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Marselha e a basílica de Notre Dame de la Garde vistas do topo do Chateau d'If |
Marselha
é a cidade mais antiga de França. Foi fundada pelos gregos que lhe chamaram
Massilia há 2600 anos, mais coisa menos coisa. Capital da Provença, hoje é a
segunda cidade mais populosa de França, logo a seguir a Paris, e o seu clube de
futebol é o que junta mais adeptos! E, todavia, não é um destino turístico dos
mais óbvios, dentro da França. Colou-se-lhe o rótulo de cidade perigosa, do
crime organizado, com muitos bairros problemáticos. Um pouco como Nápoles...
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A grandiosa escadaria que leva à estação dos Caminhos de Ferro, a Gare Saint Charles. Vestígios de tempos mais prósperos...
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Memorial aos soldados mortos nas guerras do Ultramar
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A Câmara Municipal de Marselha |
Nestas
questões, como em muitas outras, há que relativizar a informação e agir com
sensatez e precaução. É sensato evitar os subúrbios e, se calhar, não é o
destino turístico mais adequado para quem quer curtir a noite. Mas tendo os
cuidados normais de segurança, não há nenhuma razão que nos impeça de visitar esta
cidade que nos oferece uma história fascinante, desdobrada em muitas histórias
e muitos locais. Basta lembrarmos que foi aqui que nasceu o hino “A
Marselhesa”, para sempre associado à defesa dos valores que ainda hoje nos
regem, a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade.
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O Memorial da Marselhesa é um pequeno museu, que está em obras |
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O porto, à noite... |
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La Canebière, à noite |
O
coração da cidade é o Porto Velho, o Vieux
Port, onde os gregos lançaram
âncora há tantos séculos atrás. É uma ampla enseada natural, protegida dos maus
humores marítimos pelas ilhas do arquipélago do Friul. As ruas principais ali
vão desembocar, como La Canebière,
a rua principal, mais larga e mais
comercial. Mas à volta do Porto Velho, nas docas assim como nas ruas que
rodeiam o porto, a animação não pára. Há bares e restaurantes para todos os
gostos. Ali se pode experimentar o prato típico marselhês, a bouillabaisse, uma espécie de caldeirada. E os peixes para a bouillabaisse podem-se comprar mesmo ali, no porto velho, no mercado tradicional que
anima todas as manhãs a beira do cais.
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A bouillabaisse |
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O tradicional mercado do peixe |
A vida da cidade flui para o velho porto, tudo ali
acontece. É ali que as pessoas se juntam, para tratar de negócios ou para
festejar. Quando estivemos em Marselha, a seleção de futebol de Marrocos tinha
ganho um jogo importante e a numerosa comunidade de imigrantes magrebinos
festejava o acontecimento debaixo de uma grande pala espelhada junto ao cais. O
efeito era fantástico: o grande espelho sobre a multidão refletia e
multiplicava os festejos, já de si ruidosos e coloridos.
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A pála espelhada multiplica a festa |
O Vieux Port é tão grande e com tantos barcos, de todos os
feitios, que pode passar despercebido o velho ferry que cruza o porto a
todas as meias horas. Por 50 cêntimos poupam-se os muitos passos necessários
para rodear o cais...
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O ferry que cruza o porto a cada meia hora |
Do lado esquerdo de quem olha a cidade a partir do mar, fica o
bairro mais antigo da cidade, Le Panier, de ruelas estreitas e casas antigas que sobem a
colina. Um dos edifícios mais notáveis é uma casa coberta de pedras talhadas em
ponta de diamante, uma espécie de Casa dos Bicos. Onde é que eu já vi isto?
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Mais uma Casa dos Bicos? |
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A basílica de Notre Dame de la Garde vista do bairro Le Panier |
A entrada do porto é fechada por dois fortes, Saint-Nicholas
e Saint-Jean, que podiam facilmente proteger a cidade de ataques inimigos.
Acima do forte Saint-Nicholas destaca-se o imponente Palais du Phare, mandado
construir por Napoleão que, no entanto, nunca aí passou uma noite.
