por entulho e lixo,
muito lixo.
Mas nem toda a gente se afadiga com qualquer coisa. Há os
que, logo pela manhã, se recostam nos cafés, a bebericar o café turco mas,
principalmente, a fumar os seus narguilés. Meia dúzia de cadeiras à volta de
uma mesa ou um divã coberto com uma manta velha bastam para umas horas de
tranquilo esquecimento do mundo.
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A coluna de Pompeu |
Alexandria foi fundada por Alexandre Magno, é um produto
helenístico, por isso nada aqui se encontra do que se espera encontrar no
Egito: os vestígios do esplendor faraónico. Mas teve os seus tempos de glória,
quando chegou a ser a maior cidade do mundo antigo. Deles, pouco resta. Uma
coluna de Pompeu, que não foi construída por Pompeu. Uma Agulha de Cleópatra,
que afinal era um obelisco e nada tinha a ver com Cleópatra. Um farol
magnífico, uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, do qual só resta a base, integrada
numa fortificação turca, a fortaleza de Qait Bey.
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A fortaleza de Qait Bey, ou o que resta do Farol de Alexandria |
E a grande biblioteca, o maior centro de saber do mundo antigo, diligentemente destruída pelo tempo e pelos incêndios, com o auxílio dos fanáticos cristãos ou muçulmanos. Uma nova biblioteca ergue-se no lugar da antiga. É um edifício esplêndido, concebido e construído por um consórcio de arquitetos noruegueses. Assemelha-se a um disco voador, mas está repleta de símbolos do conhecimento. No largo fronteiro, uma velha estátua que dizem representar Demétrio de Falera, o homem que concebeu este grande centro de produção e armazenamento de conhecimento, nos tempos de Ptolomeu I.
Penetro na nova Biblioteca de Alexandria com reverência. O
espaço é amplo e agradável, segmentado por áreas de conhecimento, tal como o
concebeu Calímaco, o seu organizador. Muitos países contribuíram para o acervo
da Biblioteca, no nosso caso foi a Fundação Calouste Gulbenkian que para ali
levou os Camões e os Fernandos Pessoas, como seria de esperar.
Tento encontrar as obras portuguesas, mas não é tarefa fácil e distraio-me a observar os frequentadores. Há jovens espalhados pelas mesas, a ler ou simplesmente a manusear os telemóveis. Procuro aproximar-me, para ver o que estão a estudar. Há uma rapariga que me olha sorridente, com as mãos pousadas sobre um grande maço de apontamentos. Pergunto-lhe “What are you studying?” mas ela não compreende e mostra-me os apontamentos, em caligrafia árabe. Agora, sou eu que não compreendo. Na mesa ao lado, o sorriso rasgado de um rapaz, que vim a saber ser professor de árabe. “Where are you from?” A eterna pergunta, mil vezes ouvida e repetida, na tentativa de compreender um pouco o outro, integrando-o num ponto identificável no espaço. Nós somos assim, gostamos de conhecer os outros, dar de nós e aprender com o que nos rodeia. Assim os seres humanos como as civilizações...
Um local interessante na cidade de Alexandria são as
catacumbas de Kom Chukafa. Datam dos tempos greco-romanos e aí os cristãos
fizeram as suas cerimónias de culto e as suas inumações. Durante centenas de
anos. Mas o passado e as suas formas de adoração teimam em permanecer,
agregando símbolos, criando novos significados, prolongando o passado no
presente. Ali nas catacumbas, continuam a aparecer as imagens dos velhos deuses
egípcios, por vezes em sincretismos inesperados. É o caso de uma escultura do deus
Sobek, com um saiote de legionário romano!
Almoçámos no restaurante San Giovanni, ao lado de uma
movimentada praia na corniche. Os banhistas sentam-se em cadeiras de plástico
brancas, de esplanada, debaixo de guarda-sóis amarelos. As crianças brincam,
como em todo o lado, entre a areia e as ondas suaves do mar. As mulheres também
vão à água, cobertas da cabeça aos pés. Elas
conversam e riem, mas nada mais se consegue destrinçar. Tal como a cidade, elas
também não são para ver de perto.
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Uma praia na corniche |