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O Castelo de Ponferrada |
Quer acreditemos ou não que o túmulo descoberto nos confins
da Ibéria no século IX continha mesmo os restos mortais do apóstolo Santiago
Maior, para ali transportado numa barca de pedra depois de ter sido decapitado
em Jerusalém, pouco importa... O facto inegável é que essa descoberta deu origem
à Rota Jacobeia, ou Caminho de Santiago, a peregrinação mais importante da
Europa medieval. Mais significativa para o crente, só a peregrinação aos
centros do Cristianismo, Roma ou Jerusalém. Mas essas peregrinações
esgotavam-se no local de destino, enquanto na Rota Jacobeia o mais importante
era precisamente o caminho.
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O Castelo de Loarre |
Cada vez mais pessoas percorriam os campos e os caminhos do
norte da Península Ibérica, na direção da Galiza e de Santiago de Compostela. O
caminho semeou-se de ermidas e locais sagrados e povoou-se de lendas e
histórias edificantes, que ajudavam o peregrino no seu percurso em direção a
Compostela e à transcendência de si mesmo.
Todavia, nos séculos X e XI, o norte da Península era um
lugar perigoso, assolado pelos muçulmanos que ocupavam todo o restante
território peninsular. Se, por um lado, a peregrinação era importante como uma
afirmação do Cristianismo face ao Islão, por outro lado, colocava desafios no
que dizia respeito à proteção dos peregrinos. Assim, ao lado das ermidas e
catedrais que pontuam o caminho, cresceram também castelos para garantir a sua
defesa.
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Ao longe, o castelo mal se distingue dos rochedos |
Um dos mais importantes e majestosos é o Castelo de Loarre.
Localizado em Aragão, ainda terra de fronteira com os infiéis, assinalava quase
o início do chamado caminho aragonês, logo à saída dos Pirinéus. A sua silhueta
imponente mistura-se com os maciços rochosos, tornando-o difícil de distinguir
ao longe. E, no entanto, é a maior e mais complexa fortificação românica de
Espanha.
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Dentro do castelo... |
Foi mandado construir pelo rei de Navarra logo no início do
século XI, constituindo-se de imediato como um baluarte defensivo face ao poder
muçulmano. No final do século, funda-se no castelo um mosteiro de monges
agostinhos. Com esta fundação, o castelo é ampliado e há várias campanhas de
obras. Esta junção da esfera militar com a esfera religiosa, torna o edifício
uma estrutura complexa, composta por três andares, ligados por escadas
interiores e exteriores. A função militar e a função religiosa cruzam-se. As
torres de defesa, a sala de armas, os calabouços, são vizinhos das celas dos
monges e das pequenas capelas de Santa Maria e Santa Quitéria. A bela Capela
Real, ou Igreja de São Pedro, é um exemplo do estilo românico no seu apogeu,
desde as finas colunas que rodeiam as janelas até aos capitéis que rematam as
colunas da ábside, decorados com motivos vegetalistas ou fantásticos e cenas da
Bíblia.
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Os nossos capacetes repousam numa das belas janelas do Castelo de Loarre |
E aqui se pôde admirar, durante algum tempo, o próprio Santo
Graal, isto é, a taça que teria recolhido o sangue de Cristo na cruz. É aqui
que a história se mistura com as lendas, com o misticismo popular, com os
símbolos de poder. Juan G. Atienza, no seu livro sobre as lendas do Caminho de
Santiago, traça o itinerário que o dito Cálice teria percorrido, desde as mãos
de S. Pedro, que recolheu o sangue, até ao recém-formado reino de Aragão. Hoje,
como se sabe, repousa alegadamente numa capela da Catedral de Valencia.
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Réplica do Graal que terá andado por terras de Aragão (mosteiro de San Juan de la Peña) |
Não vale confundir este cálice aragonês com o Graal das
lendas arturianas, relacionado com a busca da sabedoria e do
auto-aperfeiçoamento. Como escreve Atienda, aqui em Aragão o mito
“transformou-se numa realidade palpável e acabou por se converter num objeto
devocional por excelência, meta de ideais e versão palpável de um símbolo
universal.”
Se o Castelo de Loarre é o primeiro grande castelo que encontramos
na proteção do Caminho de Santiago, o último localiza-se quase no outro extremo
da península, à entrada da Galiza: é o Castelo de Ponferrada.
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A entrada principal do castelo de Ponferrada |
O nome de Ponferrada parece ter surgido de uma ponte medieval
reforçada com ferros (pons ferrata), construída para benefício dos
peregrinos a caminho de Santiago. E é aí que é construído também o grande
castelo dos Cavaleiros Templários, na sequência da doação feita pelos reis de
Leão à Ordem do Templo, em 1178. Desde o início, o objetivo assumido é a defesa
do Caminho de Santiago.
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O maior torreão do castelo |
Hoje, o castelo que podemos visitar já é seguramente muito
diferente do original. Houve obras de ampliação e reformas até ao século XV e,
em alguns setores, mesmo no século XIX e início do século XX.
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O espaço interior ainda mostra os sinais das campanhas de obras |
A entrada do castelo, através do chamado Portão de Armas,
rodeado de torreões, é imponente e irresistivelmente bonita. Dentro do castelo
funciona o Museo del Bierzo, que expõe a Recuperación del Castillo de
los Templarios. Vale a pena visitar e perceber as vicissitudes por que o espaço
já passou, em especial nos últimos séculos. Depois de ficar quase destruído
durante a Guerra Peninsular, as suas pedras foram utilizadas para outras
construções e até vendidas. Foi utlizado como terreno de cultivo, depois como
clube desportivo. A construção de um campo de futebol no seu interior ajudou à
destruição. Só no final do século XX se restaurou e requalificou o castelo
templário. Talvez por tudo isto, apresenta um certo ar de castelo de desenhos
animados.
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Pátio de Armas recuperado do Castelo de Ponferrada
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Quando visitei o castelo, estava aberta ao público uma grande exposição chamada Templum Libri – As páginas mais belas do conhecimento,
com um conjunto maravilhoso de livros e estampas repletos de iluminuras. Alguns
são réplicas, mas estão indicados como tal e só acrescentam beleza ao conjunto.
Dois castelos, dois estilos, duas histórias. Em comum, o
objetivo de defenderem uma das rotas religiosas mais importantes da Europa, o
Caminho de Santiago.
Também em comum, a chuva que caía quando os visitei: chuva
puxada a vento no Loarre; uma chuvinha miúda em Ponferrada. Em consequência, as
fotografias não ficaram tão bonitas como eu gostaria e não fazem jus a estas
imponentes fortificações. Como sempre, melhor do que ver as fotografias será
visitar os próprios castelos.
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Outra perspetiva do Pátio de Armas recuperado do Castelo de Ponferrada |