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O grande Palais du Phare |
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O Palais du Phare com a entrada do porto |
Do outro lado, o forte Saint-Jean está hoje
integrado no grande Museu das Civilizações do Mediterrâneo, o MUCEM, um espaço
museológico enorme e moderníssimo que, no entanto, mergulha as raízes no
passado, nas ligações que cruzam o Mediterrâneo e entrelaçam as suas tradições
e formas de vida milenares. É impossível ir a Marselha e ficar indiferente ao
MUCEM, seja pela arquitetura arrojada, seja pelas exposições e pelo próprio
espaço.
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Entrada do MUCEM pelo Fort Saint Jean |
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O cubo de malha de betão que alberga as exposições permanentes |
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De dentro para fora... |
As ilhas do arquipélago do Friul são interessantes
e visitáveis, especialmente para os que gostam de turismo de natureza. Mas há
uma ilha especial, a que alberga a velha prisão onde Alexandre Dumas colocou a
intriga do seu Conde de Monte Cristo, o Chateau d’If. Há barcos que a todas as
horas fazem a ligação entre o porto e a Ilha d’If. Aparentemente, esta espécie
de turismo carcerário tem muitos adeptos, desde o século XIX. Gostei de visitar
o pequeno castelo-prisão. Mas, mais uma vez, fascinou-me a forma como a
literatura toma posse dos lugares e os transfigura. Nunca existiu um Conde de
Monte-Cristo, a não ser na imaginação de Dumas, mas pode-se visitar a cela onde
ele terá estado preso, com direito a uma pequena tabuleta identificativa.
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A ilha d'If |
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A fortaleza-prisão |
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O pátio central da fortaleza |
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Entrada da cela dita de Edmond Dantès |
A bordo do barco que faz a ligação com a ilha d’If,
o nosso olhar não pode deixar de ser atraído pela enorme figura de Notre Dame
de la Garde. Situada na colina sobre Marselha, a basílica coroada por uma
estátua monumental da Virgem Maria com o Menino é como um íman: visível de
todos os lados, é a figura tutelar da cidade. Mas é preciso subir até à
basílica para entendermos bem essa ligação com a cidade. A grande figura
dourada da Virgem segurando o Menino Jesus está colocada num pedestal sobre a
basílica. Dos seus terraços, tem-se uma vista panorâmica maravilhosa, desde as
ilhas do Friul, passando por toda a cidade de Marselha, até aos contrafortes
dos Alpes Marítimos.
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Notre Dame de la Garde, vista do porto |
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As ilhas do arquipélago do Friul, vistas da esplanada da basílica |
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Memorial aos missionários |
A basílica de Notre Dame de la Garde, chamada pelos
marselheses de bonne mère, foi construída apenas no século XIX, numa colina
onde já existiam várias capelas e um posto de vigia. De estilo neobizantino, mostra
uma sucessão de cúpulas, frescos, mosaicos coloridos e pedras policromadas, mas
talvez o mais interessante sejam os inúmeros elementos marítimos e ex-votos aí deixados pelos
marinheiros de Marselha.
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Subindo para a basílica de Notre Dame de la Garde |
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Vista lateral da basílica |
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O interior, mármores e mosaicos |
Também de estilo neobizantino, a imponente Catedral
de Marselha marca a zona ribeirinha. É formada por duas igrejas que foram
sobrepostas. A velha igreja do século IV, reconstruída nos séculos XI e XII
depois dos ataques sarracenos, foi ampliada no século XIX, por ordem de
Napoleão III. Na vasta esplanada que a rodeia, há uma estátua de Monseigneur de
Belsunce, que nos recorda o período da Grande Peste de 1720, a última grande
epidemia a assolar a Europa, pelo menos até ao século XX...
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A catedral neobizantina de Marselha |
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A catedral vista do Fort Saint Jean |
Nessa altura terrível, os barcos eram deixados ao
abandono, ao largo da cidade, cheios de mercadorias preciosas que ninguém
queria e de doentes de peste de que todos temiam o contágio. Hoje, os barcos de
migrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo também deixam um rasto de morte.
Marselha, uma cidade feita por migrantes, construída sobre o comércio
mediterrânico, mostra-nos que o caminho pode ser outro, porque é mais o que nos
une do que o que nos separa.
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Não há como não amar Marselha! |