 |
A Sala da Portaria do Convento da Graça |
Quem
for, por estes dias de calor antecipado, beber uma cerveja fresquinha na
esplanada do Miradouro da Graça (há poucos anos rebatizado como Miradouro
Sophia de Mello Breyner Andresen), tem mais um local para deslumbrar o olhar.
Além do esplendor do rio, do castelo, do casario de Lisboa, tem também o recentemente
recuperado Convento da Graça.
Parece
que os monges agostinhos já por aqui andavam desde a conquista de Lisboa, mas o
conjunto do convento e da igreja foi fundado no século XIII. Foram reedificados
no século XVI e, depois do terramoto de 1755, a igreja foi restaurada em estilo
barroco. O convento não foi muito destruído mas, após a extinção das ordens
religiosas, foi transformado em quartel do exército. Nos painéis de azulejos,
os olhos picados das figuras religiosas esclarecem-nos sobre a distração das
tropas que por ali estacionavam.
 |
O magnífico trabalho em mármore do chão |
Embora
classificado como Monumento Nacional em 1910, o espaço do convento passou a
funcionar como creche. O chão coberto de linóleo e as paredes tapadas com
contraplacado acabaram por preservar o edifício das brincadeiras das crianças,
que tinham no claustro o seu espaço de recreio.
Hoje,
o espaço conventual está bem recuperado e revela-se em toda a sua beleza. A
chamada Sala da Portaria aparenta ser uma antiga capela, revestida de mármores
e estuques trabalhados. Ao fundo, uma réplica do quadro de Vieira Lusitano
“Santo Agostinho calcando aos pés a Heresia” recorda-nos a Ordem religiosa que
ali se instalou durante tantos séculos (o original está no Museu Nacional de
Arte Antiga).
 |
O Claustro |
O
Claustro é um foco de luz e alvura no centro do convento, com os seus
arcos regulares e a sua geometria depurada.
Mas
o que mais me interessou foram os grandes painéis de azulejos da Sala do
Capítulo. É uma sala comprida e os painéis estendem-se pelas paredes, ao ritmo
das portas e janelas. Cada um conta uma história ou apresenta um episódio relevante relacionado com a vida de um daqueles frades agostinhos. A tónica
comum é a pregação, a ação missionária. E, quantas vezes, a santidade ou o
martírio. As cenas sucedem-se, de Moscóvia a Zanzibar.
O
maior painel conta a história de uma rainha do reino do Gorgistão (atual
Geórgia), que tinha tomado o hábito da ordem dos agostinhos. Após a invasão do
Gorgistão pelas tropas persas, a rainha Ketevan foi enviada ao Xá Abbas, rei da
Pérsia, numa embaixada de paz. Mas o Xá mandou prendê-la em Xiraz, onde ficou
em cativeiro durante onze anos. Suspeitando de que a rainha Ketevan fornecia
informações a seu filho, o rei Tamarashan, sobre o que se passava na Pérsia, o
Xá enviou os seus soldados a Xiraz com uma proposta: ou se tornava muçulmana ou
seria martirizada até à morte com tenazes de ferro em brasa. A recusa da rainha
em abandonar a sua fé levou-a ao martírio, pormenorizadamente contado nos
azulejos. Esta história passou-se em 1624. Quase quatro séculos depois, em
2017, o restauro dos azulejos deste painel foi financiado pelo Governo da
Geórgia! Como a história perdura!
 |
Parte do painel da rainha Ketevan |
Nem
todas as histórias de missionação acabam mal. Outro painel conta-nos a
conversão do rei de Comine, em Angola, com os seus 6 filhos, 3 netos e muitas
outras pessoas de alta hierarquia, em 1575, por Frei Pedro da Graça, que pelo
seu trabalho missionário ficou conhecido como o Apóstolo d’ África.
 |
Parte do painel de Frei Pedro da Graça |
Será
pela proximidade com este trabalho missionário que a Igreja da Graça se irá
transformar na sede de uma das confrarias de escravos convertidos existentes em
Lisboa? É provável. Essas “irmandades de homens pretos e pardos”, como eram
chamadas na época, proliferaram em Lisboa e no sul de Portugal, onde os
escravos eram em maior número. Forneciam-lhes algum conforto espiritual e
alguma ajuda material na velhice ou no funeral. E assim se incorporaram alguns
santos negros no panteão católico, como ainda se pode ver num dos altares da
Igreja, dedicado a Nossa Senhora do Rosário.
 |
O altar dedicado a Nossa Senhora do Rosário |
Vale
a pena visitar estes espaços e refletir sobre os seus significados que, para o
bem e para o mal, fazem parte de nós e da nossa história.