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Uma das graciosas entradas da Gare de l'Est |
Tenho
uma enorme atração por estações de caminhos de ferro. São monumentos
extraordinários. Tal como as catedrais da Idade Média exprimiam a religiosidade
e o fervor da população, as grandes estações de caminhos de ferro também
traduzem os sentimentos e as aspirações de uma época. A maioria das grandes
estações foi construída entre o final do século XIX e a primeira metade do
século XX. São enormes estruturas de ferro e vidro que contam os avanços
tecnológicos do tempo e refletem a crença no progresso e nas capacidades do ser
humano, em especial o europeu. É o homem europeu que olha para as suas
realizações e se deleita com elas.
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Pormenor do trabalho do ferro na Gare d'Austerlitz |
As
grandes estações servem os comboios, esses símbolos da era industrial. Pela
primeira vez, o homem podia deslocar-se através de uma força motriz criada por
ele próprio. Já não estava dependente da força dos animais, ou do vento, ou da
água. É claro para nós, hoje, que os custos ambientais foram enormes, mas como
podia isso ser preocupante para o homem do início da era industrial, inebriado
pelo seu próprio sucesso?
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Ponte ferroviária sobre o rio Sena |
O
comboio não tardará a ser ultrapassado pelo automóvel e pelo avião mas, pelo
menos para mim, uma viagem de comboio mantém um encanto e um ritmo próprios,
que não foram substituídos. As grandes estações de caminhos de ferro
mantiveram-se como monumentos às realizações tecnológicas e à sensibilidade de
uma época.
Paris,
centro do mundo civilizado no início da século XX, capital da Belle Époque,
cadinho de experiências artísticas e sociais, reproduz, nas suas estações, um
mundo desaparecido.
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O elegante campanário da Gare de Lyon |
Inaugurada
em 1900, na época da Grande Exposition, a Gare de Lyon é muito mais do que uma
estação. É criada para ligar o norte ao sul do país, de Calais a Marselha,
passando por Paris e Lyon. Muitos dos que a utilizam são famílias inglesas que
descem para a Côte d’Azur para escapar às chuvas inglesas. A Gare de Lyon
mostra-lhes o melhor de França. Os bronzes esculpidos das escadarias. A grande
torre do relógio, a fazer lembrar o Big Ben. Os estuques das paredes e os
lustres. Os frescos e pinturas, que são como postais ilustrados da Paris da
Belle Époque. Quando ali passei, em maio de 2022, muitos espaços estavam
cobertos com tapumes, em remodelação. Mas, com a entrada um pouco escondida, na
Gare 1, ainda se encontra a entrada para o “Train Bleu”. O salão restaurante é
particularmente requintado, com o seu tom Art Deco. Ainda hoje se pode tomar aí
uma refeição ou, pelo menos, o cocktail “Train Bleu”, que relembra o célebre
comboio que levava os burgueses endinheirados para as paragens soalheiras do
sul. O mesmo “Train Bleu” imortalizado no romance de Agatha Christie, onde
Poirot desvenda mais um crime.
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O requintado "Train Bleu", retrato de uma época |
Hoje,
a Gare de Lyon continua a movimentar milhares de pessoas diariamente. A estação
modernizou-se, mas as plataformas e escadas rolantes, as máquinas e terminais
eletrónicos, a entrada e saída dos TGV, não conseguem esconder a beleza e a
magia da velha estação. Para quem quiser ver, é claro!
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Pinturas dos locais turísticos franceses, sobre as bilheteiras |
As
outras estações de Paris têm histórias igualmente ricas, ligadas à arte e à
sociedade da época que as viu nascer.
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Partidas e despedidas num quadro no átrio da Gare de l'Est |
A
Gare du Nord, construída pelo barão de Rothschild, já mal ecoa os bailes que
ali se realizavam. As estátuas que ornamentam a sua frontaria representam
as cidades com as quais fazia ligação, como Bruxelas ou Colónia. Hoje, é a
estação ferroviária europeia que movimenta um maior número de passageiros por
ano. Aí chega o Eurostar, que passa sob o Canal da Mancha, ligando Londres à
Europa Continental.
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A frontaria da Gare du Nord |
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A estação europeia com maior movimento de passageiros |
A
Gare de Montparnasse também esconde segredos. Ali, atrás do balcão de uma
pequena loja de doces e brinquedos de lata, trabalhou e sonhou Georges Meliès.
Quem sabe se não foram os grandes comboios resfolegantes que o inspiraram, na
criação fantástica dos primeiros filmes de ficção científica que contam viagens
à Lua e ao Sol? Já pouco resta dessa época. A Gare de Montparnasse é a mais
moderna das gares de Paris.
Quanto
à Gare de St. Lazare, influenciou seguramente Claude Monet, que a pintou vezes
sem conta, tentando apanhar a cor e a luz, sempre mutável, quando os comboios
entravam e espalhavam o seu fumo sob os telhados de vidro.
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A chegada de um comboio à Gare de San Lazare, Claude Monet |
A
Gare de l’Est, uma das mais antigas de Paris, conta histórias tristes, de
deportações e partidas dolorosas. Ainda hoje guarda as memórias dos soldados
que dali partiram para a frente de batalha, na 1.ª Guerra Mundial, assim como
dos muitos franceses que ali foram embarcados para o leste, durante a 2.ª
Guerra Mundial: muitos trabalhadores forçados e tantos outros levados para os
campos de concentração do Leste, dos quais poucos regressaram. Prefiro olhá-la
como o local de partida desse ícone das viagens ferroviárias, o Expresso do
Oriente!
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Memoriais dolorosos na Gare de l'Est |
Das
grandes estações de caminhos de ferro de Paris, uma foi inativada. É a Gare du
Quai d’Orsay, transformada num museu magnífico, onde se reuniram as obras dos artistas
franceses da segunda métade do século XIX e início do século XX. Com a sua bela
fachada virada para o rio Sena, recheada com as obras artísticas da época de
ouro dos comboios a vapor, a Gare du Quai d’Orsay continua a ser um monumento
de exaltação de uma época única da história europeia: a era industrial.
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A antiga Gare du Quai d'Orsay, da linha Paris-Orleans, hoje transformada num museu |