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Parte do painel dos Hohenzollern na Igreja Memorial Kaiser Guilherme I |
Ao caminharmos por Berlim, não podemos impedir-nos de sentir
que há ali um desígnio imperial. Não é uma cidade antiga, como Atenas, ou Roma,
ou mesmo Lisboa, que mostram as marcas e cicatrizes dos seus muitos anos de
vida. Pressentimos que Berlim foi criada para afirmar um poderio e uma
ascendência sobre os territórios vizinhos. Na verdade, Berlim só começa a
desenvolver-se culturalmente no século XVII e é nos finais do século XVIII e no
século XIX que se torna uma grande capital europeia.
No início do século XVIII, o reino da Prússia afirma-se como um
estado autónomo e os reis da família Hohenzollern fazem de Berlim a sua
capital. Frederico II, o grande rei símbolo do despotismo iluminado, irá aliar
o militarismo ao amor pelas artes, criando muitos dos espaços emblemáticos da
cidade.
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Estátua do rei Frederico Guilherme em Unter den Linden |
Talvez a Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, criador do
Império Alemão, melhor do que qualquer outro monumento, exemplifique essa busca
de afirmação imperial. Construída em estilo neorromânico nos finais do século
XIX, legitimava os Hohenzollern e o desígno imperial em belíssimos painéis de
azulejos e baixos-relevos. Ainda hoje, meia-destruída pelos bombardeamentos da
2.ª Guerra Mundial, nos surpreende pela sua beleza e grandiosidade.
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As ruínas da Igreja Memorial do Kaiser Guilherme |
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A nova Igreja, a que as paredes de tijolo de vidro azul dão uma luz especial... |
O coração dessa Berlim imperial é o eixo que liga a zona do
Reichtag e do parque da cidade – o Tiergarten - a Alexanderplatz, na sua maior
parte constituída pela famosa avenida Unter den linden. Embora já não tenha o
esplendor de outros tempos, aí se encontram alguns dos edifícios mais
emblemáticos da cidade. No início da avenida, a grande Porta de Brandenburgo,
dramática e imponente, não deixa ninguém indiferente. Por ali desfilaram os
exércitos vitoriosos de Napoleão mas também as tropas prussianas, após as suas
sucessivas vitórias no século XIX. Hoje, desfilam por ali hordas de turistas,
tentando tirar uma selfie com a Porta em fundo. Fiz o mesmo, pois claro…
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Mais do que famosa... a Porta de Brandenburgo |
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Perspetiva da Porta de Brandenburgo a partir da rua lateral |
O Reichtag ainda hoje é um edifício impressionante. Do
original, só resta a fachada, com a sua insígnia Dem Deutsche Wolk, Ao Povo
Alemão. Destruído no final da guerra, foi reconstruído como um edifício
ecológico, com um total reaproveitamento da luz e do calor solar. A sua nova
cúpula, da autoria de Norman Foster, permite as melhores vistas da cidade.
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A fachada recuperada do Reichtag |
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A moderna cúpula do Reichtag, vista por dentro... |
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... e por fora. |
Junto à Porta de Brandenburgo, erguem-se várias embaixadas,
americana, inglesa, francesa, e a grande embaixada russa, de fachada
estalinista. Depois, ladeada pelas suas tílias (linden significa tílias), a
avenida continua, mostrando os seus palácios, como o Opernpalais, o edifício da
Ópera de Berlim, ou a Universidade Humboldt, onde estudaram muitos cientistas
premiados com o Prémio Nobel, como Albert Einstein.
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A Universidade Humboldt |
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Bebelplatz |
A elegante Bebelplatz
deveria ser o centro do Forum Fredericianum, um espaço de cultura, no entanto,
é tristemente célebre pela queima de livros que ali aconteceu em 1933. Do outro
lado da avenida, o belo edifício construído para albergar a Neue Wache, ou Nova
Força de Vigilância, é hoje um memorial a todas as vítimas da violência
perpetrada pelo Estado. No centro da sala, uma Pietá esculpida por Käthe Kollwitz recorda-nos esse sofrimento sem
sentido.
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A Neue Wache, hoje Memorial às Vítimas da Violência |
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A Pietá de Kollwitz no interior do Memorial |
A grande estátua equestre de Frederico Guilherme domina a
zona final da avenida. Daqui já se avista a sumptuosa catedral de Berlim e,
logo a seguir, a ilha dos museus.
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A belíssima Catedral de Berlim |
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Entrada da Catedral |
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Em vez dos usuais santos, os reformadores da Igreja... |
Confesso que me deixa espantada a visão de um
rei que, no século XIX, decide consagrar à cultura e à arte uma parte distinta
da cidade, uma quase ilha no rio Spree, que cruza Berlim. É evidente que esta decisão
não era ingénua, servia também para o engrandecimento da Prússia como centro de
cultura e conhecimento, num momento em que a Europa explorava a cultura dos
outros continentes, juntamente com as matérias-primas... Ali se construiu um
conjunto notável de museus que deveria exibir o que de melhor a capacidade
humana produziu e que ainda hoje nos fascina.
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Na ilha dos Museus... |
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Ponte sobre o rio Spree |
Esta Berlim imperial viu o seu fim no final da Primeira
Guerra. E, após o Terceiro Império, ou Terceiro Reich, que não durou mil anos,
nem mesmo cem, acabou destruída e dividida por potências militares ocupantes. A
Igreja Memorial do Kaiser Guilherme foi também quase totalmente destruída e ali
se ergue, como uma magnífica ruína, a fazer-nos lembrar a frase de Goethe, o
mais famoso poeta alemão:“As nossas guerras modernas fazem muita gente infeliz
enquanto duram e não fazem ninguém feliz quando acabam.”
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Estátua memorial a Goethe, no Tiergarten |